sábado, 7 de abril de 2018

CASO TRÍPLEX DE GUARUJÁ: REVISITANDO O DEPOIMENTO DE LÉO PINHEIRO

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Como é notório, a condenação do ex-presidente Lula em face do caso tríplex de Guarujá se apoiou basicamente no depoimento do empreiteiro Léo Pinheiro, executivo da OAS. Em suas abordagens sobre o tema, especialmente nesses dias de tantos julgamentos nas segunda, terceira e quarta instâncias, a mídia vem destacando exatamente os trechos do depoimento do citado empresário ao juiz da Lava Jato, sem, entretanto, qualquer preocupação de contextualizar os fatos que culminaram no referido depoimento. Para aclarar o assunto, ocorre-nos reproduzir o post abaixo - publicado originalmente em 23 de abril de 2017 -, mediante o qual o analista Luís Nassif, titular do Jornal GGN (AQUI), expõe sua avaliação sobre o assunto.
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Nota: não temos como bater o martelo, claro, mas o caso realmente soa bastante singular, para dizer o mínimo. A propósito, sugerimos a leitura adicional do post "A OAS 'mudou delação'. E o que a fez mudar?" - AQUI -, de autoria do jornalista Fernando Brito.
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Em tempo: A sentença do juiz Sérgio Moro contra Lula no caso tríplex foi proferida em 12 de julho de 2017 (clique aqui para ler uma avaliação sobre ela), que já foi ratificada pelo TRF4, com elevação da pena, tendo em conta a prescrição.



Xadrez da marmelada do tríplex de Guarujá

Por Luís Nassif
(Matéria publicada em 23.04.17)

Talvez a rapaziada seguidora da novilíngua da Internet não saiba o significado da palavra “marmelada” – não o doce. Significa combinar de forma desonesta com o adversário o resultado final.

Entenda como se montou a marmelada do tríplex de Guarujá – cuja propriedade é atribuída a Lula.

O maior abuso cometido hoje em dia contra o Estado de Direito é o instituto da delação premiada. É escandalosa a sem-cerimônia com que a delação é manipulada pela Lava Jato, pelo PGR Rodrigo Janot e pelo juiz Sérgio Moro. É o maior argumento em defesa da Lei Antiabuso.


Em um processo, há os dois lados: a acusação e a defesa. E o juiz arbitrando o jogo.
Na teoria, o procurador não é exclusivamente a pessoa da acusação, mas o que busca a verdade. Só na teoria. Na prática, é como o delegado que não quer estragar um grande caso descobrindo a inocência do réu, ou o jornalista que não quer estragar a manchete com dúvidas sobre a culpa do suspeito.
O MPF só aceita a delação de quem diz o que ele, procurador, quer ouvir. O réu não pode dizer mentiras factuais. Mas nada impede que avance em ilações falsas sobre fatos – que é uma forma mais inimputável de mentir – ou afirmações não comprováveis e que, por isso mesmo, podem ser manipuladas ao seu gosto. Ou melhor, ao gosto do procurador.
Vamos entender melhor esse jogo de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, com a Lava Jato-Procurador Geral da República. Esta semana, Léo declarou que Lula é o verdadeiro proprietário do tríplex de Guarujá, apesar dos advogados de Lula terem mostrado escrituras comprovando que a OAS continua como única proprietária do tríplex

LANCE 1 – a armação para pressionar Pinheiro e mudar a versão

O lance Léo Pinheiro foi cantado no dia 29 de agosto do ano passado (nota deste blog: 29.08.2016 - https://goo.gl/Pt4xbA), quando o Procurador Geral Rodrigo Janot intempestivamente suspendeu as negociações para a delação com base em um motivo ridiculamente primário: uma denúncia anódina contra o Ministro Dias Toffolli, publicado pela revista Veja, e imediatamente atribuída por Janot a Léo – sem nenhuma comprovação.
A delação de Pinheiro comprometia fundamentalmente os governos de Geraldo Alckmin e José Serra, relatando o sistema de propinas em obras públicas estaduais. Até então, o que se sabia das delações da Odebrecht é que se limitavam a relatar financiamentos de campanha por caixa 2 e que Léo Pinheiro avançaria expondo sistemas de propinas.
Escrevi na época:
Versão 1 – o PGR acusou advogados da OAS de terem vazado parte do pré-documento de delação de Léo Pinheiro, com o intuito de pressionar para que a delação fosse aceita. (...) A versão não se sustenta porque, além de ser ilógica – é evidente que o vazamento comprometeria a delação (...)
Versão 2 – imediatamente Janot suspendeu as negociações para a aceitação da delação do presidente da OAS, Léo Pinheiro. Para justificar a não tomada de decisão ante as 17 delações anteriores vazadas, alegou que a de Toffoli era diferente, porque a informação não existia. Ou seja, tratou drasticamente um vazamento irrelevante (porque, segundo ele, de fatos que não existiam) e com condescendência vazamentos graves.
Na atual edição de Veja, tenta-se emplacar uma nova versão: a de que o anexo (com o suposto vazamento) existia, mas não constava da pré-delação formalizada. Como fica, então, o argumento invocado para livrar os procuradores da suspeita de vazamento?
 (...) No dia 11 de agosto passado, a sempre atilada Mônica Bérgamo deu pistas importantes para entender os últimos episódios (http://migre.me/uMCbH)”
“A revelação feita pela Odebrecht sobre dinheiro de caixa dois para o PMDB, a pedido de Michel Temer, e para o tucano José Serra (PSDB-SP) tem impacto noticioso, mas foi recebida com alívio por aliados de ambos. Como estão, os relatos poupam os personagens de serem enquadrados em acusações mais graves, como corrupção e formação de quadrilha.
 (...) Neste final de semana, Veja traz o conteúdo total da pré-delação de Léo Pinheiro.
Há informações seguras de pelo menos um depósito na conta de Verônica Serra. Esse depósito não aparece na pré-delação da OAS divulgada pela Veja. Talvez apareça mais à frente, quando se avançar sobre os sistemas de offshore”.
Há a necessidade de ler a íntegra da próxima delação de Pinheiro, para uma avaliação melhor sobre a maneira como relatará os esquemas de São Paulo. Mas é fora de dúvida que, para conseguir se livrar da prisão, Léo Pinheiro teve que se propor a entregar Lula.
Esta semana, as informações sobre o tríplex de Guarujá foram prestadas por ele ainda sem constar do acordo de delação. Mas, antes do início do depoimento, fontes da Lava Jato já antecipavam seu conteúdo, o que significa que já haviam chegado a um entendimento, visando o objetivo central da operação: inviabilizar a candidatura de Lula para 2018.

LANCE 2 – a ideia fixa do tríplex

No depoimento prestado a Moro, Pinheiro faz um relato inverossímil das ligações com Lula.
Dizer que financiou o PT é verossímil, assim como o apoio dado ao Instituto Lula. É verossímil também que teria aceitado assumir o edifício do tríplex, por saber que o casal Lula tinha uma cota em seu nome. Afinal, quem não gostaria de ter um edifício tendo como um dos proprietários de imóvel um ex-presidente da República? É igualmente verossímil que tenha convidado o casal Lula-Marise a visitar o edifício, para ver se se interessavam pelo apartamento.
A partir daí, não há um elemento sequer que comprove que Lula ficou com o tríplex. Lula declarou ter visitado o edifício, não ter gostado do apartamento e não ter ficado com ele.
Há uma montanha de testemunhas e documentos comprovando que a OAS permaneceu como proprietária do edifício.
Mas os brilhantes Sherlocks da Lava Jato transformaram o tríplex em questão de honra. Como é um caso mais ao alcance do chamado telespectador comum, a comprovação da posse do tríplex tornou-se uma obsessão.
Por conta dessa obsessão, já quebraram a cara ao descobrir que estava em nome de uma conta do escritório Mossak Fonseca. Promoveram o maior alarido, invadiram o escritório da Mossak, acessaram seu banco de dados e levaram duas pancadas simultâneas. A primeira, a constatação de que a offshore dona do tríplex era da OAS mesmo; a segunda, ao descobrir uma offshore de propriedade da família Marinho, da Globo.
Numa só tacada inocentaram o alvo e comprometeram o aliado.
Foi um custo varrer o elefante para baixo do tapete.

LANCE 3 – a encomenda entregue por Pinheiro

Agora, Léo Pinheiro aparentemente cedeu e entregou a encomenda pedida.
Mas há um jogo curioso montado.
De um lado, deu declarações que, sem provas, não têm o menor valor penal. As provas, segundo antecipou o jornal O Globo, são terrivelmente ridículas: comprovações de reuniões com Lula, de telefonemas a funcionários do Instituto Cidadania. Junto, as delirantes provas colhidas pelos Sherlocks da Lava Jato que identificaram quatro (!) viagens em um ano de carros do Instituto até Guarujá.
Fica-se assim, então:
1.     As declarações de Pinheiro garantem alguns dias de cobertura intensiva no Jornal Nacional, preparando o ambiente para uma próxima condenação de Lula.
2.     Mas Pinheiro não entrega nenhuma prova comprometedora contra Lula, nem no caso do tríplex (que não deve ter mesmo), nem em nenhum outro caso relevante.
Além disso, o Código Penal proíbe que uma pessoa seja julgada duas vezes pela mesma acusação. E o caso do tríplex já foi julgado e anulado pela Justiça estadual de São Paulo, apresentado pelos procuradores estaduais.  Adendo O que informou o Jornal GGN em post de 19 de setembro de 2017:
Ou seja, a grande armação visando ou a prisão ou acelerar a condenação de Lula é ridiculamente frágil.  -  (Aqui).

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ADENDO 

O que informou o Jornal GGN em post de 19 de setembro de 2017:

A sentença do caso triplex proferida por Sergio Moro contra Lula foi golpeada por um parecer enviado pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal, no mês passado.
 
No documento (em anexo, abaixo), Janot afirma que Léo Pinheiro não fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal e, portanto, "não há nenhum elemento de prova obtido a partir dessas tratativas preliminares." Além disso, o então PGR apontou que mesmo que o acordo tivesse sido fechado e homologado pela Justiça, seria necessário investigar se as falas e os indícios de provas eventualmente entregue por Pinheiro seriam verdadeiros.
 
O entendimento caiu nas graças da defesa de Lula, que utilizou o parecer de Janot para sustentar, perante o tribunal que vai revisar a sentença de Moro, que o ex-presidente foi condenado apenas com base em falatório sem provas.
 
Moro sentenciou Lula a 9 anos e seis meses de prisão mais pagamento de multas que ultrapassam os R$ 13 milhões exclusivamente a partir dos depoimentos de Léo Pinheiro e Agenor Franklin Medeiros, ex-executivos da OAS. Como não há acordo de colaboração, eles falaram contra Lula na condição de corréus - ou seja, sem compromisso de dizer a verdade.
 
Segundo Janot, "eventuais tratativas preliminares [com Pinheiro e Medeiros] não interessam à defesa de qualquer acusado – aí incluído o reclamante [Lula] –, tanto porque, nesse momento, ainda não se tem certeza acerca do fornecimento de informações incriminadoras."
 
Para a defesa de Lula, Janot também assinalou que uma delação informal e sem provas jamais deveria ter sido base fundamental para uma sentença condenatória.  

(Para continuar, clique AQUI).

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Como é notório, o TRF4 não se comoveu diante do argumento oferecido pelo procurador-geral da República, limitando-se a ratificar a sentença recorrida. Cumpre lembrar que a lei disciplinadora da colaboração premiada traz dispositivo que condiciona a validade do conteúdo dos depoimentos à apresentação de provas. Não obstante, o réu Léo Pinheiro, que depôs na condição de corréu, e não de colaborador, foi premiado com a redução de sua pena (de 10 anos e oito meses) para três anos e seis meses, conforme noticiou o Jornal Nacional em sua edição do dia 24 de janeiro último - AQUI.


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