domingo, 14 de janeiro de 2018

RIOS ESGOTOS DESEMBOCAM NO ARMAGEDOM

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Entre os muitos 'causos' do folclore político, um dá conta de que certo homem público, discutindo alternativas de aplicação de recursos orçamentários, relata plano de investimento em saneamento básico, ao que o interlocutor 'corta' o papo: "Aplicar nossos parcos recursos em saneamento básico é burrice, pelo simples fato de que esgoto, galerias subterrâneas, não causam impacto: a mídia não pode fazer auê, o eleitor não vê. Resultado: zero em dividendos. Logo, não dá!". A observação é 100% míope, claro, porém certas 'visões' políticas a consideram 'lógica'.
Mas, o que dizer dos rios estropiados, expostos na praça pública nacional, prenhes de impunidade?


Poluição dos rios pode desencadear um "Armagedom ecológico"

Por Carlos Coimbra

A qualidade da água dos rios brasileiros, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, é consideravelmente preocupante. A poluição proporcionada por esgoto doméstico, resíduos industriais e resíduos de atividades agropecuárias estão entre as principais causas dessa preocupação.
Até mesmo o detergente doméstico, quando atinge as bacias, pode ser fonte de fósforo e outros poluentes capazes de desenvolver um fenômeno chamado “eutrofização”, que é o crescimento desproporcional de algas indesejáveis nos leitos dos rios.
Só para ter ideia, uma das vertentes menos problemáticas dessa contaminação é aquela relacionada ao impacto da qualidade da água na eficiência de turbinas de geração hidrelétrica. Lagos de usinas com uma grande presença de algas podem ser menos eficientes na produção de energia. Nesse sentido, a Itaipu Binacional proporciona periodicamente campanhas educativas e estudos de impacto para verificar a eutrofização de rios e afluentes da bacia do Paraná, no sul do país. Ali, um dos grandes responsáveis pelo fenômeno indesejado é a infiltração de agrotóxicos e resíduos de esterqueiras principalmente de aviários e chiqueirões.
Fósforo e outros poluentes podem gerar problemas muito piores que a eutrofização, como, por exemplo, o desencadeamento da extinção maciça de espécies animais.
Estudo publicado neste mês por equipe de cientistas ingleses na revista Environmental Pollution indica que até mesmo águas contaminadas com índices modestos de fósforo são ambientes propícios à morte dos ovos de determinados insetos que participam da cadeia alimentar fluvial. (Veja o artigo original em inglês neste link.)
Esse é o caso principalmente dos insetos do gênero Ephemera. Aqui no Brasil há cerca de 160 espécies deste tipo de inseto.
Na pesquisa constatou-se que 80% dos ovos de Ephemera são destruídos quando um rio está contaminado por índices de fosfato em torno de 0,07 miligramas por litro. Esse índice é muito menor do que o observado por exemplo em rios da Grande Campinas (veja aqui).
Como muitos peixes, aves, anfíbios e mamíferos se alimentam de insetos adultos ou mesmo ovos de Ephemera, a extinção deste tipo de inseto pode causar problemas graves na cadeia alimentar dos rios, levando a uma reação em cadeia de impactos ambientais sem precedente. Por isso, alguns analistas têm considerado o resultado do estudo como apenas a ponta do iceberg. É compreensível que seja mesmo a ponta de um iceberg, já que rios poluídos também desembocam nos oceanos, o que afeta a frágil vida marinha dos estuários.
De uma forma geral, outros estudos também apontam que o uso intenso de agrotóxicos está afetando o ciclo de vida de abelhas e outros insetos. Por exemplo, em outubro do ano passado, uma pesquisa realizada por cientistas alemães descobriu que a abundância de insetos voadores diminuiu em 75% em 25 anos, levantando a possibilidade de que o mundo está em curso para um “Armagedom ecológico”, com impactos profundos na sociedade humana (veja aqui).
[Carlos H. Coimbra (twitter: @carloscoimbra9) é professor da Universidade Federal do Paraná e cientista da área da astrofísica e cosmologia. Gosta também de dar pitacos em áreas como meio ambiente, aproveitamento de energia e cultura em geral].  -  (aqui).

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