segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

DE COMO PHILIP MARLOWE VOLTOU À AÇÃO (CAPÍTULO 7)

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Sebastião Nunes, autor da série, é natural de Bocaiuva, MG, escritor, editor, artista gráfico e poeta. É também titular de um blog no Portal Luis Nassif OnLine.


O país dos canalhas - Capítulo 7 - Caçando bruxas modernas

Por Sebastião Nunes

Consegui me desvencilhar das seis mulheres e dos poemas. Das mulheres foi mais fácil. Desci uma escada íngreme e cheguei à entrada do porão. Trancada.

Era maciça, de madeira velha escurecida, que não consegui identificar: não sou especialista em madeira.

Não podia dar bandeira atirando na fechadura ou arrombando a porta. Devia ter gente lá dentro e não queria que me ouvissem. Então usei minha chave-mestra de arrombador profissional. Bem mais fácil que abrir cofre de corrupto ou banqueiro.
Penumbra. Acendi minha lanterna-olho-de-gato e sondei o ambiente. Estava num salão amplo, com uma mesa e cadeiras na frente dela. Bastante gente. A pouca luz vinha de velas. Busquei um recanto escuro e fiquei ali, quase sem respirar.

O MARTELO DAS BRUXAS
De pé, encostado na mesa, distingui nas sombras Ednardo Cunha, que parecia ser o chefe da camarilha. Nas cadeiras da frente reconheci Miguel Temeroso, Joseph Serrote, Amnércio Naves, Sérgio Cobreiro e Gilmárcio Mendelson. Havia deputados, senadores, ministros e empresários. Conhecia alguns de vista ou de foto.
Ednardo, Joseph, Amnércio e Cobreiro eram os que se preparavam para assaltar a Casa da Moeda, conforme relatei no primeiro capítulo. O que faziam ali Temeroso e Gilmárcio era mistério para mim. Mas meu trabalho, como detetive particular porreta, era descobrir lobo em pele de cordeiro.
Ednardo lia um livro grosso, muito gasto. Era o famoso “Malleus Maleficarum” que, como erudito, eu conhecia de longa data. Título completo: “Malleus Maleficarum Maleficat & earum haeresim, ut framea potentissima conterens”. Editado em 1486, foi escrito pelo dominicano Heinrich Kramer e serviu como manual para as perseguições da Inquisição na Europa. Conheci na tradução para o inglês, claro.
Assunto? Bruxaria. Objetivo do livro? Perseguir e queimar bruxas, acusadas de feitiçaria. Mas o que estaria fazendo ali aquele livro, motivo de leitura e talvez de estudo pelo grupo que assaltara o poder e buscava por todos os meios se manter nele?

AVANÇAM OS ESTUDOS
Compreendi melhor quando ouvi o que dizia Ednardo Cunha:
– Escutem o que escreveu Kramer: "Com efeito, as mulheres, em virtude da deficiência original em sua inteligência, são mais propensas a abjurarem a fé e, por causa da falha secundária em seus afetos e paixões desordenados, também almejam, fomentam e infligem vinganças várias, seja por bruxaria, seja por outros meios. Pelo que não surpreende que tantas bruxas sejam desse sexo".
E continuou:
– Só li esse trecho para que tenham uma ideia de seus objetivos gerais, e como Kramer pôde dirigir suas acusações para as mulheres, e quase só elas. Os bruxos, ou seja, os homens, ele os trata como adivinhos, magos, supersticiosos, enfim, o autor alivia bastante a barra deles, forçando a mão contra as mulheres.
Suspirou, pigarreou e prosseguiu:
– Este livro, como a “Bíblia”, o “Mein Kampf”, de Hitler, “O príncipe”, de Maquiavel, serve a qualquer causa, desde que bem adaptado. Em nosso caso, vamos adaptá-lo à perseguição de nossos inimigos, dos amigos de nossos inimigos, dos parentes de nossos inimigos, vale dizer: à perseguição de todos os que não pensam como nós ou não integram nosso grupo de poder. Com respaldo em outro grande livro que distorcemos a seguir, o realista “1984”, de George Orwell, nosso objetivo será, depois da conquista, a manutenção do poder. Para isso, todos os recursos são válidos: mentira, corrupção, acusações falsas, delações, prisões para forçar delações, mas acima de tudo o mais estreito acordo com a mídia. Ela por nós e nós por ela, todos juntos.
Um murmúrio de aprovação emocionada se ergueu entre os ouvintes. Pelo visto, todos pensavam da mesma maneira. Me arrepiei todo.

DA TEORIA À PRÁTICA
Joseph Serrote levantou um dedo pedindo a palavra:
– Concordo com a explanação do Ednardo, mas temos de considerar nossos índices de aprovação junto ao povo. Estamos variando de 3 a 5% em todas as pesquisas. A maior parcela da população nos odeia. Ainda não sofremos atentados violentos porque este é um país de covardes, gente que fala muito e age pouco. Fosse na Europa, muitos de nós estariam mortos e enterrados.
Fez uma pausa, examinou os rostos mal reconhecíveis sob a luz fraca das velas, e achou que podia seguir em frente:
– Sei que a elite econômica está no nosso lado. Aliás, é ela que nos sustenta, pois nós é que garantimos seus lucros. Mas também acredito que nossa batata está assando. Mais dia menos dia, seremos expulsos do poder.
Violento clamor se elevou da turba.
Amnésio Naves resolveu intervir:
– Mas...
– Cale a boca, sua besta! – gritou Gilmárcio Mendelson. – Você só entende de pó e praia. Deixe a conversa para os adultos.
Sérgio Cobreiro entrou na conversa:
– Estou sentindo na pele a vingança dos pobres. Aliás, até hoje não entendi o motivo de minha prisão e condenação. Por que eu? Por que só eu e o Ednardo estamos em cana? Certo que o Luiz Estêvão está preso, o Maluf idem, nos Estados Unidos condenaram o Marin... Mas e o resto de vocês, tão ou mais corruptos do que nós? Isso é o que não consigo entender.
Ednardo Cunha retomou a palavra:
– Você está preso e não está, como prova sua presença aqui. Puro jogo de cena. Mas ainda não cheguei ao principal: o que faremos para destruir definitivamente nossos inimigos. Eis a questão que discutiremos a seguir.  -  (Aqui).
(Continua)

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