segunda-feira, 6 de novembro de 2017

REDAÇÃO DO ENEM X DIREITOS HUMANOS E O PONTO FORA DA CURVA


"É com muita dor que faço uma redação em forma de paródia-denúncia, estarrecido com a decisão unilateral, apressada e chocante da ministra Cármen Lúcia em não zerar redações que violem direitos humanos no Exame Nacional do Ensino Médio. A sociedade brasileira que já sofre com a violência do Estado não merecia um ato de tamanha violência simbólica do tribunal máximo da república. É o nosso AI-5.

Para um professor que passou anos preparando alunos para respeitar os direitos humanos e que sabe da imensa importância técnica deste critério de correção para a qualidade do debate, do texto e para a construção da cidadania, é humilhante ser obrigado a ver uma decisão dessas em plena e suposta democracia.


O instrumento de zerar a prova de redação que viole direitos humanos não é apenas um critério de correção, como defendeu a ministra em seu texto: é um procedimento de indução do debate público qualificado e cidadão, é uma poderosa ação simbólica que irradia consciência, solidariedade e sentido de liberdade para a sociedade brasileira.


Hoje, posso dizer que me sinto envergonhado diante dessa instituição que atende pelo nome de STF e, sobretudo, por sua presidente. Segue a redação-denúncia. Não é uma leitura leve e peço desculpas por redigir peça tão violenta. Mas, talvez, ela seja importante do ponto de vista pedagógico e histórico, para que esse ato suicida de um tribunal confuso possa ser devidamente combatido em sua verdadeira dimensão imoral. É para chorar e se indignar.


[NOTA: DO PONTO DE VISTA TÉCNICO, É UMA REDAÇÃO QUASE PERFEITA: EM NORMA CULTA, TEMA, COERÊNCIA E COESÃO, TERIA A NOTA MÁXIMA OU QUASE A MÁXIMA. ATÉ A PROPOSTA TAMBÉM SERIA “BOA”, PORQUE ELA ESTÁ “TECNICAMENTE” ORGANIZADA. UMA REDAÇÃO, SEM O ZERO DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, PRATICAMENTE NOTA MIL].



A falácia dos direitos humanos
Por um autor imaginário - mas menos do que se imagina


Desde os primórdios da humanidade, o homem fala em direitos humanos. E sempre que se fala em direitos humanos é para defender bandido. O sujeito rouba, mata e estupra e a sociedade é obrigada a respeitar os direitos humanos dele. Pessoas assim nem podem ser chamadas de pessoas: são subgente. Merecem apodrecer na cadeia, sendo torturadas e humilhadas.
Uma instituição que tem sido exemplar no combate à falácia dos direitos humanos é o STF. Um dos lugares em que mais se mata no mundo são os presídios brasileiros, e a sociedade apoia isso, pois percebe que há uma instituição séria que também apoia. A presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia, visitou recentemente os presídios brasileiros, testemunhou as condições precárias e merecidas desses indigentes e, muito acertadamente, nada fez. O STF tem o apoio de toda a sociedade do bem, que quer a morte de todos esses negros assassinos que só oneram o Estado.
Índios, moradores de rua, sem-terra, sem-teto, homossexuais, negros, deficientes, mulheres pseudo vítimas de violência, crianças delinquentes, toda essa população merece o que lhes ocorre nesse preciso momento: a indiferença do Estado, que tem que se preocupar com as pessoas que trabalham, pagam seus impostos e sustentam suas famílias. Mais do que isso: eles merecem a limpeza étnica que os governos estaduais, através de suas polícias, promovem há anos de maneira exemplar, em suas incursões nas periferias.
A sociedade do bem apoia o STF em sua cruzada contra essa mentira que é a defesa dos direitos humanos. Defesa de direitos humanos é defesa de bandido. É preciso que o STF intensifique sua admirável ação em continuar esmagando essa população que não merece viver, seja com sua indiferença, seja no contingenciamento de verbas para o sistema carcerário, seja punindo quem insistir em proteger bandido. A sociedade do bem tem uma inspiração para continuar combatendo as mentiras da defesa dos direitos humanos: o STF e sua presidente, a ministra Cármen Lúcia. Com essa instituição ativa, a sociedade brasileira vai limpar toda a sujeira humana que ameaça a vida do cidadão de bem.



(De Gustavo Conde, linguista e professor de redação, mensagem intitulada "A 'nota mil' na redação de Cármen Lúcia", dirigida a Fernando Brito, titular do blog 'Tijolaço' - aqui.
Ao fundamentar sua decisão, a ministra Cármen sustentou, entre outros argumentos, que o zeramento da prova de redação que desrespeite os direitos humanos configuraria "intolerância estatal" - aqui -. Aparentemente, ou, melhor, apressadamente, poderia fazer sentido, se se levasse em conta tão somente o direito do indivíduo isoladamente considerado. O raciocínio é demolido pelo articulista: "O instrumento de zerar a prova de redação que viole direitos humanos não é apenas um critério de correção, como defendeu a ministra em seu texto: é um procedimento de indução do debate público qualificado e cidadão, é uma poderosa ação simbólica que irradia consciência, solidariedade e sentido de liberdade para a sociedade brasileira"

Proveitosa aula).

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