quarta-feira, 9 de agosto de 2017

A VIDA É BOA


A vida é boa

Por Priscila Gontijo

Se nos lançarmos aos noticiários atuais só conseguiremos enxergas ironia nas últimas palavras do Bruxo da Cosme Velho, ao morrer: "A vida é boa." Boa?
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Notícias catastróficas ululam ao redor, o número de suicídios entre jovens só aumenta, o retrocesso político é tão visível e dilacerante que o presidente ilegítimo foi até rebatizado: é o tal Fora Temer quem “governa” o país, um morto-vivo de botox. A realidade sociopolítica, ambiental e de saúde de famílias pertencentes a uma comunidade vulnerável piora a cada dia, as políticas públicas de educação são extintas, a cultura perde seus grafites, sua verba, suas múltiplas correntezas de cores para se comprimir ao cinza agonizante, a alavancada do conservadorismo é radical em todos os âmbitos, o crescimento da bancada evangélica agrava o preconceito contra as minorias, os racistas de plantão saem do armário e propagam a sua mediocridade nas redes sociais. E como se não bastasse, num país que mata 13 mulheres por dia, segundo o Atlas da Violência 2016, o caso da musicista Mayara Amaral, 27 anos, assassinada no dia 24 de Julho reacende o debate sobre a tipificação do feminicídio no país e a dificuldade em aplicá-lo, ao tratar o crime brutal como latrocínio. Os guaranis do Estado vivem ou nas beiras de estrada ou confinados em reservas mínimas, das quais são frequentemente expulsos pelas pressões do agronegócio, o planeta passa por uma situação de “catástrofe climática”, a “campanha” em voga no Congresso para retirar os direitos que estes povos conquistaram com a Constituição de 1988, a reforma trabalhista aprovada no Senado, prejudicando especialmente as mulheres e aumentando a precariedade e a vulnerabilidade em seu trabalho. Uma pequena lista de atrocidades de nós contra nós mesmos.

Dito isso, como seguir? Sugiro inicialmente problematizar o papel da imprensa oficial: será que só notícia ruim dá audiência?

E se pensarmos que a divulgação maciça de notícias ruins e o apagamento de recentes conquistas nos fizeram chegar onde chegamos? É possível supor que a manipulação de uma visão de mundo que poderia ser mais vasta e mais rica se tecida em sua integridade nos deixou a beira do colapso social? Considerando que a complexidade do mundo e do humano é maior do que noticiam a mídia oficial truncando a informação, existe a hipótese de que nos deixar sem saída é a condição primeira do capitalismo. O medo, a descrença generalizada e a desconfiança mútua são as armas do mercado para nos intimidar, nos vencer, nos afastar. E se pudéssemos alargar ainda mais a reflexão e enxergar que a ampla divulgação de pesadelos implica no crescimento da violência por ampliar a falta de confiança? E assim aumentam as vendas de antidepressivos, o dízimo, a cegueira, a burrice. Não sugiro aqui uma apologia ao otimismo, mas a pergunta: por que legitimamos a destruição com tanto fervor?

Sim, estamos vivendo um período de esgotamento. Subordinados ao pensamento único da destruição, é possível uma mudança? Será que se na época dos governos de Lula e Dilma, a imprensa oficial não tivesse excluído dos noticiários as conquistas das novas políticas públicas, teríamos chegado a esse ponto? O compromisso original da imprensa é com a ética e a verdade.

Ao divulgar, em sua totalidade, os avanços que nasceram com o PROUNI, ENEM, SUS, Médicos sem Fronteiras, Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida, sem excluir a revelação das irregularidades, da corrupção, dos erros e equívocos do governo petista, teria se cumprido o atributo maior da imprensa: a informação.

Independentemente de partidos políticos, de posições de esquerda ou de direita, não conseguimos alcançar um pensamento que ultrapassasse as barreiras do maniqueísmo político e se acercasse mais do coletivo. A exigência por uma autocrítica do PT é tão legítima quanto uma autocrítica a ser feita pela imprensa oficial: conservadora, machista e opressora. Ao analisarmos os fatos através do pensamento binário, mediocrizamos o pensamento humano e entramos no perigo da história única tão bem desenvolvido pela escritora Chimamanda Ngozi Adichie durante sua apresentação no TED (Technology, Entertainment, Design).

Da perversão das manchetes nasceu o pessimismo tolo e agressivo. Se me tiram todas as possibilidades, o que me resta senão gritar?

“Bruxa”, “Quenga”, “sapatão”, “dragão”, “feiosa” “mal amada”, “feia”, “cão chupando manga”, aconselhada a ir transar mais, foram alguns dos xingamentos ofertados à presidenta legítima Dilma Rousseff, assomados aos gritos dos paneleiros da elite brasileira, e que só corroborou para aumentar a violência contra a mulher, a misoginia e o preconceito. Esse ódio tacanho, mesquinho e gratuito confirma os estereótipos machistas da sociedade brasileira contra a mulher e serve para nos diminuir e distanciar. A cada dia, a agressão da manchete nos distancia da Beleza. E a Beleza salvará o mundo. Mas não esse. Não o mundo da polarização.

Com certeza, o mundo dos poetas.

“A vida é boa.” Essas foram as últimas palavras de Machado de Assis, relembradas por Otto Lara Resende em uma carta endereçada a uma menina. Eu tinha acabado de completar 13 anos, quando a li.

Se a vida é boa ou não, ainda não alcancei a maturidade para saber, porque a aceitação da vida e do humano prescinde da sabedoria que só a idade oferta.

O que sei é que para todo Temer, existe uma Dilma, para todo Bolsonaro, existe uma Diva Guimarães (professora de 77 anos que deu um emocionante depoimento sobre racismo na FLIP 2017) e para todo Cunha, uma Alejandra Pizarnik (lendo seu dilacerante poema na mesma FLIP) e para nascer um Lima Barreto, uma Maria Valéria Rezende, um Eduardo Viveiros de Castro, basta um pequeno sopro de vida.

Para todo fel, um feixe. Para todo terror, uma poesia. E para toda devassidão, um mar.

A humanidade frutifica é na força do contraste e não em sua negação.

Para cada notícia ruim, um Machado de Assis.

“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem o perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.” (Riobaldo em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa).  

-  (Fonte: Blog Ultrajano - AQUI).

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