quarta-feira, 15 de março de 2017

SOBRE OS DESDOBRAMENTOS DA LISTA DE JANOT


Xadrez da lista de Janot

Por Luis Nassif

Não se iluda com a abrangência da lista de Janot. Espere para analisar melhor o teor das denúncias, para saber se, afinal, o pau que dá em Chico dá também em Chico.
O mais provável é que, como o Ministério Público Federal (MPF) tornou-se irreversivelmente uma corporação política e partidária, provavelmente a inclusão de alguns caciques aliados na lista visa apenas cumprir o formalismo, da mesma maneira que o STF (Supremo Tribunal Federal) quando endossou os procedimentos do impeachment.
Em alguns momentos, há a necessidade de respingos de formalidade para legitimar os esbirros adotados em todo o processo.
Peça 1 - a distinção entre caixa 2 e propina
Hoje já se divulgou que, nas denúncias, o PGR (Procurador Geral da República) Rodrigo Janot distingue o financiamento de campanha, mesmo através do caixa 2,  da propina.
É uma distinção discutível, mas se aceita. O parlamentar apoiado por um financiador privado, mesmo que não entregue nada em contrapartida, sempre verá com bons olhos projetos de interesse do padrinho. Mas esse é um problema do modelo de financiamento privado de campanha, do qual o Ministro Gilmar Mendes se tornou o grande patrocinador.
Mesmo assim, essa distinção dá um enorme poder arbitrário aos procuradores: basta pressionar os delatores a identificar qualquer ação de governo que tenha beneficiado diretamente ou indiretamente o financiador, e estabelecer arbitrariamente uma correlação com a contribuição de campanha. Na outra ponta, dos aliados, cuidar de não estabelecer nenhuma correlação, para que o caso fique na zona cinzenta do caixa 2, sem propina.
Peça 2 - os financiamentos ao PT
É evidente que as empreiteiras foram substancialmente beneficiadas no período Lula-Dilma. Tornaram-se peças chaves em um modelo de desenvolvimento e em uma estratégia diplomática, em um momento em que o país assumiu um protagonismo inédito nas relações internacionais.
Havia toda uma estratégia em torno dessa parceria, comum a qualquer país que começa a se projetar globalmente – como financiamento às exportações, trabalho diplomático.
Todos os partidos do mundo democrático se apoiam em financiadores de campanha que se consideram beneficiados pela linhas política e econômica do partido. É só analisar o papel das empreiteiras americanas no Oriente Médio, ou das petrolíferas na África, ou o imbricamento entre a Boeing e o governo norte-americano, a Dassault e o governo francês, a SAAB e o governo sueco.
Em todos os inquéritos abertos, até agora, procuradores trataram de pressionar delatores e a torturar os fatos para impor correlações a marteladas, amarrando doações a uma operação específica – de maneira a tentar estabelecer o vínculo da propina.
No caso de Lula, tenta-se amarrar doações ao Instituto Lula com decisões de políticas públicas de muitos anos antes, projetos de lei, financiamentos às exportações e até esse ridículo atroz de supor que, em troca de um patrocínio de R$ 2,5 milhões, Lula teria influenciado uma licitação de R$ 15 bilhões, dos caças da Aeronáutica, em processo que envolveu Ministérios econômicos de Dilma, Forças Armadas e a própria presidente.
O MPF chegou a vazar para a imprensa, em tom de escândalo, e tratando como indício de crime, e-mail da Odebrecht, capturado por órgãos norte-americanos, no qual um executivo pede a Alexandrino que converse com Lula para que, no seu encontro com o presidente do México, defendesse teses de interesse da Odebrecht. O único escândalo seria se a Odebrecht fosse estrangeira, como a Total.
Não significa que não houve esbórnia no período. É evidente que o PT se lambuzou, sim. No início do governo Lula, até o episódio Valdomiro Diniz, o próprio Delúbio fazia questão de participar ostensivamente das inaugurações de estaleiros e de frequentar o Palácio com a desfaçatez dos amadores.
Mas, com três anos de Lava Jato, mesmo sem dispor de prerrogativa de foro, não se investigou sequer um operador do PSDB – tesoureiro, marqueteiro, intermediário.
Peça 3 - os financiamentos ao PSDB
Além das operações da Petrobras, os indícios mais fortes de pagamento de propinas – isto é, de um percentual das obras destinada ao governante – ocorreram com os governos José Serra e Geraldo Alckmin em São Paulo, e com Aécio Neves em Minas Gerais.
No caso deles, as poucas informações vazadas até agora mostram que não havia defasagem de tempo nem tentativa de legalizar a propina pelo Caixa 1: era propina na veia. No caso de Alckmin, cobrança de 5% sobre cada obra do estado; com Serra, a mesma coisa, todas intermediadas por Paulo Preto – e, no caso de Serra, o pagamento sendo efetuado na Suíça, nas contas de Ronaldo César Coelho.
No caso de Aécio, a mesma regra valeu na construção da Cidade Administrativa de Minas, com um agravante: informações de que a licitação foi fraudada para beneficiar as empreiteiras vencedoras.
Têm-se, então, dois casos paradoxais.
No caso de Lula e Dilma, a permissividade com os aliados, na qual o próprio PT se lambuzou, em nome do presidencialismo de coalizão. No caso de Aécio, Alckmin e Serra, não: os indícios são de que operaram diretamente, através de um propinoduto manejado pelo governo do Estado.
Mais ainda, não há nenhum indício de que a mesada paga a Aécio por Dimas Toledo, de Furnas, tenha sido para financiamento eleitoral. Qual a prova? Há algum comprovante no PSDB, mesmo em contabilidade paralela? Se não, aumentam as suspeitas de que tenha sido para enriquecimento pessoal. Uma investigação imparcial sobre Serra também comprovará sinais exteriores de riqueza incompatíveis com sua renda de político.
Peça 4 - a estratégia de despiste
Meses atrás, antecipamos o que poderia ser a estratégia de Janot visando poupar seus aliados: cancelou as negociações para a delação do presidente da OAS Léo Pinheiro em cima de uma nítida armação.
A revista Veja publicou uma denúncia chocha contra Dias Tofolli, atribuiu-a à proposta de delação de Pinheiro. Poderia ter partido de qualquer procurador ou delegado. Antes de qualquer investigação, Janot ordenou o cancelamento da delação acatando de pronto a versão de que o vazamento partira de Pinheiro.
Ora, sabia-se que Pinheiro daria todos os elementos para comprovar o pagamento de propinas nas obras de São Paulo, percentuais do governo Alckmin, os primeiros problemas com o governo Serra e a posterior renegociação, tocada por Paulo Preto. Era o ponto fora da curva, no pré-roteiro definido das delações.
Antes disso, o MPF já havia demonstrado total parcialidade no caso Alstom. Investimentos de bilhões, feitos em São Paulo, no qual, segundo a versão do MPF e do Ministério Público Estadual,  todas as operações foram conduzidas por técnicos do segundo e terceiro escalão, sem nenhum conhecimento ou  interferência do governador ou de prepostos dele. Logo o MPF, que defende as 10 Medidas sob o argumento de que os chefes sempre saem ilesos devido a manobras jurídicas. O mesmo MPF que endossou a versão brasileira da “teoria do domínio do fato” para apanhar líderes petistas.
Basta seguir esse roteiro nos inquéritos. Aos inimigos, todas as correlações reais ou imaginárias; aos aliados, a presunção das doações fruto de convicções políticas dos doadores.
A consolidação dessa estratégia é relativamente simples. Basta colocar em inquéritos chaves procuradores da estrita confiança de Janot que não temam incorrer em ridículo tipo envolver o rei da Suécia nas supostas propinas da Licitação FX. Não haverá a necessidade de muito esforço porque, majoritariamente, a corporação assimilou seu papel partidário e de execução do direito penal do inimigo.
Peça 5 - de onde nada se espera
Diz o ditado que, de onde nada se espera, nada vem efetivamente?
Se o PGR Janot, em algum momento desse jogo, der a menor prova de grandeza, terei o imenso prazer de admitir que estava errado em minhas avaliações.
(Fonte: Jornal GGN - AQUI).
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Parece consistente a impressão do analista Nassif relativamente às dúvidas quanto ao comportamento do MPF. Afinal, pra começo de conversa, até hoje paira no ar o enigma quanto ao horizonte temporal da Lava Jato, cujo marco zero foi estabelecido como 2003, início do primeiro governo Lula, quando as falcatruas na Petrobras já se verificavam ao menos desde meados dos anos 90, conforme confessou o dirigente-delator Pedro Barusco - e Paulo Francis denunciou num Manhattan Connection por volta de 2007, o que, aliás, lhe pode ter custado a vida. O marco zero da Operação é o que se pode chamar de parcialidade de origem.

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