sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

SOBRE A ECONOMISTA MONICA DE BOLLE E A RECESSÃO

                          (Fotos: 1 - Hayek, 2 - Monica, 3 - Keynes)

Monica de Bolle no teatro da recessão

Por André Araújo

Monica de Bolle é uma das melhores economistas acadêmicas brasileiras, com capacidade de formulação de ideias claras e bem apresentadas. Não se confunde com "economistas de mercado" que apenas repetem bordões dos departamentos econômicos dos bancos, caso de 90% dos que se apresentam nas mídias brasileiras. Monica tem uma formação especial por uma escola que não tem paralelo do mundo acadêmico de economia, a London School of Economics, onde lecionaram Lord Keynes e Friedrich von Hayek, os dois pensadores com maior impacto na economia política do Século XX. A London School tem uma origem de esquerda, fundada por dois socialistas - Sidney e Beatrice Webb - em 1895, para se contrapor às escolas da aristocracia onde o aluno da classe média tinha pouca chance de entrar.

A "escola"  de economia no sentido ideológico tem grande importância na formação do economista, com uma clivagem bem específica. Os muito inteligentes pensam por si próprios, absorvem os conhecimentos mas têm capacidade de refletir sobre o que lhes é ensinado, enquanto os medíocres sofrem lavagem cerebral e se diplomam "cartilhados", absorvem o que apreenderam e não mudam mais, porque não têm capacidade intelectual de reflexão e reciclagem de ideias, carregam o resto da vida a tábua dos mandamentos da "escola". É o caso da esmagadora maioria dos economistas brasileiros que estudaram especialmente em universidades americanas, as maiores "lavadoras" de cérebros do planeta.

O grande farol do economista flexível é Lord Keynes, um clássico que mudava de acordo com as circunstâncias: ortodoxo antes da crise de 1929, heterodoxo na Grande Depressão e visionário na Conferência de Bretton Woods. Se Keynes tivesse tido um pensamento fixo, de cartilha, o mundo teria sofrido muito mais com a depressão de 1929 e com o caos econômico do pós-guerra.

Hoje Monica de Bolle trabalha em Washington, no Peterson Institute for International Economics, um dos mais prestigiosos "think tanks" de economia. Criado por Fred Bergsten, um dos mais próximos do círculo íntimo de Henry Kissinger, subsecretário de Estado para assuntos econômicos, Bergsten é daquela elite internacionalista que fez a grandeza dos EUA na segunda metade do Século XX, uma elite antípoda da ignorância e grossura de Trump. O instituto é financiado pela Fundação Peterson, gestora de parte substancial da fortuna do ex-Secretário de Comércio dos EUA Peter Peterson, um grego que virou bilionário americano e dedicou metade de sua fortuna para causas de interesse público. A linha do Peterson Institute é pro-globalização mas com visão social. Não é uma linha puramente ideológica como o American Heritage, o American Enterprise e o Center for Strategic and International Studies, centros com uma visão mais principista sobre geopolítica e economia, componentes da direita dos "think tanks". O Peterson é mais centrista e humanista, com uma angulação tanto para os EUA como para o mundo não americano.

Monica de Bolle tem um discurso doutrinário ortodoxo mas, coisa raríssima, traduziu uma obra nitidamente de esquerda, o grande livro de Thomas Pikety, O CAPITAL NO SÉCULO XXI, algo que ortodoxos puros teriam alergia a fazer. Mostra, assim, ecletismo e refinamento intelectual, coisa raríssima em economistas brasileiros do "mainstream" econômico, que funcionam em trilhos mentais rígidos incapazes de vestir outra roupa que não seja a da ortodoxia antiga, que circula em seu grupinho restrito PUC Rio + mercado, a mesma ortodoxia que já foi abandonada na maior parte do mundo civilizado e que será chutada agora nos EUA pelas ideias de Trump para relançar a economia americana no crescimento acelerado através de maciços investimentos em infraestrutura com dinheiro novo tirado do chapéu de Tio Sam.

Trump, como grande devedor, sempre foi um empreendedor imobiliário ultra alavancado, não está nem aí para a inflação se esta vier, inflação é um bálsamo para devedores mas jogar US$1 trilhão em infraestrutura não faz nem coceira no Tesouro americano: quem deve US$20 trilhões pode dever mais US$1 trilhão que com a economia crescendo mais se repõe pelo aumento da arrecadação.

Por tudo isso, a avaliação que Monica faz da economia brasileira atual é (de que é) uma decepção. O receituário Meirelles-Goldfajn é claramente equivocado, o remédio de um ajuste estatístico é ainda mais falso e danoso, um verdadeiro engodo de sacrifícios inúteis e mal direcionados.

O ajuste fiscal como política única jamais irá vencer a recessão, falta o combustível dos estímulos monetários, empuxo essencial para tirar o Brasil da crise econômica.
O engodo pregado agora diariamente pelos que dizem que a "economia está melhorando" deveria ser desmascarado por economistas do calibre de Monica de Bolle, uma mensagem enganosa amplificada pela mídia engajada como âncora coadjuvante do modelo.

O uso de estímulos monetários é tradicional, consolidado, faz parte do receituário econômico desde o fim da Primeira Guerra. Schacht usou na Alemanha dos anos 30, Roosevelt, aconselhado por Keynes, usou em abundância para vencer a Grande Depressão. Também na recuperação econômica alemã dos anos 50, o "milagre econômico alemão", liderado pelo Ministro Ludwig Erhard, não nasceu apenas do Plano Marshall, foram essenciais os estímulos monetários do crédito barato como alavanca para relançar a economia devastada pela guerra. No nosso caso, os grandes picos de crescimento econômico do Brasil dos anos 50, 60 e 70, quando se construiu o País moderno,  tiveram como combustível estímulos monetários. Porque viraram pecado quando o País está em depressão?

Ah, mas os estímulos monetários podem causar inflação. Ora, a deflação e o mega desemprego são coisa melhor que a inflação? Mas, atenção, com altíssima capacidade ociosa na indústria, com uma massa real de desempregados, que pode chegar ao dobro da estatística PNAD, não é só 12% porque esses são os que procuram emprego, mas passa de 20% se considerarmos todos os que não têm ocupação ou atividade econômica (Nota deste blog: Tal realidade foi confirmada ontem, 23, com a divulgação dos números PNAD 2016).
Se considerarmos todos os desocupados, com essa reserva de mão de obra e de ociosidade não há espaço para a inflação se forem injetados na economia R$ 1 trilhão em 40 meses, sangue que foi tirado da mesma economia nos últimos dois anos, liquidez que sumiu e paralisa a atividade, uma injeção monetária puxa a economia para fora do abismo da recessão e, mesmo se houver - tudo indica que não haverá - alguma inflação, será um preço modesto a pagar. A inflação incomoda, o desemprego mata de fome porque um desempregado, mesmo em um ambiente de inflação zero, não sobrevive porque falta dinheiro para comprar qualquer coisa.

A análise dos "economistas de mercado" é de que não há outro caminho além da fórmula Meirelles, o que é uma falácia. Os doze milhões de desempregados, considerados apenas o que procuram empregos, não podem esperar o laboratório desse monetarismo mal digerido dar resultados, o que, pelos seus próprios operadores, vai levar muito tempo. Como dizia Keynes, a longo prazo todos estaremos mortos, recuperação para 2015 não serve para nada.

Um dos dinossauros mais representativos dessa cartilha velha, o ex-presidente do BC Afonso Celso Pastore, disse em recente programa da GLOBONEWS (Diálogos com Mario Sergio Conti) que os 12 milhões de desempregados estão se virando com bicos mas têm uma grande vantagem: como a inflação está caindo a vida para eles está mais fácil. Pastore minimizou a tragédia social, disse que é assim mesmo, não tem outro jeito, mas temos a vantagem que a inflação está caindo e o juro também, assim os pobres endividados e desempregados estão gastando menos com juros porque estes estão caindo, segundo ele imagina, dado que o BC baixou a Selic. A alienação da realidade é impressionante, ele narra um mundo irreal que só existe na conclusão de sua teoria de "ajustologia", basta o ajuste fiscal e tudo se arranja.

Mas Pastore disse mais, por causa da baixa inflação e da queda de juros os desempregados estão tendo uma sensação de bem estar e esperança, portanto estão se sentido melhor graças à recuperação da economia que virá e que ele percebe estar em curso. É uma torcida de que o "ajuste" vai dar certo, se é em 50 anos não importa porque o "rumo" está na direção correta; é a anti-economia em estado puro, reserva de mercado dos economistas trogloditas que sequer aceitam que a crise de 2008 provocou a revisão de um bom número de dogmas ortodoxos, monetaristas e neoliberais. Foi a crise que provou que só o Estado pode resgatar uma economia em contexto de crises profundas. A crise de 2008 só foi debelada por uma injeção de U$780 bilhões pelo Tesouro americano, no progrma TARP, quer dizer, a turma do "mercado resolve" foi resgatada do afogamento pelo Estado que eles sempre execraram, dizendo "o Estado só atrapalha".

Aqui no Brasil, os economistas jurássicos, superados pela própria evolução das crises, aqueles da era Pastore, não receberam essa informação (de) que lá nos EUA se baixou a bola do monetarismo e da desregulamentação que pregava Friedman. A crise de 2008 foi a crise do monetarismo e o fim do mito "o mercado resolve", como aqui hoje se pensa em relação à recessão, acreditando, como Pastore, que o programa de concessões vai reativar a economia sem dinheiro do Estado, um programa modestíssimo, de alto risco regulatório, complicado, nem em MIL ANOS responde a realidade a essa fantasia dos "economistas de mercado" velhos e novos; concessões e privatizações são modelos de gestão e não significam por si só crescimento; os empresários não querem investir muito, embora queiram ganhar muito.

Altas taxas de desemprego por muito tempo, segundo a lição da História, produzem cataclismos políticos. Na Itália de 1922 produziu o fascismo, na Alemanha de 1930 produziu o nazismo, nos Estados Unidos elegeu Roosevelt e fez nascer o New Deal. Por relação de causa e efeito, o desemprego está na raiz da Segunda Guerra Mundial.

Mas para os economistas "mainstream", aos quais De Bolle se alia, é tudo uma questão de tempo. Pastore acha que já no primeiro trimestre de 2017 começamos lentamente a sair da recessão, com base em que gatilho ele não disse, talvez porque imagine que da recessão se sai por ato de inspiração. Pastore disse também que com a queda do juro, sentida por todos, os desempregados já estão ficando animados, estão com melhor estado de espírito.
Disse também que não há importância com a quebra de empreiteiras porque no seu lugar virão estrangeiras e médias, apoiando assim a cruzada moralista, logo ele que foi Secretário da Fazenda do Governo Paulo Salim Maluf.

Monica é muito melhor do que esses pré-históricos por isso minha decepção que não tenha algo mais inovador a apresentar com sua facilidade de exposição. Não precisa seguir os poucos economistas heterodoxos do seu País, como Laura Carvalho e Antonio Correa de Lacerda, mas pode tirar outras inspirações da economia pelo grupo de Nova York ancorado no Institute for the New Economic Thinking, onde estão Joseph Stiglitz e Paul Krugman, ambos Prêmios Nobel de Economia. Há hoje, em todo o mundo, uma negação e revisão dos catecismos monetaristas no ciclo do chamado "austericídio" , quando o próprio FMI criticou o excesso de austeridade em relação à Grécia atual (no Relatório do FMI sobre a Grécia em 2016), esse mesmo Fundo onde Monica trabalhou como economista. (Continua...)

(Para continuar, clique  aqui).

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Dias depois de produzido o texto acima...

Leitores, comentando o artigo "A armadilha da Bolsa de Nova York" (também de André Araújo), AQUI e reproduzido neste blog - AQUI -, fazem as seguintes digressões:

1. "... A economista Monica de Bolle, depois dessa, subiu bastante na minha pontuação.
Vale a pena conferir. Melhor ouvir. Repito. Vale a pena.
Um, que é  empregado, tentando defender a tese de "seus patrôes", e ela firme na sua posição, que me pareceu bem sensata. 
Confiram.
2. "Ele é o péssimo e ela é o muito ruim. 
Desarranjo macroeconômico que não é culpa do BC nem da equipe econômica, baixa de juros, que não são reais, mas  que vão ajudar a economia...
A culpa é do governo! Ilan não tem autonomia!
Ela questiona armando a arapuca de que a PEC da Morte só deve ter sua implementação forçada no próximo governo se ele for de esquerda! Pois se for de direita, o STF argui a inconstitucionalidade eximindo o governo de culpa!
Sardenberg:
A sociedade não quer a reforma da previdência?! A sociedade não quer ser terceirizada? A sociedade não quer ver as próprias tripas?!
Bolle:
(assustada) Eu não sei. Mas é extremamente importante.
(...)
Sardenberg:
Se a reforma da previdência, se a reforma trabalhista, se as privatizações, se o Brasil quebrar e for vendido pro estrangeiro com a população acorrentada nas galés... o Brasil melhorará em 2019!
Bolle:
São 4 "se"s que dependem de Lula não estragar tudo em 2018!
Competição de loucos para ver quem mente mais sem resvalar na barreira do perigoso abismo que é qualquer simulacro da realidade.
3. Ao que André Araújo observa:
"Excelente debate, a Monica deu uma surra no medíocre Sardenberg, que apenas repete chavões do mercado financeiro,
Monica tem uma visão de muito maior alcance, uma enorme cultura econômica; fiz aqui um artigo crítico a ela exatamente porque achava que ela deveria fazer o que  fez hoje, abrir muito mais o debate e dizer aquilo que ela realmente vê e não aquilo que os entrevistadores querem ouvir; ela hoje executou esse roteiro e pôs para quebrar, desmontou a fragilidade dos argumentos do Sardenberg, que não sabia o que dizer quando ela disse que os JUROS REAIS ESTÃO SUBINDO e não caindo, que aquilo que o Sardenberg acha vitórias é tudo SE, coisa que não se sabe se vai existir e como vai ficar de pé, Monica mostrou que a economia brasileira continua em profunda recessão e que a população não percebe NENHUMA melhora, Sardenberg acha o contrário. Foi um diálogo impressionante no panorama de ignorância econômica que impera no Brasil.
4. E um outro leitor aponta as perspectivas:
"Os gastos primarios impactam diretamente na demanda agregada e têm efeito multiplicador positivo na economia através de investimentos no setor produtivo, saúde, educação, ciência e tecnologia.  Com o teto dos gastos reduz-se a participação do estado dos atuais 20% do PIB para 10% do PIB e consequentemente a economia vai se retrair inexoravelmente durante 20 anos. Por outro lado os gastos financeiros também têm impacto, só que negativo na economia, pois retiram dinheiro do setor produtivo em favor do pagamento de juros, e pior, como estão fora do congelamento continuarão aumentando conforme o risco de default aumenta. Trocando em miúdos, não há a menor possibilidade de retomada de crescimento se a taxa de juros real continuar aumentando; pelo contrário, há risco sim de deflação e completa estagnação, inclusive dos investimentos privados, uma vez que nessas condições cada um real investido retorna menos que um real no futuro.
(...) Sardenberg, Leitão e Vaack sabem perfeitamente disso, mas são obrigados a corroborar o mantra dos SEs das reformas e das privatizações por exigência de seus empregadores, e mais : eles também sabem perfeitamente que 20 anos de vigência da lei nada mais é do que o ROI (Tempo de retorno de investimento) de quem comprar campos de petróleo a 2 dólares o barril e vender pelo preço de mercado.
O que Monica faz é simplesmente advertir discretamente que isso não dará certo e merece parabéns pela coragem!!!
No mais me divirto muito com o "noticiário econômico" dessa trupe, que se fosse em preto e branco se confundiria com o antigo seriado de Joe, Poe e Larry."
5. E André Araújo volta à carga:
"Sempre soube que a Monica nunca foi de seguir cartilhas, como a esmagadora maioria dos economistas de mercado brasileiros. Apesar de ter formação clássica de economia ela tem larga visão e capacidade de análise, anos luz a frente de economistas convencionais que só trabalham com o Boletim Focus e com o mês a mês da economia.
Foi por saber desse potencial que fiz um artigo há quinze dias para que ela rompesse as barreiras do "mainstream" mediático que compreende 95% dos economistas com acesso à mídia; digo que fiquei decepcionado com sua entrevista no RodaViva. Agora, com essa discussão com um dinossauro como Sardenberg, ela mostrou o que é, uma das mais inteligentes economistas brasileiras da atual geração, capaz de enxergar anos-luz à frente do dia a dia.
Com essa entrevista ela desmontou por completo o teatrinho de mídia da medíocre "equipe econômica" que quer fazer crer que estão no caminho certo enquanto rumam em direção ao abismo de um cataclismo social nunca visto no Brasil." (AQUI).

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