segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O SUCESSO LUCRATIVO DOS PRESÍDIOS


"Sem alimentar a indústria do crime, não teremos a audiência no noticiário, polícia, salários exorbitantes do judiciário. Não precisaremos construir presídios, sistemas de segurança e ter contratos sem licitação. Os presos, por sua vez, para se manterem vivos, não precisariam aliar-se às facções dentro dos presídios, outro ramo dessa indústria lucrativa.
....

Como advogada criminalista, testemunho o horror da grande maioria dos presídios para onde são destinados aqueles que, condenados ou não, deveriam estar sob a custódia do Estado.

Temos a quarta maior população carcerária do mundo. Adotamos a política de tolerância zero, que criminaliza a pobreza, os movimentos sociais, as minorias, o consumo de drogas, enfim, tudo o que puder gerar novos clientes para os lucrativos presídios privados. Temos veículos de comunicação de massa aliados dessas políticas e que, diuturnamente, alimentam ódio, discriminação e preconceito.

Enfim, está tudo dominado!

Todos estão lucrando, afinal, sem alimentar a lucrativa indústria do crime, não teremos noticiário policial que dá audiência. Não teremos polícia, juízes, salários exorbitantes membros do Ministério Público, desembargadores. Não precisaríamos construir presídios, sistemas de segurança e das inúmeras contratações sem licitação.

A classe média e as elites principalmente apoiam esse sistema de higienização social. Querem as ruas limpas de mendigos, pobres, crianças, adolescentes, negros, prostitutas, enfim, tudo que não seja do seu mundo consumista, elitista e limpo.

Acontece que, vez ou outra, essa ralé resolve implodir o sistema — que, convenhamos, é uma bomba em permanente estado de explosão. A sociedade de modo geral não entende o motivo para essa corja manifestar-se.

E não se trata de um problema só de Manaus. Em Santa Catarina, onde atuo, presenciamos situações semelhantes há dois anos. Nessas ocasiões, os pleitos dos presos raramente são legítimos para a opinião pública.

Há quem nem considere preso um ser humano — e aí se inclui muita gente que se considera cristã. E quando aparecem grupos defendendo alternativas contra o encarceramento em massa, vozes se levantam com maior força, como a do atual Ministro da Justiça. Dizem que é preciso manter o sistema e construir mais e mais presídios.

Sem essa fonte econômica rentável, essa gente toda ficaria sem emprego. É preciso alimentar esse regime desumano, porém que gera lucros. Como declarou o governador do Amazonas ao se referir aos presos mortos: “lá não tinha nenhum santo”.

Em tempos de delação da Odebrecht, perdemos a ingenuidade sobre como são feitos os desvios de verba nos contratos públicos; afinal, nós, por exemplo, da cidade de Lages, temos um prefeito, um governador e um presidente citados nas delações por receberem verbas não declaradas de empresas. Ninguém é santo mesmo! Mas que sofram os miseráveis carbonizados, esquartejados, e suas famílias; afinal, não são considerados humanos.

O problema é que, volta e mexe, o sistema também pode se voltar contra quem tanto o defende. Ninguém está livre do risco de ter um familiar em desgraça após cometer um delito e ficar sem dinheiro para bancar um bom advogado que o resgate das verdadeiras masmorras em que se transformaram as carceragens no país.

Só assim poderão enxergar o problema do sistema prisional brasileiro, no qual o Estado não oferece sequer segurança àqueles que estão sob sua custódia. E, para se manter vivos, aos detentos urge aliar-se a facções dentro dos presídios, um outro ramo dessa indústria lucrativa."





(Da advogada Velci Muniz Vieira, post intitulado 'O sucesso lucrativo dos presídios', publicado no site Jornalistas Livres e reproduzido no Jornal GGN - Aqui.

Velci é criminalista e atua principalmente em crimes contra a vida - Tribunal do Juri. Por oito anos foi advogada dativa na comarca de Joinville-SC. Dativo é o nome dado aos advogados que atuam, por indicação da Justiça, na defesa do cidadão comum em locais desprovidos de Defensoria Pública).

Nenhum comentário: