domingo, 18 de dezembro de 2016

O IMPÉRIO DOS EXCESSOS


"Há algumas semanas atrás, sugeri que a ministra Cármen Lúcia, na qualidade de presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, não faria bem em se solidarizar com juiz federal de primeiro grau que ordenara um jabaculê no Senado. Afinal, a iniciativa era mui controversa e não cabia à ministra, que preside um órgão de controle externo do poder judiciário, bater boca com o presidente do Senado, que cumpria seu papel político ao demonstrar sua indignação com a invasão do espaço legislativo, ainda que chamara, o juiz de piso, de "juizeco". Afinal, um "je suis juizeco" não pegava bem para a ministra.
Hoje anunciou-se declaração do senhor procurador-geral da república, em que critica de forma dura a propositura de ação por danos morais pelo Ex-Presidente Lula contra o procurador Dallagnol, de Curitiba, por este ter protagonizado espetáculo deprimente de entrevista coletiva em que exibira um "PowerPoint" simplório, para atribuir ao ex-chefe do executivo federal, a qualidade de "comandante do esquema Petrobrás". Tanto quanto Renan, Lula está no seu direito de indignar-se e o procurador-geral da república não anda bem em atacá-lo por isso. Inusitado é o chefe do parquet se solidarizar com quem é acusado de violar a honra e a reputação de Lula, pois também ele, o PGR, preside um órgão de controle externo, o do ministério público, que pode vir a ser chamado a dizer sobre os excessos do procurador integrante da chamada força tarefa da operação "Lava Jato". Um "Je suis Dallagnol" é tão despropositado quanto um "Je suis juizeco".
Não é de hoje que o tom do conflito entre instituições do estado tem subido muito acima do aceitável. Gritos de juiz em audiência, porque atribui a advogados do réu "abuso de direito de defesa", quando da insistência em perguntas a testemunhas, são tão grotescos quanto querer sugerir "cerceamento da acusação", porque o réu não aceita a pornográfica violação da presunção de sua inocência por um membro do ministério público e busque responsabilizá-lo na justiça.
O tom de hostilidade à defesa e a advogados foi inaugurado no famigerado processo do mensalão, com os estribilhos incensurados do então relator, ministro Joaquim Barbosa. Como o exemplo vem de cima, parece que, com essa atitude, abriu-se a temporada de caça aos causídicos defensores. E a ordem dos advogados permanece estranhamente em silêncio.
A investigação da "Lava Jato" tem sido um festival de abusos contra garantias processuais mais comezinhas, numa conivência entre o complexo policial-judicial e a mídia, com indisfarçável escopo de atingir a reputação de alguns bem escolhidos atores políticos. Quando interessa fazer barulho, investigados são presos ou conduzidos com ostensivo aparato repressivo, sendo mostrados publicamente algemados. Que se dane a excelsa súmula vinculante Daniel Dantas, que veda o uso de algemas quando não há resistência do detido ou do conduzido! Nem se vê, por sinal, o STF, através de seus eloquentes ministros, exigir o cumprimento de dita súmula. Aliás, como é notório, a operação tem se excedido, também, nas próprias conduções coercitivas, sem que se desse razão para tanto. Investigados são exibidos de forma constrangedora "de baraço e pregão pelas ruas da villa", no melhor estilo das Ordenações Filipinas.
Triste é constatar que o senhor procurador-geral da república, ao invés de cumprir com seu papel de chefe da instituição a que incumbe a proteção dos direitos fundamentais, prefere se identificar com quem os fere e bater boca com quem não se conforma. Está claro, desde já, que se Lula for representar contra esses abusos ao chefe do ministério público federal, como é legitimo, vai encontrar oiças mocas, pois este já declarou: "Je suis Dallagnol".
Este episódio mostra mais uma vez o quanto é urgente debater na sociedade e no legislativo a responsabilização de agentes públicos por abuso de autoridade, pois se nem o Congresso e nem um ex-presidente da república respeitam, o que se dirá do cidadão comum? Corporativismo e populismo são infelizmente duas pragas que corroem nossas instituições mais caras para a democracia, que, com isso, se tornam incapazes de defender quem delas mais precisa. Jogam para uma plateia irada, sedenta para assistir um massacre de gladiadores na arena do Coliseu. E, com isso, nem tanto pelo pão, mas muito pelo circo, as instituições ganham a simpatia das massas, num projeto evidente de poder da respectiva corporação.
Cantem ao povo uma nova canção, senhores procuradores, e, quem sabe, consigam reverter sua desmoralização que não tardará: a democracia não precisa de heroicos salvadores da pátria, mas, sim, de magistrados equilibrados que façam justiça por via da apreciação dos fatos e sua subsunção à lei e não para atender o grito histriônico dos que querem um show de ataque aos direitos fundamentais."



(De Eugênio Aragão, integrante do MPF, ex-ministro da Justiça, post intitulado "A turma do 'je suis Dallagnol' não se emenda", publicado no Jornal GGN - aqui).
Je ne suis pas Dallagnol).

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