quinta-feira, 29 de setembro de 2016

UM POUCO DE HISTÓRIA: A POLÍTICA, A MORALIDADE E A FORMAÇÃO DE UM JUÍZO DE VALOR


Os muitos caminhos da moral política

Por André Araújo

A política não é ciência e nem técnica, é a arte da organização do poder. Não se confunde com moral, ética ou religião. Quando essas categorias se misturam com política o resultado é geralmente desastroso. Pede-se à política apenas eficiência nos fins. O melhor político é aquele que melhor organiza o poder, com maiores benefícios e menores custos à população.
Nessa análise de custos e benefícios, a moral ou a ausência dela é um fator e não um valor absoluto. Mais vale um político sem moral que traga benefícios do que um político ético e incompetente. A ética não tem valoração na política, a eficiência nos fins é o balanço final, aí entendido fins como benefícios aos governados. 
A História, grande mestra, registra os grandes políticos que praticamente sem exceção são indivíduos moralmente contraditórios, complexos, duvidosos, aventureiros ou até canalhas. Para ficar apenas na Era Contemporânea, Napoleão tinha imensos pecados, que seus contemporâneos registraram em toda sua extensão e profundidade, mas seu legado foi de tal magnitude que o personagem se mitificou pelos seus feitos. 
Seu ministro e contemporâneo Talleyrand era a personificação do mau caráter, corrupto, viciado, sem escrúpulo algum, mas foi ele quem garantiu à França sair como vitoriosa depois de uma gigantesca derrota militar: ao invés de ser terra vencida e ocupada a França sai do Congresso de Viena como um dos poderes da Europa reorganizada e assim chegou à Conferência de Versalles, 104 anos depois. 
A arte da política é uma elevação de princípios frente à luta ancestral pelo poder. Nas espécies animais o chefe do bando conquista seu poder matando os rivais. Na história antiga o poder será geralmente consolidado pelo assassinato dos vencidos.  A arte da política visou dar uma certa ordem e civilidade na conquista do poder, diminuir os danos da luta; a política é nada mais do que isso, não vai além disso mesmo na democracia, que é a luta pelo poder com regras mais elevadas, mas ainda muito longe da perfeição dos princípios éticos. 
Lloyd George, o primeiro ministro britânico mais poderoso antes de Churchill, liderou a Inglaterra na Grande Guerra, conviveu toda a vida com acusações de baixa moral: em 1922 foi acusado de vender títulos de cavaleiro e nobreza, também foi acusado de especular com ações da companhia Marconi Wireless antes de dar a ela um grande contrato com o Governo. Admirava Hitler mesmo quando Churchill já alertava a Inglaterra contra o ditador alemão. Lloyd George era um sujeito muito controvertido,  advogado esperto, daqueles de quem não se compra um carro usado, mas suas realizações foram tantas, que é considerado da mesma estatura política de Churchill: se este ganhou a Segunda Guerra, Lloyd George ganhou a Primeira; tanto um como outro foram maus Ministros da Fazenda mas grandes estadistas do Império. 
Churchill, um dos maiores políticos do Século XX, teve uma longa vida de mais de 90 anos permeada de altos e baixos, aventuras, comportamentos condenáveis em todos os campos, da bebida às manobras para obter dinheiro, Churchill não tinha uma fonte de renda definida quando estava fora do poder, era um cavador de "ajudas" financeiras de amigos e interessados nos seus serviços junto ao poder. Era um gênio político, mas não tinha convicções rígidas em nada. Foi até 1935 admirador de Mussolini, não achava ruim o fascismo e considerava Gandhi um faquir desprezível.
Sua ausência de escrúpulos morais ficou clara em uma de suas 300 biografias. "The Private Life of Winston Churchill", de John Pearson, editora Simon & Schuster, mostra os imensos rolos da vida complicada de Churchill, como quando em 1957 aceitou convite para um cruzeiro no Mediterrâneo no iate "Cristina", de Aristóteles Onassis, cuja ficha pessoal era então pesadíssima. Confrontado pela imprensa sobre por que aceitou o convite de um finório como Onassis, respondeu "Mas ele me dá o melhor champagne e o melhor caviar e isso me basta". 
Nos EUA Lyndon Johnson ostenta uma biografia que faria corar corrupto brasileiro. Operou a vida toda para a grande empreiteira Brown & Root (hoje HBR), que lhe pagava as campanhas e o deixou milionário. A Brown & Root tinha praticamente o monopólio de construção de bases militares americanas, a mistura entre Johnson e a B & R era tal que não se sabia onde acabava um e começava a outra. A trama dessas transações pode ser lida na enorme biografia de Lyndon Johnson por Robert Caro, lembrando que Johnson era do Texas, um Estado notoriamente corrupto até as entranhas.
Mas Lyndon Johnson foi um dos maiores presidentes americanos. Sob sua presidência avançaram enormemente as leis anti-racismo e as leis que incorporaram os negros ao mainstream da sociedade americana. Cafajeste e desbocado, Johnson recebia deputados sentado na privada, falava por palavrões, o mais politicamente incorreto presidente americano do Século XX.  
Em nossa terra Adhemar de Barros teve fama de político pouco honesto mas deixou um sólido legado de obras e realizações; já com fama de ladrão foi eleito novamente para Prefeito e Governador, a despeito de diária campanha de desmoralização pela imprensa paulista, especialmente do ESTADÃO, que sequer citava seu nome (era o sr. A. de Barros).
Qual o cálculo da população? Era a relação custo-benefício "rouba mas faz", é melhor ele que um inútil honesto. Esse cálculo continua até hoje em grande parte da população.
Seu antípoda Jânio Quadros tampouco era santo: não obstante seu lema fosse a vassoura simbolizando a limpeza, tinha outro estilo, muito diferente de Adhemar, ficou rico nos governos com outra modalidade de operar com dinheiro na política. Seu método era arrecadar pessoalmente para campanha, não gastava nada e ficava com a arrecadação. Legou considerável fortuna para a única filha, simbolizada em uma sólida conta no Citibank de Genebra e mais de 60 imóveis. 
O grande perigo na política são os que carregam a bandeira do moralismo, os politicamente corretos. Porque na política essa bandeira costuma ser apenas uma capa para ambições de poder. Sob essas bandeiras tornam-se inquisidores e ditadores, ditam regras a todos, a luta contra a corrupção tudo justifica, quem é contra sua cruzada é porque é a favor da corrupção.
Da mesma forma que o senador McCarthy rezava que quem era contra ele é porque era comunista. Aqueles que se agigantam carregando o galardão das cruzadas moralistas se constituem em grandes riscos na política, porque operam com valores absolutos enquanto a política é o campo das relatividades, a política exige um eterno balanço entre o ruim e o menos ruim porque o bom puro é um objetivo quimérico dada a natureza falha dos homens e mais ainda dos homens no poder. 
Os grandes homens da política em todos os tempos são personalidades cheias de defeitos, inclusive de caráter, sempre foi assim através dos séculos. A busca do poder é uma luta terrível e nesse campo de batalha o lutador não é guiado por valores da vida beata. Os homens bons e de maior pureza de alma serão encontrados nos conventos, nas obras a favor da caridade e da bondade, na elevação do espírito dos profetas e santos, mas nunca na política, através dos tempos um campo pedregoso onde abundam os pecados da ambição, da vaidade, da volúpia do poder, assim foi desde a início da História dos homens.  
A questão da corrupção de máquina e não de pessoas foi algumas poucas vezes historicamente objeto de cruzadas direcionadas; foi o caso "Tammany Hall", a poderosa confraria que dominava a política municipal e estadual de Nova York, basicamente operada por aventureiros de origem irlandesa, extraordinariamente corrupta, enfrentada pelo prefeito Fiorello La Guardia no governo Roosevelt, depois de dominar Nova York por 80 anos, de 1854 a 1934.
A máquina Huey Long, na Luisiana, também foi demolida na mesma época. Subsiste, todavia, a máquina da família Dailey, que domina a política de Chicago há mais de 70 anos e foi decisiva para a eleição de Kennedy e de Obama e lá continua até hoje na tradição das oligarquias, que em nada ficam a dever ao nosso coronelismo clássico da enxada e voto.   
Não há boas almas na política, a não ser os falsos; os fariseus, esses são muito piores do que os malandros, que pelo menos costumam ser simpáticos. Os santarrões são o grande perigo: atrás da água benta vem o veneno da intolerância, da vingança e da violência sob a capa da justiça, as bandeiras dos pios que trazem atrás de si as fogueiras armadas da inquisição. 
A despeito da sua malignidade intrínseca, a corrupção está longe de ser o mal maior da política. A incompetência e o excesso de burocracia podem causar muito mais prejuízos que a corrupção em si. Esta jamais será completamente eliminada. mas pode ser controlada sem que, todavia, o custo do controle supere o valor da corrupção. Não há sentido em se gerar custos de 1.000 para controlar uma corrupção de 10. No limite, o excesso de controle se transforma em um custo burocrático altíssimo, muitas vezes superior ao risco da corrupção. 
Há também outra corrupção além daquela da propina, a corrupção indireta do nepotismo, do empreguismo, do funcionário que recebe salário sem trabalhar, ou a corrupção gigantesca dos supersalários, daqueles que valem 10 no mercado e ganham 50 no serviço público, a corrupção das aposentadorias infladas e precoces, todas essas esquecidas nas cruzadas anti-corrupção movidas por alguns que estão apenas interessados em desmanchar propinas. 
A disjuntiva nas cruzadas anti-corrupção são a relação custo-benefício, tal qual em cruzadas sobre outros tipos de desvios, como cruzadas contra as drogas. A partir de um certo ponto as cruzadas se tornam contra-producentes. No caso da corrupção, o excesso de risco de punição fará com que os agentes públicos, por humana prudência, deixem de aprovar projetos virtuosos por meio de que poderiam ser vistos como pro-empresas e, para se proteger, travam as aprovações.
Os bem pensantes dirão, mas se não há problema na aprovação, por que dificultá-la?  E aí é que está o risco, o funcionário não tem segurança de que o que faz seja visto como legítimo, em um clima de caça às bruxas ele se julga inseguro e na dúvida passa a dificultar ao máximo a vida das empresas. O fiscal autua mesmo em casos onde não cabe autuação, o comprador da estatal adia as compras.
Todo processo de controle tem custo e esse custo não é neutro, no limite o País pode parar completamente no meio de uma campanha de terror cívico-ético-moralista. Melhor do que cruzadas são sistemas de controle institucional como por exemplo a instalação de uma Controladoria em cada Ministério, empresa estatal e institutos e fundações, ligadas a uma Controladoria Central e não ao Ministro da pasta.
Esse sistema capilar construído em cima de uma teia de mecanismos de controle teria muito maior eficiência do que prender e punir ao infinito, atos que cuidam da vingança do passado e não da visão do futuro. (Fonte: aqui).

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