sábado, 14 de maio de 2016

NOCAUTE


Nocaute

Por André Singer

O lulismo estava nas cordas desde a quinta-feira, 27 de novembro de 2014, em que a presidente reeleita anunciou que havia decidido entregar a condução da economia do país ao projeto austericida que condenara na campanha eleitoral. Um ano e meio depois, na aurora desta quinta-feira (12), o exausto lutador caiu. Ao afastar Dilma Rousseff da Presidência por 55 a 22 votos, o Senado encerrou talvez uma das lutas mais dramáticas – embora perca para a de 1954 – da história democrática brasileira.

Haverá ainda prorrogação, mas só um milagre reverterá o jogo no espaço senatorial em que se fará o julgamento dos inexistentes crimes da mandatária afastada. Um bloco partidário e social comandado pelo PMDB se formou para isolar, desmoralizar e, caso possível, extinguir o arco de forças comandado por Lula. O lulismo não morreu, mas talvez sejam necessários anos para reconstruir as condições de disputa perdidas na manhã da quinta passada (12).

Pois embora o fator econômico tenha sido decisivo, não se tratou da mera derrocada de um governo associado a desemprego, inflação e queda da renda. Foi também o resultado das revelações e da manipulação da Mãos Limpas nacional, conhecida como Lava Jato. Dilma subestimou o tamanho dessas duas encrencas, que apareceram com nitidez no último ano do seu primeiro mandato.

Se a antiga ministra da Casa Civil tivesse percebido a força da coalizão capitalista consolidada em torno do ajuste recessivo assim como o potencial que a delação premiada traria à investigação na Petrobras, o mais racional era ter entregue a recandidatura a Lula. O ex-presidente reunia melhores condições para o pugilato de pesos-pesados.

Só o tempo dirá em que ponto do percurso Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros personagens das investigações resolveram colocar a bomba atômica que controlavam a serviço da demolição do lulismo. De toda maneira, em março deste ano, quando o juiz curitibano fez a condução coercitiva de Lula e a divulgação do diálogo deste com Dilma, ficou claro que já não havia isenção.

Independentemente das falhas de avaliação de Dilma, o lulismo foi incapaz de oferecer uma narrativa coerente sobre a avalanche de acusações formuladas pelo Partido da Justiça sediado em Curitiba. De outro lado, a mídia estimulou um clima de caça às bruxas decisivo para cimentar a maioria que deu suporte ao golpe parlamentar.

Com a traumática derrubada do lulismo, interrompe-se mais uma vez a tentativa — no fundo a mesma de Getúlio Vargas — de integrar os pobres por meio de uma extensa conciliação de classe. Venceu de novo a forte resistência nacional a qualquer tipo de mudança verdadeiramente civilizatória. Mesmo a mais moderada e conciliadora.
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(Fonte: Folha de São Paulo; post reproduzido pelo Jornal GGN - aqui).

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Análise ponderada, como de praxe costuma proceder André Singer. Suscitou, claro, comentários diversos, alguns dos quais destacam argumentos igualmente ponderáveis (clique no 'aqui', acima).

Quanto ao impeachment em si, mantenho-me fiel à postura que sempre sustentei: meu norte é a supremacia da Constituição Federal. Dela não saio um milímetro sequer. 

Diante do que, considerando:

a) que o Brasil não adota regime parlamentarista, o que revestiria de legalidade o eventual embasamento do impeachment não nas pedaladas de 2015 em si (visto que o STF determinou que somente fatos ocorridos a partir da posse da presidente no segundo mandato poderiam eventualmente ser invocados), mas no "conjunto da obra", como invocaram vários parlamentares-juízes em seus votos, sintomaticamente 'denunciando' a fragilidade do "crime" apontado como justificador do impedimento (Aliás, para reforçar a fragilidade do tal "ilícito", cumpre lembrar, além do contido na alínea a seguir, que a petição do impeachment foi apresentada em novembro de 2015, quando o governo federal, à vista da Constituição, poderia apresentar as contas até ABRIL DE 2016, como de fato o fez), e

b) que as contas presidenciais relativas a 2015 (e portanto as alegadas pedaladas fiscais) nem sequer foram julgadas pelo TCU e Congresso Nacional, restando, em decorrência, descumprida a condição essencial da subsunção dos atos ao TIPO PENAL, ou seja, a completa adequação, conformidade, enquadramento da alegada prática ilícita a descrição expressamente traçada em lei,

Entendemos inconstitucional a decisão de 12 de maio dos senhores senadores-juízes.

Quanto ao fato de o STF, eventualmente instado, vir a concordar em cumprir a sua obrigação de agir como Guardião da Carta Magna (artigo 102) e deliberar sobre o MÉRITO da questão - coisa que ainda não fez, muito embora a mídia tente 'vender' a ideia de que tal fato já teria ocorrido -, aí são outros quinhentos...

Razões pelas quais concluo: A presidente Dilma Rousseff está agindo de modo absolutamente legítimo (e para mim louvável) ao seguir lutando.

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