domingo, 27 de março de 2016

SOBRE O SEMINÁRIO DO IDP EM LISBOA (E A QUESTÃO DO IMPEACHMENT)


Um imbróglio em Lisboa
Por Francisco Louçã (Em seu blog no jornal português PÚBLICO)
Quem se lembrou de uma coisa destas? Admitamos que o seminário “luso-brasileiro” que vai decorrer na Faculdade de Direito de Lisboa já estava programado antes da crise desencadeada pela golpaça político-judicial em curso no Brasil (ver comentário deste blog, adiante). Se assim for, há uma questão a que falta responder: como é que se lembraram de marcar um seminário sobre o futuro constitucional do Brasil (e de Portugal, olha só) para o 52º aniversário do golpe que derrubou um presidente eleito e instaurou uma ditadura militar? Como não há coincidências na vida, ou fugiu o pé para o chinelo ou é uma declaração de guerra com um atlântico pelo meio. Presumo que seja o chinelo.
Também não lembraria a ninguém que o vice-presidente brasileiro, e primeiro potencial beneficiário da eventual deposição de Dilma Rousseff, escolha sair do país por uns dias precisamente quando o seu partido, o PMDB, tomará a decisão de sair do governo e se juntar aos parlamentares derrubistas. Mas é isso que anuncia o programa do evento. Pior, acrescenta outros pesos-pesados da direita, estes do PSDB, José Serra e Aécio Neves, sendo que o primeiro não estava previsto no programa original. O que os levaria a levantar voo do Brasil para se limitarem a conspirar por telefone?
Só haveria uma razão, procurarem um endosso internacional para as suas diligências, fazerem-se fotografar ao lado das autoridades de Portugal. Se era esse o objectivo, fracassou. Os serviços do Presidente português anunciaram que a agenda não lhe permite ir ao seminário e até o ex-primeiro ministro Passos Coelho se pôs de fora.
O detalhe da exclusão de Passos acrescenta ainda algum picante à história, dado que o PÚBLICO revela que “já Jorge de Miranda garante que a presença do ex-primeiro-ministro levantou dúvidas quanto à pertinência académica do seu contributo”. Excelente: o seminário era de tão alta qualidade que os organizadores se esqueceram de consultar a “pertinência académica” do “contributo” dos oradores que convidaram. Passos deve estar reconhecido por mais esta. Paulo Portas, que também foi anunciado para o encontro, mantém-se mais discreto e, adivinho, de fora do imbróglio. Resta saber se Maria Luís Albuquerque, anunciada no Brasil como professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, abrilhantará o encontro com a sua presença.
Ficando deserto de autoridades, o seminário limitar-se-á então, se ainda se vier a manter com tantos abandonos, a uma conversa entre juristas e políticos brasileiros sobre a graça do golpe que está a decorrer. Suponho que só a TAP agradecerá a cortesia.
Nota (16.30, dia 24): o vice-presidente do Brasil cancelou a sua viagem. O benefício da TAP com o evento será mais reduzido. (Aqui e Aqui).
................
(Nota prévia: A palavra "golpaça", utilizada pelo articulista, parece ser de uso comum na terra lusitana; aqui não. Mestre Aurélio, por exemplo, não a cita em seu dicionário simplificado - mas consigna "golpada", "golpázio", que significa grande golpe, quebra da ordem constitucional).
Ter e expressar opinião é plenamente constitucional. Muitos - até a OAB nacional e ministros da Corte Suprema  - opinam e agem (OAB) publicamente sobre impeachment. Em linhas gerais, sustentam que a figura do impeachment está elencada na Constituição Federal, em vista do que não se afigura pertinente a sua classificação como "golpe". Perfeito, em princípio.
O ponto dúbio, entretanto, é: O que se deve impor, o comprovado e inquestionável crime de responsabilidade praticado/tentado pelo presidente da Republica (conforme determina a lei 1079/50 - por sinal até hoje carente de regulamentação), ou a simples vontade política do parlamento, independentemente da comprovação de crime de responsabilidade? 
Quanto à 'simples vontade política do parlamento', sigamos adiante: A falta de popularidade e/ou apoio político pode embasar impeachment? Se assim fosse, não bastaria ao legislador eleger "plebiscito" e, como se vê no regime parlamentarista, "voto de desconfiança" como causas para impeachment? Na mesma linha: a constatação de 'pedaladas fiscais', prática de certa forma usual (até porque o orçamento público não é vinculante, taxativo, 'engessador'), seria bastante para autorizar o afastamento do presidente da República? É cabível dizer que as equipes administrativas dos governos FHC e Lula, useiras e vezeiras delas, agiram plenamente convencidas de que não - e certamente classificariam de golpista a iniciativa que propusesse o impeachment tendo-as como base de sustentação.
O tema é no mínimo controverso, razão por que entendemos demasiadas as críticas acerbas ao qualificativo utilizado (a meu ver licitamente) pela presidente da República. 

Como cidadão e eleitor, digo não ao golpe. 

Nenhum comentário: