domingo, 24 de janeiro de 2016

CONFISSÕES DE UM BOATEIRO COMPULSIVO


Olá, meu nome é Alfredo. E sou viciado em soltar boatos pelo WhatsApp

Por Leonardo Sakamoto

Como eu comecei? Ah, sei lá, como todo mundo começa, né?
Um dia um amigo me apresentou o WhatsApp e mostrou como era legal ficar conectado e receber coisas engraçadas. Disse para eu experimentar.
No começo, falei que não, tinha medo daquilo. Mas quando vi que tava todo mundo usando, achei que ia acabar sendo excluído da galera, engoli o medo e passei a usar também.
Logo de cara, recebi um áudio sem fonte. Era um depoimento de um sargento do Exército alertando a população que um golpe estava para acontecer, que era para todo mundo estocar comida e ficar em casa. Me assustei com isso e fui para o supermercado, comprar coisas que não estragavam, como enlatados, salame, frutas secas. Mas o golpe não veio.
O que veio, logo depois, foi um texto dizendo que uma das testemunhas do escândalo de corrupção da Lava Jato havia sido envenenada e morta. A mensagem era bem clara: passe adiante se você ama seu país. E eu passei, afinal, aquilo era um absurdo! Dias depois, vi o mesmo homem rindo na TV, esbanjando saúde.
Ao invés de largar o WhatsApp depois desses episódios, aconteceu o contrário: fiquei viciado nele. Checava o telefone a cada minuto, instalei a versão para desktop, compartilhava tudo o que aparecia. Não prestava mais atenção nas aulas da universidade, pulava as refeições e até meu chefe reclamou que eu estava improdutivo e disperso.
Com o tempo, fui me entregando a coisas mais pesadas. Montei listas e mais listas com centenas de pessoas. Passava o dia postando tudo o que recebia. Gatinhos fofos faziam sucesso, mas os posts políticos iam mais longe. Fotos de filho do Lula com seu Boeing 747-300 banhado a ouro? Postava. Fotos do Aécio vestido de panda em uma suruba multiétnica? Postava. Documentos e fotos incriminando qualquer pessoa mesmo sem provas de que eram verídicos? Postava, postava, postava.
A partir de um momento, não me preocupava mais com a realidade. Eu só queria ser lido, só estava feliz com a certeza de que alguém estava me compartilhando. Aquilo foi me consumindo por dentro. Se eu não tivesse memes, áudios, vídeos ou textos bons o suficiente para mandar, inventava histórias por conta própria. Criava boatos, estruturava fofocas, erguia polêmicas.
Então, um dia, fui procurado por um profissional que disse que estava de olho em mim há tempos, que meu trabalho era bom, mas ainda amador, e me convidou a aprender e ganhar dinheiro com aquilo. Explicou que fazia parte de um coletivo que prestava “serviços'' para políticos e empresas para desconstruir a imagem de outras pessoas. Ele me ofereceu uma montanha de dinheiro mas, para falar a verdade, nem precisaria. Eu teria topado de graça.
Saí do emprego, larguei a faculdade, deixei a casa de meus pais. Quanto mais ódio e raiva continham minhas mensagens, mas elas iam longe.
Difamei muito, injuriei horrores, caluniei sem dó. Eu estava tão absorvido naquilo que não pensava nas pessoas como seres humanos ou em qualquer injustiça que cometia. Sentia uma sensação de poder tão grande, um prazer gigantesco difícil de explicar. Não largava o celular nem para tomar banho, fazer cocô, transar.
Um dia, tive um orgasmo após um boato que eu havia inventado aparecer em uma matéria de jornal como prova do envolvimento de uma pessoa em um escândalo. Ele era inocente daquilo, mas devia ser culpado de algo. Todo mundo é.
Até que um dia, mandando um meme contra um político enquanto dirigia, atropelei uma criança. E fui pra cima do policial que me parou porque ele me fez perder a postagem. Com o golpe, desfaleci e acordei na cadeia. E, pior, desconectado.
Na cela da delegacia, tive uma crise de abstinência sem igual. Suava frio, sentia uma ansiedade louca, uma sensação de que o mundo estava acontecendo sem mim. Os outros presos ficaram com medo, pois eu teclava alucinadamente em um celular inexistente e gritava de satisfação a cada mensagem-fantasma enviada. Foram longas três horas.
Minha mãe chorou na frente do juiz. Disse que a culpa não era minha, mas do meu vício, do WhatsApp, e jurou que eu era um bom garoto. Já o promotor não teve dó e mostrou centenas de postagens que eu tinha soltado, relatando como cada uma delas causou dor e sofrimento.
Estufei o peito na hora. Não senti remorso, mas um baita orgulho.
E pensei nas tantas outras postagens que havia feito, responsáveis por criar boatos que rodam até hoje e que ninguém nunca ficaria sabendo. Eles precisavam conhecer o verdadeiro responsável – eu e apenas eu. Interrompi meu advogado de defesa e desandei a falar de todas as minhas obras-primas e como era fácil manipular as pessoas.
Fui declarado mentalmente incapaz e passei seis meses numa clínica para desintoxicação. Percebi que estava no fundo do poço quando ofereci favores sexuais ao enfermeiro por 15 minutos lendo as listas dele.
Agora, estou limpo. WhatsApp, lista de mensagens, nunca mais pra mim.
Até ontem, quando um amigo me apresentou o Snapchat…
Isto é uma peça de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. 
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(Fonte: Folha; reproduzido pelo Jornal GGN - aqui).

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