sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A DÍVIDA PÚBLICA E SEUS CONTEXTOS


Enquanto a mídia se esmera em repercutir manifestações contrárias ao pacote de crédito lançado pelo governo (se se mantém paralisado, é inoperante, se busca alternativa, entra em cena o consagrado mote do 'não vai dar certo'), cuidemos de um outro assunto: a dívida pública brasileira, que mereceu da Folha a seguinte manchete: "Dívida pública fecha 2015 em nível recorde de 66,2% do PIB" - AQUI -. Texto e gráficos dão o recado, mas bem que a jornalista Isabel Versiani, autora da matéria, poderia ter contextualizado o tema, abordando a realidade observada em outros países, cujas perspectivas para 2015 foram estimadas em post de Diego Costa, reproduzido por este blog - AQUI - em setembro. Poderia, também, haver aproveitado a oportunidade para emitir juízo de valor a respeito da composição e serviço da dívida pública, assunto tratado por André Araújo - "A base podre da dívida pública" - em análise reproduzida no dia 20 - AQUI.

A seguir, vejamos análise igualmente recente, produzida antes da divulgação, nesta data, da matéria da Folha:

Dívida pública: o que o noticiário não diz nem os jornais explicam

Por José Salvador Faro

Neste caso específico do volume de recursos financeiros que oneram o Estado através da dívida pública, me parece que dois contextos precisam ser obrigatoriamente constituídos para que a dimensão social da notícia seja alcançada. Um primeiro contexto é o da causalidade racional do fato.

Num país de fraca acumulação capitalista e que tem à frente de suas práticas empresariais uma burguesia anêmica e provinciana - mais preocupada em burlar direitos e em lucrar no nível da ganância - corresponde ao Estado o papel de indutor e de promotor dos investimentos. Sem que cumpra essa função - que lhe dá a definição de desenvolvimentista - o Brasil estaria ainda vivendo o estágio da economia agrário-exportadora da era colonial. Aliás, no agro-negócio há muita semelhança entre um período e outro.

Essa é uma dimensão estrutural da dívida pública e gigantescamente estrutural pois que o valor de R$ 2,8 trilhões indicados na matéria, levando em conta as grandezas do quadro econômico e social de um país como o nosso, é até pequeno. E um aumento anual dessa dívida em 21,7% pode perfeitamente ser relativizado frente a outras demandas. Onde isso tudo aparece no noticiário?

O segundo contexto é um círculo que envolve o condicionamento político da dívida pública pelo qual seus próprios beneficiários são culpados: o diabólico sistema de desonerações fiscais e de subsídios de todo o tipo que o governo põe à disposição dos empresários imaginando que com isso vai tirá-los da letargia e do parasitismo em que estão acostumados a viver desde sempre. As matérias indicadas abaixo dão bem a dimensão do problema, mas é suficiente emoldurá-lo: cumprimos todos os anos a liturgia de transferir da sociedade para as mãos privadas da nossa burguesia uma soma estratosférica de recursos e o nome disso é dívida pública.

Os impostos que a precária inteligência da Fiesp quer pagar a menos são o tiro no pé dos próprios empresários. E isso nem o Sr. Paulo Skaf tem coragem de dizer (talvez nem mesmo saiba do que estamos falando) nem os jornais dizem, preocupados como estão em construir textos pobres de entendimento e ricos em espetacularização.

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José Salvador Faro é Professor da UMESP e da PUC-SP

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