terça-feira, 30 de junho de 2015

GRÉCIA: A ESPADA DE DÂMOCLES

Rainer Hachfeld.
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Entreouvido ainda há pouco nos bastidores da Zona do Euro: "Pode ser que se chegue a um entendimento de última hora com Tsipras, de modo que o referendum resulte descartado. Mas, de qualquer modo, a espada de Dâmocles paira meeeeesmo é sobre nossas cabeças!"

CONJUNTURA TELEVISIVA: INCIDENTE NA CAVALGADA

 
"O próximo empregado da Globo a sofrer ameaça de morte, depois de Jô Soares, será Marieta Severo. Pode anotar. Marieta foi ao programa do Faustão, uma das maiores excrescências da televisão mundial desde a era paleozoica.

Fausto Silva estava fazendo mais uma daquelas homenagens picaretas que servem, na verdade, para promover um programa da emissora. Os artistas vão até lá por obrigação contratual, não porque gostem, embora todos sorriam obsequiosamente. O apresentador insiste que são “grandes figuras humanas”.

Ele se tornou uma espécie de papagaio do que lê e vê em revistas e telejornais, tecendo comentários sem noção sobre política. Em geral, dá liga quando está com uma descerebrada como, digamos, Suzana Vieira ou um genérico de Toni Ramos.

Quando aparece alguém um pouco mais inteligente, porém, ele se complica. Faustão anda tão enlouquecido em sua cavalgada que não lembrou, talvez, de quem se tratava. Começou com aquela conversa mole sobre o Brasil não ter “estrutura”. A única coisa organizada aqui é o crime, em sua opinião. Somos “o país da desesperança”.

Ela discordou com classe: “Não, eu sou sempre otimista”. O país caminhou muito, falou. “Pra mim, tem uma coisa muito importante: a inclusão social, a luta contra a desigualdade. A gente teve muito isso nos últimos anos. Estamos numa crise, mas vamos sair dela”. Ainda criticou os evangélicos. “Nada contra religião. Só não quero uma legislando a minha vida”, afirmou.

Recentemente, Marieta, que está no papel principal de uma nova série, deu uma longa entrevista no Globo. Se confessou chocada com o que chamou de retrocesso nas conquistas de sua geração (ela tem 68 anos).

“Sou contra a redução da maioridade penal e contra muita coisa que está em evidência e que, para a minha geração, é chocante”, disse a ex-mulher de Chico Buarque. “Eu sou da década de 1960, do feminismo, da liberdade sexual, das igualdades todas”.

Não é preciso dizer que a entrevista no Faustão não foi muito além do script. Marieta deu um recado importante no mesmo dia em que Mantega foi novamente hostilizado num restaurante de São Paulo.

Nas redes sociais, os suspeitos de sempre a enxovalhavam por ter “defendido o PT” (ela não falou no nome do partido). Uma medida sensata seria MS contratar um guarda-costas daqui por diante - inclusive para circular no Projac."
 
 
 
 
 
(De Kiko Nogueira, no Diário do Centro do Mundo, post intitulado "Ao calar o Faustão, Marieta Severo deverá ser a próxima global a receber ameaça de morte" - aqui).

A GRÉCIA E O MINOTAURO


Amorim.

A MÚSICA COMO ARMA POLÍTICA


A música como arma política

Por Rosane Pavan

Herivelto Martins não queria criticar Getúlio Vargas. Pelo menos, não ao compor Palhaço. A música mirava um desafeto pessoal.
 
Havia muitos anos se resolviam assim as coisas naquele Brasil sem polícia, Justiça ou governo confiáveis. A palavra era a bala e o gatilho, a canção. Sem revólver, portanto, apenas com samba, Herivelto se vingava de quem discordava dele sobre uma questão de direito autoral. Quem gargalha demais, sem pensar no que faz, quase nunca termina em paz, musicou. O sucesso foi sem igual naquele 1946, mas o povo entendeu a canção errado. O sorriso insidioso descrito nos versos mortais passou a pertencer ao presidente destituído pela redemocratização. Palhaço seria Vargas e ponto final.
 
Em uma pesquisa exaustiva realizada nos últimos 18 anos, e que agora chega ao público por meio de três livros e uma exposição, Franklin Martins levanta esta e inúmeras histórias em que a canção brasileira teve o peso de um fuzil, houvesse ou não a intenção inicial de seu compositor em empenhá-lo. Aos 66 anos, capixaba criado no Rio de Janeiro, o jornalista fora levado à militância estudantil na década de 1960 e ao exílio na França. Retornado ao País, exercera a reportagem e fora ministro da Secretaria de Comunicação no segundo governo Lula. O valor da história e da ação resistente, portanto, não lhe parecia estranho quando, em 1997, montou o site Conexão Política, alimentado com áudios de discursos e canções em torno do poder. O trabalho o fez notar algo jamais destacado por grandes pesquisadores como seus ídolos Jairo Severiano, Roberto Azevedo, Luiz Américo Lisboa Junior ou Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez. O que ele via diversamente era a constância com que a música sobre política era feita no Brasil.

               O chope berrante, paródia ao café cantante, onde se bebia à pampa

“Todos os outros países poderiam se orgulhar dessa produção durante as grandes confrontações nacionais, as crises sociais, as revoluções e as guerras civis”, diz Martins a CartaCapital. “O México teve os corridos, houve música na Comuna de Paris. Mas, passados esses períodos de confrontação, a produção se tornava ocasional naqueles países, a uma exata distância do que ocorria aqui.” A música brasileira, uma espécie de Bakunin da plebe, fornecia uma força incendiária constante contra a paralisia social. Vistas em conjunto, além disso, as canções traçavam uma sucessão de fatos políticos e as mudanças de comportamento. A música brasileira ensinava história muito bem.
 
Desde o teatro de revista do século XIX, contemporâneo dos paródicos chopes berrantes, nos quais as atrações culturais serviam à venda da bebida, foi possível sorrir da fome e da carestia no Brasil.
Especialmente depois da Guerra do Paraguai, por duas décadas em que o império agonizava, o poder se viu desancado pela música. Nos anos seguintes, “em cima do laço”, o cantor Eduardo das Neves comentou de tudo. A Revolta da Chibata, por exemplo, apareceu em Os Reclamantes no ano em que ocorrera, 1910: Neste Rio de Janeiro, fez-se grande confusão, com um cabo marinheiro, fez uma revolução. O carnaval substituiu as revistas e os berrantes quando passou de dançado a cantado, com uma enorme tradição de marchas a comentar nossos erros.
 
Nos três livros da série Quem Foi Que Inventou o Brasil? (os dois primeiros, pela editora Nova Fronteira, ao preço individual de 68,90 reais, ... lançados dia 22 na Livraria Cultura, em São Paulo) e na exposição A Música Canta a República, no Instituto Tomie Ohtake, até 2 de agosto, estarão representados os fatos, em imagens de época pesquisadas pelo curador Vladimir Sacchetta, e as 1,1 mil músicas produzidas entre 1902 e 2002, garimpadas e comentadas por Franklin Martins. Ninguém concebeu essa divisão antes, como nota o historiador José Ramos Tinhorão ao apresentar o projeto. O pesquisador que se diz “apenas repórter” não teria apenas feito “obra para ser lida e escutada”, como dita sua modéstia na introdução geral, mas “obra tão original que, nela, a história não apenas se revela, mas se faz ouvir, no mais genuíno sentido da palavra”.
 
                     Chico Buarque, na capa do semanário Bondinho - 1972: Censura

Para Martins, “a música popular brasileira cumpriu um extraordinário papel” em momentos que ele próprio viveu. “A canção representou um desaguadouro da resistência cultural, talvez por onde ela tenha se expressado da maneira mais forte”, crê. “Era estimulante, para quem militasse ou apenas se incomodasse com o absurdo ditatorial dos anos 1960, ouvir que amanhã seria um dia diferente de hoje, que ninguém se dobraria à injustiça. Embora por conta da censura fosse impossível denunciar um estado de coisas explicitamente, apenas insinuar a existência de uma injustiça bastava. A insinuação às vezes era mais forte que uma denúncia aberta contra o regime, porque se sabia como era complicado driblá-lo.”

Nos livros de Martins, é um pulso do Brasil o que se lê (e no link podem ser acessados gratuitamente em streaming as canções incluídas no livro, mesmo que apenas as partes liberadas de direitos autorais). A sátira parece descender daquele século XVII em que o poeta Gregório de Mattos exerceu impiedosa pena. Em Non fui ista a inrevoluçó que io sugné (Não foi esta a revolução com que sonhei), por exemplo, Juó Bananère misturava italiano e português para demonstrar desapontamento com a Revolução de 1930, aquela incapaz de colocar na ageladêra dú Cambuci (na prisão do bairro paulistano) tutos chiefe dú PRP, o partido da oligarquia paulista na República Velha.
 
                                        Pracinhas na Itália, 1944
Os compositores a comentar as dores brasileiras se sucederam, multiplicados por muitos intérpretes, como os pracinhas da FEB ou os revolucionários de 1930. É certo que Chico Buarque, desde que usava o pseudônimo Julinho da Adelaide, açoitara o poder de todas as formas, mas também houve Geraldo Vandré e Theo de Barros em Disparada, de 1966, a ver a morte sem chorar. “O Taiguara produziu muita coisa excelente nessa direção, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Sérgio Ricardo, depois Milton Nascimento, Ednardo, Belchior, e eu seguramente estou cometendo alguma injustiça... E também houve a música a adular o regime. Dom e Ravel, é engraçadíssimo, eles têm Eu te Amo meu Brasil, mas fizeram duas músicas nos anos seguintes, uma delas quase censurada porque denunciava a injustiça no Brasil e outra, Marcha da Conciliação Nacional, em que pediam calma contra os enfrentamentos.” Isso tudo sem contar com o inesperado. “As primeiras músicas no Brasil de apoio à luta anticolonial na África são de Tim Maia, Rodésia e Guiné Bissau, Moçambique e Angola Racional. O Wilson Simonal tem Tributo a Martin Luther King, antes da morte do líder, na qual diz que luta negra demais é lutar pela paz.”
 
Tão ampla quanto a periodização inclusiva de Franklin Martins parece ser a margem que dará a pequenas ausências. Ele não incluiu nos livros o clássico de Caetano Veloso A Filha da Chiquita Bacana, que cita a batalha pela emancipação feminina. “Nessa nem reparei, mas, de todo modo, não era naquele momento uma luta como uma grande questão no Brasil.” São eventos demais, até os que o tocaram pessoalmente. Da marcha História do Brasil, de Almirante (1934), Martins tirou Quem foi que inventou o Brasil?, título de seus livros. Ele cismava com o significado dos versos Passou-se o tempo da vovó, quem manda é a Severa e o cavalo Mossoró. Mossoró fora o cavalo brasileiro a vencer o primeiro Grande Prêmio local, nos anos 1940. Mas e Severa? Descobriu tratar-se da Fadista Severa que intitulava um filme português. Nele vinha interpretado o fado Ó rua do Capelão, cujos versos Martins canta, não sem ressaltar sua ausência de talento musical: Se o meu amor chegar cedinho, eu beijo as pedras do chão que ele pisar pelo caminho. Era assim que o ninavam seus pais. (Fonte: aqui).

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O site, imperdível, está aqui: http://quemfoiqueinventouobrasil.com/

UNIÃO EUROPEIA EXIGE MAIS AUSTERIDADE


Arend van Dam. (Holanda).

RELAÇÃO AUSTERA


Jean.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

LAVA JATO, JUSTIÇA E JUSTIÇAMENTO

"(…)

há um afã muito grande de se chegar a um bom resultado na percepção criminal. E em dados momentos se percebe a flexibilização de uma máxima segundo a qual, em direito, o meio justifica o fim. Não posso simplesmente potencializar o que eu quero alcançar e atropelar normas existentes. Falo de normas que implicam para todos nós, cidadãos, segurança jurídica. Esta deve prevalecer, não pode ser atropelada.


Uma das queixas dos advogados de defesa dos envolvidos se refere à decretação das prisões preventivas. Acha que tem havido abuso?
A prisão preventiva deve existir como exceção, não como regra. E ela tornou-se – estou falando de forma geral, no universo jurídico – regra. Talvez para dar uma esperança vã, uma satisfação à sociedade.


Onde está o erro?
Tendo em conta a morosidade do processo crime, se prende para posteriormente apurar, quando se deveria primeiro apurar para, selada a culpa, prender para a execução da pena. Aí, é claro, já considerado o princípio que é muito caro a todos, que é o princípio da não culpabilidade. Afinal, alguém só pode ser considerado culpado depois que haja um título condenatório, não sujeito mais a modificação na fase de recurso. Eu fico preocupado quando há essa inversão de valores. Prendem-se pessoas que não apresentam periculosidade e pessoas que, de início, não estariam interferindo para embaralhar a investigação.

Muitos juristas questionam a forma como ocorrem os processos de delação premiada. Anteontem, um ministro do governo falou em “vazamento seletivo” das delações. O questionamento é procedente?
Me preocupa muito a questão da delação. Por norma, ela deve estar retratada num ato espontâneo. No processo atual, o número de delatores já revela algo estranho, pois parece que 15 já delataram. É muita delação… Não cabe, eu digo sempre, prender para, fragilizando o ser humano, ater-se à delação. Não se avança culturalmente dessa forma. Não cabe ter-se, como já afirmei antes em um artigo – mas atenção, aí não me refiro a um caso concreto – não cabe ter o justiçamento. Lembro-me de que, nesse artigo, citei Machado de Assis por uma frase muito interessante: ele diz que a melhor forma de se ver o chicote é tendo o cabo à mão. E o chicote muda de mão. Mas não posso deixar de cumprimentar a Polícia Federal, o Ministério Público e até mesmo, é claro – e aí temos recursos para corrigir algum extravasamento – até mesmo o juiz Sergio Moro.


“Corrigir extravasamentos” significa a possibilidade de se reformar algumas decisões do juiz em instância superior?
É mais ou menos isso. E ressalto que, às vezes, o órgão investido do ofício de julgar tem de adotar uma postura contrária aos anseios populares – até mesmo o povo está submetido às regras constitucionais legais. Esse órgão nem sempre marcha de forma majoritária, às vezes fica na minoria. Mas o dever precípuo é com o direito posto. Temos realmente a oportunidade de corrigir erros de procedimento, erros de julgamento via recursos e também habeas corpus. É necessário considerar o tempo para lograr uma correção de rumos.


Em seu entender, tem razão o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao defender o direito de empresas hoje envolvidas na Lava Jato a participar de futuras licitações do governo, uma vez que elas ainda não sofreram nenhuma condenação?
Essa é uma decorrência natural do princípio da não culpabilidade. Precisamos conciliar o formal com a realidade. De nada adianta forçar a mão, afastando precocemente, de forma açodada, essas empresas dos contratos administrativos – e ter-se logo adiante a formação de outras empresas, até mesmo com capital das empresas anteriores. O que se precisa é concluir o julgamento. Em suma, o ministro Cardozo está sendo estritamente fiel ao figurino, que é um figurino constitucional. Ele não está querendo proteger esta ou aquela empresa. Está falando da preservação de princípios.


(…)"





(De Marco Aurélio Mello, ministro do STF, em entrevista a Sonia Racy, do Estadão; "Segurança jurídica deve prevalecer sobre o atropelamento das normas" - aqui.

A espetacularização processual apresenta uma peculiaridade: todo o empenho em mostrar serviço, forçando a realidade, 'estimulando' delações, condenando previamente, atrai, sim, os holofotes, mas cai por terra quando o bom senso se instala e a instância superior se manifesta.

É certo, porém, que certos frutos que já tenham sido colhidos subsistam, como a desmoralização de determinada agremiação política. Aliás, há quem considere que muitas vezes é exatamente esse o propósito inicial...).

GRÉCIA: TEMOR GLOBAL


Sergei Elkin.

SOBRE DELAÇÕES PREMIADAS E O SER OU NÃO SER DO PT


"Sobretudo na retórica, a nova safra de delações selecionadas aumentou a pressão sobre Dilma Rousseff. Paradoxalmente, serviu também para enfraquecer a oposição.

A história de Ricardo Pessoa, da empreiteira UTC, pertence ao gênero do irrealismo fantástico. A começar da exposição de motivos. Segundo o executivo, as negociatas entre governos e empresas perseguiam objetivos nobres. "Fazer a engrenagem andar", "impedir retaliações contra quem não colaborasse", "abrir portas" e outras platitudes.

Em benefício da dúvida, suponha-se que personagem tão impoluto tenha falado mesmo o que apareceu impresso e pense ter abafado. Aí imaginamos que o sujeito realmente possui um coração de ouro com dinheiro alheio. Uma espécie de "plutodemocrata".

A saber: pagou ministros do TCU, deu mesada para o filho do presidente do mesmo tribunal, comprou o PT, comprou o PSDB, comprou o PSB, comprou o PR, comprou o PMDB e ainda deu R$ 20 milhões para o ex-presidente Collor. Só faltou ter adquirido o Cristo Redentor.

A delação divulgada afirma que a eleição de Dilma drenou R$ 7,5 milhões dos cofres da UTC. Pelo menos aqui Aécio Neves ganhou da adversária. Sua campanha agasalhou R$ 8,7 milhões do empreendedor preocupado com a marcha do capitalismo. Interessante: no total, suas doações declaradas aos tucanos foram maiores do que o dinheiro para o PT, inclusive em São Paulo.

Há duas hipóteses, complementares e não excludentes. Interessado na própria sobrevivência, Pessoa jogou a UTC no ventilador para ver como é que fica. Quanto mais alvos atingir, melhor. Deixa que o Moro faz o resto.

A outra possibilidade é a de que a bandalheira está institucionalizada no país. São ridículas, para ser elegante, as tentativas da oposição de convencer que a dinheirama recebida por ela é limpa e a fatia da situação, coisa podre. Mas depois da excursão Cantinflas à Venezuela, nada mais surpreende vindo de Aécio e sua turma.

Na última semana, Lula soltou o verbo. Lamentou que seu partido parecesse mais interessado em salvar a pele e segurar cargos do que em defender um projeto.

Esse é o ponto. Qual o projeto do PT hoje? Será possível mobilizar a militância para defender cortes em educação, habitação, saúde, em direitos trabalhistas, nas aposentadorias? Lula pode ser --e é-- um excelente orador. Mas sem a "mistura", como se diz na casa de gente de carne e osso, o arroz com feijão perde o encanto.

O problema do PT não é a idade dos militantes --embora o afastamento da juventude seja sintomático. Vale a pena citar o professor Paul Singer: "O que acontece é luta de classes. Trabalhadores assalariados e patrões capitalistas têm interesses opostos." Singer tem 83 anos, mas preserva intacta a juventude de raciocínio. Em outras palavras, falta um programa coerente ao partido. O que temos para hoje é uma antítese da pregação original. Uma salada de projetos de longuíssimo prazo condimentada com sacrifícios de curtíssimo prazo para a maioria.

Cabe ao PT mudar a receita se quiser enfrentar uma luta política cada vez mais agressiva. Bem entendido, isso não é garantia de nada após tantas derrapadas. Mas ao menos manteria a legenda dentro do jogo com um discurso definido.

Baboseiras como governabilidade, superavit primário e obsessão inflacionária são tão convincentes e inteligíveis quanto um alemão de bolso cheio discursando para gregos em petição de miséria."





(De Ricardo Melo, analista político, post intitulado "Pessoa e o ser ou não ser do PT", publicado no jornal Folha de São Paulo.

Resta, mais uma vez, demonstrado que doações feitas por empresas privadas são altamente perniciosas. Como dizia o guru neoliberal Milton Friedman, no que foi corroborado pelo corrupto confesso diretor Paulo Roberto Costa, não existe almoço grátis. O empresário despudorado se dispõe a doar, quero dizer, investir para preservar o espaço de que já dispõe e/ou 'garantir' que candidatos em disputa, caso eleitos, lhe assegurem os privilégios com que já conta, ou novos espaços privilegiados. Ao fim e ao cabo, todo mundo se beneficia. E quem fica de fora se sente bocó, sem nada, no ora veja - e é tratado como tal. O pior é constatar que o financiamento empresarial de campanhas políticas se mantém incólume, firme e forte, sendo que nem a maioria dos ministros do STF, que votaram pelo seu fim, conseguiu ver seu voto triunfar...).

GRÉCIA DIZ NÃO


Tom Janssen.

SELEÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL: RESUMO


Ruína moral é pior que vexame da seleção

Por Mário Magalhães

Depois do 1 a 1 indigente no tempo regulamentar, o Brasil foi eliminado da Copa América pelo Paraguai, 4 a 3 nos pênaltis.
 
Portanto, Neymar, suspenso contra a Colômbia, está fora dos dois primeiros jogos das Eliminatórias do Mundial 2018.
 
Os quatro semifinalistas da Copa América são treinados por argentinos.
 
É mais um vexame, após o 7 a 1 do ano passado.
 
Pior que o futebolzinho é a ruína moral em torno da seleção brasileira.
 
O jogo da seleção foi soporífero enquanto a bola rolou.
 
Quase não ameaçou, inclusive no primeiro tempo. No segundo, conseguiu ser ainda mais fraco.
 
Consciente das suas limitações técnicas, os veteranos paraguaios se aplicaram taticamente e lograram empatar, antes de triunfar nos penais.
 
Os brasileiros pareciam nunca ter treinado juntos.
 
É imenso o abismo entre a categoria dos boleiros das duas equipes.
 
Os nossos são melhores em todas ou quase todas as posições.
 
Como os paraguaios jogam de igual para igual e fazem até por merecer a vitória nos 90 minutos?
 
Como treina a seleção brasileira?
 
Por que os oponentes mostram mais conjunto, mesmo times renovados?
 
A maior diferença da Colômbia frente ao Brasil e à Argentina foi de postura: contra nós, vieram para cima, confiantes; diante de Messi e companhia, tremeram, sem se arriscar.
 
Não assustamos mais ninguém.
 
O Brasil abriu o placar neste sábado com gol de Robinho, em cruzamento de Daniel Alves.
Robinho era reserva, até a suspensão de Neymar.
 
Daniel, apesar da ótima temporada no Barça, só foi convocado para a Copa América na última hora.
Muito pior que a miséria em campo é a ruína moral, insisto.
 
O cartola que convidou Dunga para ser o técnico, José Maria Marin, está em cana por falcatruas.
 
O atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, não foi ao Chile. Medo de ser preso?
 
O chefe da delegação, João Dória Jr., nem no Chile ficou permanentemente.
 
Dunga ousou dizer que afrodescendentes gostam de apanhar.
 
Nessa atmosfera, o futebol ridículo não é o mais trágico.
 
Que horror! (Fonte: aqui).

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Marin, Del Nero, João Dória Jr., Elias, Fernandinho, Firmino e outros tantos, o adjetivo "ótimo" utilizado por Dunga para classificar o desempenho da seleção na Copa América... Definitivamente, já não se fazem mais nem sequer fracassos como antigamente.

PARANOIA


Jarbas.

domingo, 28 de junho de 2015

O ABRAÇO


Stefan Despodov. (Bulgária).

LAVA JATO: O JORRO CONTÍNUO DE VAZAMENTOS E OUTRAS VIOLAÇÕES


Jatos que mancham

Por Jânio de Freitas

É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber certo sadismo na Lava Jato
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Como inquérito "sob segredo de Justiça", a Operação Lava Jato lembra melhor uma agência de propaganda. Ou, em tempos da pedante expressão "crise hídrica", traz a memória saudosa de uma adutora sem seca.

Em princípio, os vazamentos seriam uma transgressão favorável à opinião pública ansiosa por um sistema policial/judicial sem as impunidades tradicionais. Mas, com o jorro contínuo dos tais vazamentos, nos desvãos do sensacionalismo não cessam os indícios que fazem a "nova Justiça" -- a dos juízes e procuradores/promotores da nova geração -- um perigo equivalente à velha Justiça acusada de discriminação social e inoperância judicial.

É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber um certo sadismo na Lava Jato. O exemplo mais perceptível e menos importante: as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada. Depois, a distribuição de insinuações e informações a partir de mera menção por um dos inescrupulosos delatores, do tipo "Fulano recebeu dinheiro da Odebrecht". Era dinheiro lícito ou provou-se ser ilícito? É certo que o recebedor sabia da origem, no caso de ilícita?

A hipocrisia domina. São milhares os políticos que receberam doações de empreiteiras e bancos desde que, por conveniência dos candidatos e artimanha dos doadores, esse dinheiro pôde se mover, nas eleições, sob o nome de empresas. Nos últimos 60 anos, todos os presidentes tiveram relações próximas com empreiteiros. Alguns destes foram comensais da residência presidencial em diferentes mandatos. Os mesmos e outros viajaram para participar, convidados, de homenagens arranjadas no exterior para presidente brasileiro. Banqueiros e empreiteiros doaram para os institutos de ex-presidentes. Houve mesmo jantares de arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos. Ninguém na Lava Jato sabe disso?

Mas a imprensa é que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo deformante vindos da Lava Jato.

A partir de Juscelino, e incluídos todos os generais-presidentes, só de Itamar Franco e Jânio Quadros nunca se soube que tivessem relações próximas com empreiteiros e banqueiros. A íntima amizade de José Sarney foi mal e muito comentada, sem que ficasse evidenciada, porém, mais do que a relação pessoal. Benefícios recebidos, sob a forma de trabalhos feitos pela Andrade Gutierrez, foram para outros.

Ocorre mesmo, com os vazamentos deformantes, o deslocamento da suspeita. Não importa, no caso, o sentido com que o presidente da Odebrecht usou a palavra "destruir", referindo-se a um e-mail, em anotação lida e divulgada pela Lava Jato. O episódio foi descrito como um bilhete que Marcelo Odebrecht escreveu com instruções para o seu advogado, e cuja entrega "pediu a um policial" que, no entanto, ao ver a palavra "destruir", levou o bilhete ao grupo da Lava Jato.

Muito inteligível. Até que alguém, talvez meio distraído, ao contar o episódio acrescentasse que Marcelo, quando entregou o bilhete e fez o pedido ao policial, já estava fora da cela e a caminho de encontrar seu defensor.

Então por que pediria ao policial que entregasse o bilhete a quem ele mesmo ia encontrar logo?

As partes da historinha não convivem bem. Não só entre si. Também com a vedação à interferência na comunicação entre um acusado e seu defensor, considerada cerceamento do pleno direito de defesa assegurado pela Constituição.

Já objeto de providências da OAB, a apreensão de material dos advogados de uma empreiteira, em suas salas na empresa, foi uma transgressão à inviolabilidade legal da advocacia. Com esta explicação da Lava Jato: só os documentos referentes ao tema da Lava Jato seriam recolhidos, mas, dada a dificuldade de selecioná-los na própria empresa, entre 25 mil documentos, foram apreendidos todos para coleta dos desejados e posterior devolução dos demais.

Pior que uma, duas violações: a apreensão de documentos invioláveis, porque seus detentores não são suspeitos de ilicitude, e o exame violador de todos para identificar os desejados. Até documentos secretos de natureza militar, referentes a trabalhos e negócios da Odebrecht na área, podem estar vulneráveis.

Exemplos assim se sucedem. Em descompasso com uma banalidade: condenar alguém em nome da legalidade e da ética pede, no mínimo, permanentes legalidade e ética. Na "nova Justiça" como reclamado da "velha Justiça". (Fonte: Folha de São Paulo - reproduzido aqui).

GRÉCIA


Pavel Constantin. (Romênia).

QUANDO RAUL SEIXAS PARTIU


"Raul Seixas, o roqueiro, faria 70 anos (hoje). Esperam-se comemorações em todos os níveis, terráqueo, cósmico e ectoplásmico, pelos quais sua jurisdição se espalhou desde sua morte em agosto de 1989, aos 44 anos. Um ano e meio antes, em fevereiro de 1988, ele era apenas um entre 15 sujeitos recém-saídos de clínicas de dependência química, em São Paulo, que passaram a se reunir semanalmente na casa de um deles. Eu era outro.

Raul e eu fomos vizinhos e contemporâneos de internação em duas clínicas de Cotia, a 30 km de São Paulo. Por coincidência, entramos e saímos na mesma época. Um dos nossos, Reinaldo, conhecia alguns da outra turma e resolveu promover encontros em que pudéssemos trocar experiências e nos ajudarmos na coisa mais difícil quando se deixa de beber --que é continuar sem beber.

Entre os que nos reuníamos na casa de Reinaldo, recordo-me de um fazendeiro, um industrial, um executivo da Philip Morris, um operário, um boa-pinta sem profissão, um diretor de teatro e Raul.
Todos entre 30 e 50 anos, casados e alcoólatras, alguns com uma segunda droga na história: cocaína, ácido, bolinhas. A de Raul era éter.

Em comum entre nós, antes da internação, a vida indo para o buraco: profissão, carreira, casamento, saúde e amigos --vivíamos intoxicados, anêmicos, inchados, apáticos e imundos. Mas, naquelas reuniões, já parecíamos outros: saudáveis, corados, barbeados, tomando litros de Coca-Cola e confiantes em que iríamos recuperar tudo que havíamos perdido.

Menos um. Raul ficava pelos cantos, acabrunhado, múrmure, alheio à atmosfera de esperança e otimismo. Quase todos ali recaíram; a maioria conseguiu se recuperar, outros morreram. Apenas dois nunca mais beberam, eu e o diretor de teatro. Raul foi o primeiro a retomar as substâncias, entregar os pontos e morrer."





(De Ruy Castro, na Folha, coluna intitulada "Primeiro a morrer" - aqui.

Raul, em uma de suas antológicas canções, conclamava: "Levante sua mão sedenta e recomece a andar". Pelo que relata Ruy, não deu para o grande Raul).

sábado, 27 de junho de 2015

NONSENSE CARTOON


Amorim.

DA INVEJA

 
Serge Bloch.

Tratado sobre a inveja

Por Thomaz Wood Jr.

"Quando um dos meus amigos tem sucesso, algo em mim se apaga", admitiu certa vez o escritor Gore Vidal. No século XVII, esse tormentoso sentimento - a inveja - atingiu a cabeça coroada de Luís XIV e levou à desgraça seu exuberante ministro das finanças, Nicolas Fouquet. No verão de 1661, Fouquet, um amante da beleza e do prazer, promoveu uma deslumbrante festa em seu castelo de Vaux-le-Vocomte. A suntuosidade do evento, com fogos de artifício, espetáculos de teatro e divertimentos, despertou a inveja do rei e sua corte. Sob acusações diversas, Fouquet foi preso e condenado à prisão perpétua. Passou o resto de seus dias em uma pequena fortaleza nos Alpes Franceses.

Essa história, contada por Manfred F. R. Kets de Vries em um capítulo do livro "O Indivíduo na Organização: Dimensões Esquecidas", mostra a inveja como um poderoso fator de motivação humana. As empresas da virada do milênio talvez não sejam tão diferentes da corte francesa do século XVII. O argumento do autor é pertinente: apesar de permear as relações nas empresas modernas, a inveja permanece pouco estudada e entendida.

História Antiga

A inveja é um dos sete pecados capitais. Foi a causa do primeiro assassinato da Bíblia quando o Senhor dedicou suas atenções a Abel, desprezando os esforços de Caim. Essa tragédia se repetiu como farsa recentemente, no rocambolesco caso Collor versus Collor. Na Bíblia ou em Alagoas, a inveja surge entre os que se sentem inferiorizados ou excluídos.

A inveja é incapaz de ingenuidade, de probidade e de honestidade. Falta-lhe retidão de caráter. Ela mobiliza todas as forças a seu alcance, manipula pessoas e distorce fatos para destruir o que não é capaz de alcançar. Sofre ao ver nos outros o que deseja ardentemente para si. Desejar é o seu verbo. A inveja é toda compulsão. Nunca está sozinha. Seus companheiros inseparáveis são o complexo de inferioridade, a vergonha, a frustração e a amargura.

Freud Explica

Qual a origem da inveja? Kets de Vries assegura que já existem no recém-nascido, que experimenta uma mistura de sensações de paz e satisfação com sentimentos de aflição. Freud explicava o sentimento de inveja a partir da concepção do ser humano como ser estruturalmente incompleto, iludido com a possibilidade de plenitude.

Se a inveja é de fato inevitável, ela não precisa ser necessariamente uma tortura para quem a experimenta. Reconhecer a inveja é reconhecer a inferioridade, porém pode também ser o primeiro passo para amadurecer e superar essa inferioridade.

Inveja Empresarial

Quem nunca sentiu aquele sabor amargo que um (ex-) colega foi promovido? Perdoamos tudo, menos o sucesso. Como um pântano pestilento, as empresas provêem um ecossistema favorável para o aparecimento da inveja. Como a umidade e o mofo, as estruturas hierárquicas, o personalismo, o culto ao poder e a ideologia do sucesso fornecem as condições necessárias para o surgimento e a propagação da inveja.

A inveja não grassa apenas nas empresas: universidades, sindicatos e grupos de psicanalistas também não lhe escapam. Mais sofisticado o meio, mais sofisticada ela aparece. Muda a forma, mas o conteúdo permanece o mesmo.

A circularidade é a sua marca: o trainee inveja o gerente que inveja o presidente que, muitas vezes, gostaria de ser apenas um jovem trainee.

Inveja Construtiva

Mas nem todas as maneiras de lidar com a inveja são negativas. Abordagens construtivas também são possíveis. Usar o objeto de inveja como fonte de inspiração para o auto desenvolvimento é uma forma positiva de lidar com a inveja. O primeiro passo é reconhecer o sentimento e eliminar as atitudes negativas: admitir que algumas realidades da vida são imutáveis e parar de desejar o que não se pode ter. Rompê-la pode ser um processo duro. Pode também ser o começo de um processo de amadurecimento e levar à superação de barreiras e limites.

Carências Tupiniquins

O brasileiro não precisa ter complexo de inferioridade quanto à inveja: somos tão invejosos quanto qualquer outro povo. Porém, se o sentimento é o mesmo, o jeito que ele aqui se manifesta adquire tons próprios. Mais estruturada e hierarquizada a sociedade, maiores as condições para a inveja destrutiva. Herdeira direta do "modelo casa-grande e senzala" de colonização, a inveja tupiniquim é alimentada pelas nossas carências econômicas, sociais e culturais.

No Brasil, a inveja é quase sempre negativa. Em Terra Brasilis o invejoso deve remoer sua dor nas mansardas e tugúrios suburbanos.

Gerenciando a Inveja

Fora os casos patológicos de inveja perversa, existem estratégias possíveis que podem gerar mudanças e reduzir o nível de inveja. Para agir com sucesso na organização, é preciso compreender sua dinâmica e fazer uma leitura cuidadosa da cultura organizacional. É necessário entender os valores e as crenças mais arraigados na empresa, que definem sua identidade e sua forma de agir. A inveja é a homenagem que a inferioridade tributa ao mérito, superá-la é celebrar a possibilidade de vencer essa inferioridade e pavimentar o caminho da virtude. (Fonte: aqui).

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A propósito, a inveja é o tema do 7º Salão Internacional Medplan de Humor do Piauí.

EUA: SUPREMA CORTE LEGALIZA CASAMENTO GAY


Paixão.

EUA: SUPREMA CORTE LEGALIZA CASAMENTO GAY


Simanca.

EUA: SUPREMA CORTE LEGALIZA CASAMENTO GAY

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Enquanto isso, em 1862...

               - Um dia, seremos livres.
               - Sim, certo, e homossexuais se casarão.

Patrick Chappatte.

O MAL DO MILÊNIO


Guilherme Bandeira.

O VAZAMENTO É A ALMA DO NEGÓCIO

 
"De todos os aspectos da Lava Jato, de sua desconstrução da economia brasileira, da criação de um clima pesado e negativo que desencoraja novos empreendimentos porque qualquer passo pode ser mal interpretado e levar à cadeia, o que chama a atenção como tática da operação é o ilimitado vazamento de informações para servir de base à desmoralização dos pretensos investigados.
 
Presos na porta do avião, portanto, em área fechada e restrita, onde só deveria estar a polícia, a tripulação tem a Globo fotografando e filmando; as diligências de busca e apreensão também têm a escolta da Globo. Essa mídia faz parte da Lava Jato, integrada por Juízo, Ministério Publico Federal, Polícia e Globo.
 
Em troca do privilégio, a Globo apoia todo e qualquer aspecto da operação, sem juízo crítico. O monarca Merval Pereira e as papisas Miriam Leitão, Cristiana Lobo, Renata Lo Prete e companhia seguem a onda sem nenhuma crítica ao custo para a economia, aos atropelos e aspecto cruzadeiro da Lava Jato.
 
A aliança entre Globo e esse grupo é antiga. Na operação que levou Daniel Dantas à prisão, foram incluídos, sem nexo lógico, Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta. O primeiro porque propôs algum negócio a Dantas, e o segundo porque pediu dinheiro emprestado a Nahas.
 
Pitta foi preso às 6 da manhã na porta de seu apartamento, de pijama, sendo o primeiro da fila a bater na porta o repórter César Tralli, da Globo, enfiando o microfone na cara de um Pitta ainda sonolento. Uma cena dantesca: Pitta já doente, com cancêr e sem saber o que estava acontecendo, já deveria dar declarações ao agressivo Tralli, papagaio de polícia e sempre pronto para tarefas degradantes.
 
Esse mesmo Tralli já tinha atacado Pitta em outro episódio, poucos dias antes do fim de seu mandato. Tralli foi à PRODAM, companhia de informática da Prefeitura, e filmou mesas vazias para mostrar que os funcionários não trabalhavam. Isso foi usado na campanha da Marta Suplicy para prefeita. Semanas depois, ela então assume e um de seus primeiros atos foi nomear o pai do Tralli como assessor na PRODAM. Esse é o modelo Globo de parceria.
 
As mesas vazias na PRODAM eram o resultado de corte de funcionários, e não porque não trabalhavam, como disse a capciosa reportagem de encomenda.
 
A Globo tem pesadas pendências fiscais com a Receita Federal, que ao fim vão cair na mão do Ministério Publico Federal. Pode ser apenas coincidência, mas a emissora sabe operar em certas situações complicadas.
 
O vazamento de todas as etapas investigativas tem consequências jurídicas. Seu objetivo é fazer a opinião pública se virar contra os investigados, fazendo o famoso escracho. Outro objetivo é desmoralizar os investigados perante seus amigos, funcionários, família e clientes, enfraquecendo sua defesa e seu ânimo.
 
Na prisão dos dirigentes da FIFA, em Zurique, não houve escracho. Marin saiu preso sem mostrar a cara, agindo a Polícia com profissionalismo e imparcialidade.
 
O escracho já se tornou tão comum que ninguém mais registra que se trata de grosseira irregularidade na investigação. A ideia de uma Justiça neutra desapareceu completamente no Brasil. Na Lava Jato, há um grupo operacional de combate às empresas, ninguém mais sabe onde começa o Juízo, o Ministério Público e a Polícia. Parece aos olhos de todos uma coisa só, a imparcialidade é zero e para colocar a cereja no bolo, a Globo aparece como máquina de propaganda da operação, sempre à coté da execução dos mandados de prisão e busca e apreensão.
 
Se está sempre junto é porque foi avisada com antecedência para preparar as equipes de reportagem, mas isso é legal?
 
Na operação da Justiça é fundamental a lógica das ações e a proporção entre atos e custos.
 
Ações de investigação que destroem grandes empresas não têm paralelo no mundo. A conta não deve ser menor que um milhão de empregos diretos e indiretos. Só as duas últimas, Andrade Gutierrez e Odebrecht, controlam por si e subsidiárias 410.000 empregos. Os estaleiros, todos sob ameaça clara de fechamento, têm 46.000 empregos diretos e mais 200.000 indiretos. A Engevix, maior empresa de projetos do País, tinha 2.000 engenheiros e técnicos; a OAS também era das grandes.
 
Todas estão se desfazendo dos ativos, está tudo à venda, aeroportos, usinas hidrelétricas, eólicas e solar, estaleiros.
 
O desmonte está sendo completo. No exterior, grandes ações anti-corrupção contra Siemens, Alstom, Halliburton, Lockheed, nunca puseram em risco as empresas porque sempre houve cuidado para mantê-las funcionando e bem, caso contrário, como pagariam as multas? Aqui estão sendo impostas multas estratosféricas que jamais serão pagas, serão créditos em massas falidas porque, ao mesmo tempo que impõe multas de dez vezes o valor das propinas, impedem a empresa de assinar novos contratos, como então ela pagará a multa?
 
Na História não ficará a operação em si, mas a covardia, a abulia, a apatia, a falta de consciência de País daqueles que assistiram de camarote ao desmanche de importantes pedaços da economia nacional, no altar de um moralismo tosco e desligado da realidade econômica em que vive o Brasil de hoje, em profunda e crescente recessão. Quebrar empresas nessa situação é de uma irresponsabilidade inacreditável.
 
De um amigo que trabalha na Odebrecht: "O ambiente aqui está de velório."
 
Vocês conseguiram, o dano é irreparável.
 
Enquanto isso, os salários, férias e auxílios do setor improdutivo da economia estão garantidos."
 
 
 
 
 
(De André Araújo, post intitulado "O vazamento é a alma do negócio" - aqui.

Sem comentário - a não ser o de que a expressão 'setor improdutivo da economia' merecia, pelo contexto, um acréscimo: 'setor improdutivo e predador da economia').

sexta-feira, 26 de junho de 2015

TÉTRICO TEATRO DO ABSURDO


Newton Silva.

LAVA JATO: ALGO DE NOVO NO FRONT (OU NÃO)


"Imperdível a coluna de hoje do inefável Reinaldo Azevedo, jóia da coroa da inteligência nacional, na Folha.

Sapateia sobre a exegese “legal” do Juiz  Sérgio Moro, que diz não entender a “gramática da lei”:

“Transcrevo o Artigo 312 do Código de Processo Penal: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.
 
“Esse “quando” é uma conjunção subordinativa com cara de temporal, mas que é condicional, substituível por “caso” e por “se”. Quando houver (“se houver”, “caso haja”) a prova ou indício suficiente de autoria, então a preventiva pode ser decretada para assegurar uma que seja daquelas quatro exigências. Se soltos, Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo incidem em uma que seja das quatro causas? É claro que não! As prisões são insustentáveis, como eram as dos demais empreiteiros, que ficaram cinco meses em cana.”
 
E, de quebra, chama o Tribunal Regional Federal e o Supremo Tribunal Federal e a OAB de covardes:

“Se os tribunais se acovardaram, eu não.”
 
“Cadê a OAB? Está com medo?”
 
Moro, de arbitrário e mal-intencionado:

“Quero ser regido por legislação conhecida, mesmo que não goste dela, não pelo arbítrio, ainda que de bem-intencionados, se é que isso existe.”
 
E a nossa “imprensa livre” não escapa, no episódio ridículo do “bilhete-bomba” que ia destruir o e-mail da Odebrecht bem ali no meio dos autos do processo:

“A imprensa vai mal nessas horas. Deu curso à história do balacobaco de que Marcelo Odebrecht entregou nas mãos de um policial federal bilhete endereçado a seus advogados recomendando-lhes a destruição de provas. Você faria isso? Por que ele o faria? Mais: a acusação busca incriminar os advogados e agride o direito de defesa –que não pertence só a empreiteiros, mas também a pedreiros.”
 
Num linguajar de fazer jus ao seu tempo de Libelu, “Tio Rei” investe contra o comportamento de moro e da Justiça com uma fúria semelhante à do seu leitor/colaborador Maurício Thomaz, o autor do “habes corpus à revelia” de Lula.

Não quer dizer nada?

Ora, ora, Reinaldo Azevedo não está na Veja e na Folha como corneteiro da direita se não serve, ainda que da forma canino-caricata que ele próprio assume – “o rottweiler amoroso” – para interpretar pensamentos e estratégias que não são só seus.

Terça-feira, escrevi aqui que o Dr. Moro cogitava recuar por perceber que estava “passando do ponto” reservado a seu papel.

Lembro que, conversando por telefone, Paulo Henrique Amorim deu uma boa risada quando eu lembrei de um bordão antigo como eu: “assim, sim, mas assim também não!” 

Hoje, até o título da coluna de Reinaldo mostra isso: “Assim não, Moro!”.

Parece que teremos sextas-feiras mais calmas."






(De Fernando Brito, em seu blog, post intitulado "Nem o 'ministro' Reinaldo Azevedo aguenta o Sergio Moro!" - aqui.

A maioria dos comentários ao post é bem interessante; vale a pena dar uma olhada. Ora, ora, desde quando a realidade 'lavajatável' vem sendo pontilhada por excessos? Desde quando MPF, PF e demais protagonistas estão a brilhar na fogueira das vaidades? Desde quando se está a constatar o medo de instâncias diversas ao crivo da mídia? Por que só agora esse começo de virada do articulista Azevedo? Talvez - ou certamente - porque o objetivo-mor já foi há tempos alcançado: a desmoralização do PT. Pra que ficar coonestando tudo, se expondo tanto, depois dessa baita conquista, não é mesmo?

Em tempo: Fernando Brito observa que o linguajar de Reinaldo "faz jus a seu tempo de Libelu". Libelu identifica a organização Liberdade e Luta, de que o articulista teria sido integrante nos anos de chumbo).

CAATINGA


Oguz Gurel. (Turquia).

PARAÍSOS FISCAIS, PARA ONDE O QUE PODERIA SER INVESTIMENTO SE MANDA

                                                                                        CENA INIMAGINÁVEL:  "SUA DÍVIDA."
Dave Granlund. (EUA).

Paraísos Fiscais: Prejuízos a países em desenvolvimento

- no português de Portugal -

As economias em desenvolvimento perdem todos os anos cerca de 90 mil milhões de euros de receitas fiscais por causa dos investimentos através de offshores, revela um relatório divulgado nesta quarta-feira pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). “A evasão fiscal é responsável por fugas significativas de recursos e de financiamento de investimento”, alertou o secretário-geral da organização, Mukhisa Kituyi, durante a apresentação do documento que traça um retrato do investimento no mundo.

A quantificação das receitas que são deslocadas dos países em desenvolvimento por causa dos paraísos fiscais é um exercício difícil, diz a UNCTAD. Seja porque a informação disponível é limitada, seja porque os lucros desviados não aparecem nos relatórios oficiais ou porque as empresas combinam diferentes esquemas de evasão aos impostos.

Ainda assim, o relatório estima que a perda de receitas fiscais nos países em desenvolvimento ronde os 90 mil milhões de euros, só por conta do investimento directo estrangeiro (IDE) oriundo de offshores, nomeadamente através de empresas-veículo.

Por isso, a UNCTAD defende que "é imperativo tomar medidas de combate a estas práticas, de forma a apoiar a mobilização de recursos domésticos e a facilitar os investimentos produtivos no desenvolvimento sustentável".

Além disso, recomenda uma acção concertada global para eliminar os incentivos fiscais ao investimento promovidos pelos governos e, em alternativa, atrair investimento na capacidade produtiva e nas infra-estruturas dos países em desenvolvimento.

O relatório revela ainda que a China foi o maior receptor de IDE em 2014, acima dos Estados Unidos. Durante o ano passado, o IDE na China somou 114,73 mil milhões de euros, um aumento de 4% em relação a 2013, e mais 32,9 mil milhões de euros do que os Estados Unidos, que registaram uma queda de 60%.

O país asiático contraria assim a queda abrupta de 16%, para 1,09 biliões de euros, no fluxo global de investimento estrangeiro. “A fragilidade da economia global, incerteza política e altos riscos geopolíticos explicam a diminuição de IDE", justificam as Nações Unidas.

Graças ao contributo da China, o IDE nos países em desenvolvimento superou o efectuado em países desenvolvidos. (Fontes: aqui - A partir daqui).

REPÚBLICA DOS BOATOS


Francisco Irani.  (Vencedor do 5º Salão Medplan de Humor - Teresina).

A RÁDIO VERMELHO


No aniversário da Rádio Vermelho

Por Urariano Mota

Antes uma breve historinha, cuja graça única é ser verdadeira. Quando não havia web, no Brasil a gente falava para muito longe somente nos microfones da Rádio Jornal, em Pernambuco. Explico: em seu início, a Rádio Jornal era anunciada, nos intervalos, por um locutor de voz empostada e cavernosa: “Pernambuco Falando para o Mundo”.  Mas a coisa não era assim mais um delírio de grandeza, folclórico, cômico, da província do Recife. Não. A Rádio Jornal, de fato, começou com transmissores potentes em ondas curtas e médias, que alcançavam todo o mundo. Na época, ela era a mais moderna estação de rádio do Brasil.
 
É claro,  não escapamos da gozação de José Vasconcellos, um comediante na época de grande fama, que numa de suas piadas contava que o pernambucano era muito modesto. Tanto, que na rádio dizia que falava para o Muuuuundo.
 
Mas o ridículo era outro e Zé Vasconcellos não sabia. Ou seja, todos os equipamentos da Rádio Jornal  foram importados da Inglaterra, fornecidos pela Marconi´s Wireless Telegraph Company e os transmissores eram operados por dois engenheiros, um da própria empresa e outro da BBC de Londres. Esses tiveram contrato assinado por três anos para o treinamento de pessoal no Brasil. Um documento da época dizia: "No sistema utilizado pela Rádio Jornal do Commercio, de Pernambuco, nenhuma interferência é possível, nem mesmo a dos relâmpagos, raios, centelhas de bondes que perturbam as emissões de broadcasting". Nem mesmo de raios.
 
Para provar que era séria, olhem só a maior piada que José Vasconcelos não conhecia: desde o primeiro dia de funcionamento, uma conhecida locutora canadense, a Dra. Janet Slater Swaton, falava com sotaque britânico o "Pernambuco speaking to the world", enquanto apresentava o programa "Brazil Calling", para um público a milhas de distância. O sucesso internacional era comprovado por centenas de cartas recebidas de outros países.  Imagino que a doutora Janet era esperta e acionava o seu fã-clube.
  
Hoje, para nosso bem, falamos para o mundo de outra maneira. Pela internet, ou mais precisamente, se falamos em áudio, em som da fala livre no Brasil, aqui pela Rádio Vermelho. O que aumenta, e  muito, a nossa responsabilidade.
 
Sempre considerei que o primeiro grande mandamento de uma intervenção  no rádio, de qualquer programa no rádio, era tratar o ouvinte com respeito, o que vale dizer: ter a consciência de que além do microfone há pessoas inteligentes, há humanos, enfim, que dividem conosco aquele momento. O segundo mandamento, portanto, é perder toda e qualquer atitude professoral, porque o privilégio que usamos naquele instante é circunstancial, e mais experiência possui o público do que sonha nossa vã imaginação.
 
Ainda que fale para milhões de pessoas, o locutor se dirige a um só ouvinte. Como um João Gilberto da fala.

É claro que o locutor, naquele segundo terrível em que antes se acendia uma luz vermelha no estúdio, e agora, quando o estúdio lá em São Paulo avisa para o Recife “gravando”, é claro que esse último aviso nos  deixa na condição dos condenados à cadeira elétrica no momento em que nos assentamos para cumprir a sentença e um carrasco anuncia, “no ar”, é claro que o locutor, se possível,  se não tem qualquer prática de fala improvisada,  como eu, deve ser ajudado por um texto. Então as palavras têm que ser as mais simples, de domínio público; se for imprescindível uma estranha ao léxico popular, que se esclareça de imediato o seu sentido.

As palavras podem e devem ser repetidas, sempre que o sentido de ritmo e de compreensão exigir, sempre que forem insubstituíveis no seu significado e na sua força.

E mais importante, o que me parece um autêntico salto de gato. Devemos ter uma ideia construída desde a primeira fala até o ponto final. Em um crescendo para um tempo breve.
 
Comecei no rádio com um programa aos sábados, dirigido por Carminha Pereira, ilustre diretora da Rádio Capibaribe. Ali, junto a Rui Sarinho, Marco Albertime  Mariana Arraes, fizemos depois o Viramundo. Um programa de notícias. Nele, certa vez Augusto Lucena, o prefeito do Recife,  quando Mariana Arraes lhe perguntou em voz suave o que eu havia escrito antes: “o Doutor Augusto Lucena, quando foi a Lisboa, levou intérprete?”. O mais augusto burgomestre do Recife, explodiu e gritou “eu não sou imbecil”. Mas isso depois de quase 1 minuto da pergunta, como a considerar se havia mesmo ouvido o que ouvira.
 
Mas nada se compara à experiência que temos tido na Rádio Vermelho, em primeiro lugar pela liberdade de pensamento que desfrutamos. Em segundo, pelo público de militantes que a Rádio possui a partir das páginas do site do Vermelho. Em terceiro, pela repercussão em tuítes e Face. E por último, enfim, pela universalidade e abrangência de temas, que alcançam pessoas de esquerda e democratas de todos os partidos. Que fala enfim a toda pessoa de coração e decência que ambicione a liberdade e a crítica. (Fonte: aqui). 

Em 25de outubro de 2013, falei aqui na Rádio Vermelho: “A liberdade de expressão é como oxigênio, sem a qual não há criação. Ela é liberdade política, sem a qual a vida deixa de existir".  É o que temos recebido até hoje neste espaço.

*Na Rádio Vermelho http://www.vermelho.org.br/noticia/265113-35

quinta-feira, 25 de junho de 2015

IDOSOS

Waldez.
....
Entreouvido nos arredores:

"A ironia é livre, mas convém lembrar que o dileto amigo LIVRO já foi dado como morto, e o RÁDIO, coitado, cinquenta anos atrás tinha a morte inapelavelmente decretada."

RACISMO EXPLÍCITO


John Cole. (EUA).

FUTEBOL: LANCES CURTOS E PRECISOS DE GALEANO


“É raro o torcedor que diz: “Meu time joga hoje”. Sempre diz: “Nós jogamos hoje”.

Este jogador número doze sabe muito bem que é ele quem sopra os ventos de fervor que empurram a bola quando ela dorme, do mesmo jeito que os outros onze jogadores sabem que jogar sem torcida é como dançar sem música.”

*
     “O gol é o orgasmo do futebol. E, como o orgasmo, o gol é cada vez menos frequente na vida moderna.”

*
     “Às vezes, raras vezes, alguma decisão do árbitro coincide com a vontade do torcedor, mas nem assim consegue provar sua inocência. Os derrotados perdem por causa dele e os vitoriosos ganham apesar dele. Álibi de todos os erros, explicação para todas as desgraças, as torcidas teriam que inventá-lo se ele não existisse. Quanto mais o odeiam, mais precisam dele.

     Durante mais de um século, o árbitro vestiu-se de luto. Por quem? Por ele. Agora, disfarça com cores.”

*
     “Antigamente, existia o treinador, e ninguém dava muita atenção a ele. O treinador morreu, de boca fechada, quando o jogo deixou de ser jogo e o futebol profissional precisou de uma tecnocracia da ordem. Então nasceu o técnico, com a missão de evitar a improvisação, controlar a liberdade e elevar ao máximo o rendimento dos jogadores, obrigados a transformar-se em atletas disciplinados.

     O treinador dizia:

Vamos jogar.

     O técnico diz:

- Vamos trabalhar.

     Agora se fala em números. A viagem da ousadia ao medo, história do futebol no século vinte, é um trânsito do 2-3-5 para o 5-4-1, passando pelo 4-3-3 e o 4-4-2. Qualquer leigo é capaz de traduzir isso, com um pouco de ajuda, mas depois, não há quem possa. A partir dali, o técnico desenvolve fórmulas misteriosas como a sagrada concepção de Jesus, e com elas elabora esquemas táticos mais indecifráveis que a Santíssima Trindade.

     Do velho quadro-negro às telas eletrônicas: agora as jogadas magistrais são desenhadas em computadores e ensinadas em vídeos. Essas perfeições raras vezes são vistas, depois, nas partidas que a televisão transmite. A televisão se deleita exibindo o rosto crispado do técnico, e o mostra roendo as unhas ou gritando orientações que mudariam o curso de uma partida se alguém pudesse entendê-las.

     Os jornalistas o sufocam de perguntas nas entrevistas, quando o jogo termina. O técnico jamais conta o segredo de suas vitórias, embora formule explicações admiráveis para suas derrotas:

As instruções eram claras, mas não foram seguidas – diz, quando a equipe perde de goleada para um timinho qualquer. (...)

     A engrenagem do espetáculo tritura tudo, tudo dura pouco e o técnico é tão descartável como qualquer outro produto da sociedade de consumo. Hoje o público grita para ele:

Não morra nunca!

     e, no domingo que vem, quer matá-lo.

*
     "Ele acredita que o futebol é uma ciência e o campo um laboratório, mas os dirigentes e a torcida não apenas exigem a genialidade de Einstein e a sutileza de Freud, mas também a capacidade milagrosa de Nossa Senhora de Lourdes e a paciência de Gandhi.”

*
     “Há atores insuperáveis na arte de ganhar tempo: o jogador coloca a máscara do mártir que acaba de ser crucificado, e então rola em agonia, agarrando o joelho ou a cabeça, e fica estendido na grama. Passam os minutos. Em ritmo de tartaruga chega o massagista, o mão-santa, gordo suado, cheirando a linimento, com a toalha no pescoço, o cantil numa mão e na outra alguma poção infalível. E passam as horas e os anos, até que o juiz manda tirar aquele cadáver do campo. E então, subitamente, o jogador dá um pulo, e ocorre o milagre da ressurreição.”

*
     “Depois os locutores tomam a palavra. Os da televisão acompanham as imagens, mas sabem muito bem que não podem competir com elas. Os do rádio, ao contrário, não são recomendados para cardíacos: esses mestres do suspense correm mais que os jogadores e mais que a própria bola, e em ritmo de vertigem narram uma partida que pode não ter muita relação com o que se esta olhando.
Nessa catarata de palavras, passa roçando o travessão o disparo que se vê roçando o mais alto céu, e corre iminente perigo de gol a meta onde uma aranha tece sua teia, de trave a trave, enquanto o goleiro boceja.

     Quando conclui a vibrante jornada no colosso de cimento, chega a vez dos comentaristas.Antes os comentaristas interromperam várias vezes a transmissão da partida, para indicar aos jogadores o que deviam fazer, mas eles não puderam escutá-los porque estavam ocupados em errar.”

*
     “Na sua forma moderna, o futebol provém de um acordo de cavalheiros que doze clubes ingleses selaram no outono de 1863, numa taverna de Londres. Os clubes assumiram as regras estabelecidas em 1846 pela Universidade de Cambridge. Em Cambridge, o futebol se havia divorciado do rugby: era proibido conduzir a bola com as mãos, embora fosse permitido tocá-la e era proibido chutar os adversários. “Os pontapés só devem ser dirigidos para a bola”, advertia uma das regras: um século e meio depois, ainda há jogadores que confundem a bola com o crânio do rival, por sua forma parecida.”

*
     “Abdón Porte defendeu a camisa do Nacional do Uruguai durante mais de duzentas partidas, ao longo de quatro anos, sempre aplaudido, às vezes ovacionado, até que sua boa estrela apagou.

     Então foi tirado da equipe titular. Esperou, pediu para voltar, voltou. Mas não tinha jeito, a má fase continuava, as pessoas o vaiavam: na defesa, até as tartarugas conseguiam fugir dele; no ataque, não faturava uma.

     No final do verão de 1918, no estádio do Nacional, Abdón Porte se matou. À meia-noite, com um tiro, no centro do campo onde tinha sido querido. Todas as luzes estavam apagadas. Ninguém escutou o tiro.

     Foi encontrado ao amanhecer. Numa mão tinha o revólver e na outra, uma carta.”

*
     “Em 1919, o Brasil venceu o Uruguai por 1 a 0 e se sagrou campeão sul-americano. O povo se lançou às ruas do Rio de Janeiro. Presidia os festejos, levantada como um estandarte, uma barrenta chuteira, com um cartazinho que proclamava: O glorioso pé de Friedenreich. No dia seguinte, aquela chuteira que tinha feito o gol da vitória foi parar na vitrina de uma joalheria, no centro da cidade.

     Artur Friedenreich, filho de um alemão e de uma lavadeira negra, jogou na primeira divisão durante vinte e seis anos, e nunca recebeu um centavo. Ninguém fez mais gols que ele na história do futebol. Fez mais gols que outro grande artilheiro, Pelé, também brasileiro, que foi o maior goleador do futebol profissional. Friedenreich somou 1.329 gols. Pelé, 1.279.

     Este mulato de olhos verdes fundou o modo brasileiro de jogar. Rompeu com os manuais ingleses: ele, ou o diabo que se metia pela planta de seu pé. Friedenreich levou ao solene estádio dos brancos a irreverência dos rapazes de cor de café que se divertiam disputando uma bola de trapos nos subúrbios.

     Assim nasceu um estilo, aberto a fantasia, que prefere o prazer ao resultado. De Friedenreich em diante, o futebol brasileiro que é brasileiro de verdade não tem ângulos retos, do mesmo jeito que as montanhas do Rio de Janeiro e os edifícios de Oscar Niemeyer.”

*
O segundo descobrimento da América

     Para Pedro Arispe, a pátria não significava nada. A pátria era o lugar onde ele tinha nascido, e dava na mesma, porque ninguém o tinha consultado, e era o lugar onde ele se arrebentava trabalhando como peão para um frigorífico, e também dava na mesma ter um ou outro patrão em qualquer outra geografia. Mas quando o futebol uruguaio ganhou a olimpíada de 1924 na França.
Arispe era um dos jogadores triunfantes; e enquanto olhava a bandeira nacional que se levantava lentamente no mastro de honra, com o sol em cima e as quatro barras celestes, no centro de todas as bandeiras e mais alta que todas, Arispe sentiu que seu peito estufava.

     Quatro anos depois, o Uruguai ganhou a olimpíada da Holanda. E um dirigente uruguaio, Atílio Narancio, que em 24 tinha hipotecado sua casa para pagar as passagens dos jogadores, comentou:

Agora já não somos mais aquele pequeno ponto no mapa do mundo.

     A camisa celeste era a prova da existência da nação, o Uruguai não era um erro: o futebol havia arrancado aquele minúsculo país das sombras do anonimato universal.

     Os autores daqueles milagres de 1924 e 1928 eram operários e boêmios que só recebiam do futebol a pura felicidade de jogar, Pedro Arispe era operário de frigorífico. José Nasazzi cortava pedras de mármore. Perucho Petrone era verdureiro. Pedro Crea, entregador de gelo. Jose Leandro Andrade, compositor de carnaval e engraxate. Todos tinham vinte anos, ou pouco mais, embora nas fotos pareçam tão senhores, e curavam as pancadas recebidas com água e sal, panos molhados com vinagre e alguns copos de vinho.

     Em 1924, chegaram à Europa com passagens de terceira classe e lá viajaram de favor em vagões de segunda, dormindo em assentos de madeira e obrigados a disputar uma partida depois da outra em troca de teto e comida. A caminho da Olimpíada de Paris, disputaram nove partidas na Espanha e ganharam as nove.

     Era a primeira vez que uma equipe latino-americana jogava na Europa. O Uruguai enfrentava a Iugoslávia na partida inicial. Os iugoslavos mandaram espiões ao treino. Os uruguaios perceberam, e treinaram dando chutes no chão, jogando a bola para as nuvens, tropeçando a cada passe e chocando-se entre si. Os espiões informaram:

Dão pena esses pobres rapazes, que vieram de tão longe...

     Apenas duas mil pessoas assistiram àquela primeira partida. A bandeira uruguaia foi içada ao contrário, com o sol para baixo, e em lugar do hino nacional escutou-se uma marcha brasileira. Naquela tarde, o Uruguai derrotou a Iugoslávia por 7 a 0.

     E então aconteceu algo como a segunda descoberta da América. Uma partida após a outra, a multidão se aglomerava para ver aqueles homens escorregadios como esquilos, que jogavam o xadrez com a bola. A escola inglesa tinha imposto o passe longo e a bola alta, mas esses filhos desconhecidos, gerados na remota América, não repetiam o pai. Preferiam inventar um futebol de bola curtinha e no pé, com relampejantes mudanças de ritmos e fintas na corrida. Henri de Montherlant, escritor aristocrático, publicou seu entusiasmo: “Uma revelação! Eis aqui o verdadeiro futebol. O que nós conhecíamos, o que nós jogávamos, não era, comparado com isto, mais que um passatempo de escolares”.

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     “Um dos uruguaios campeões do mundo, Perucho Petrone, foi para a Itália. Estreou em 1931, no Fiorentina: nessa tarde, Petrone fez onze gols.

     Na Itália, durou pouco. Foi o goleador do campeonato italiano, e o Fiorentina lhe ofereceu o que quisesse; mas Petrone se cansou muito depressa das fanfarras do fascismo em ascensão. O tédio e a saudade o devolveram a Montevidéu, onde continuou fazendo seus gols de terra arrasada durante um tempinho. Ainda não tinha feito trinta anos quando teve de deixar o futebol. A FIFA obrigou-o, porque não tinha cumprido seu contrato com o Fiorentina.

     Dizem que Petrone era capaz de derrubar uma parede com uma bolada. Quem sabe? Esta comprovado, isso sim, que desmaiava os arqueiros e perfurava as redes.”

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Deus e o Diabo no Rio de Janeiro
     Certa noite de muita chuva, enquanto morria o ano de 1937, um torcedor inimigo enterrou um sapo no campo do Vasco da Gama e lançou sua maldição:

Que o Vasco não seja campeão por doze anos! Se existir um Deus no céu, que o Vasco não seja campeão!

     O nome deste torcedor de um time humilde, que o Vasco da Gama tinha goleado por 12 a 0, era Arubinha. Escondendo um sapo de boca costurada nas terras do vencedor, Arubinha estava castigando o abuso.

     Durante anos, torcedores e dirigentes procuraram o sapo no campo e em seus arredores. Nunca o encontraram. Crivado de buracos, aquilo era uma paisagem lunar. O Vasco da Gama contratava os melhores jogadores do Brasil, organizava as equipes mais poderosas, mas continuava condenado a perder.

     Finalmente, em 1945, o time ganhou o troféu do Rio e quebrou a maldição. Tinha sido campeão, pela última vez, em 1934. Onze anos de seca.

Deus nos fez um descontinho – declarou o presidente.

     Tempos depois, em 1953, quem estava com problemas era o Flamengo, o time mais popular do Rio de Janeiro e de todo o Brasil, o único que, onde jogar, joga sempre como o time da casa. O Flamengo estava há nove anos sem ganhar o campeonato. A torcida, a mais numerosa e fervorosa do mundo, morria de fome. Então um sacerdote católico, o padre Goes, garantiu a vitória, em troca de que os jogadores assistissem sua missa antes de cada partida, e rezassem o rosário de joelhos perante o altar.

     Assim, o Flamengo conquistou o campeonato três anos seguidos. Os times rivais protestaram ao cardeal Jaime Câmara: o Flamengo estava usando armas proibidas. O padre Goes se defendeu alegando que não fazia mais que iluminar o caminho do Senhor, e continuou rezando junto com os jogadores seu rosário de contas vermelhas e pretas, que são as cores do Flamengo e de uma divindade africana que encarna ao mesmo tempo Jesus e Satanás. Mas no quarto ano, o Flamengo perdeu o campeonato. Os jogadores deixaram de ir à missa e nunca mais rezaram o rosário. O padre Goes pediu ajuda ao papa, que nunca respondeu.

     O padre Romualdo, em troca, obteve permissão do Papa para se tornar sócio do Fluminense. O padre assistia a todos os treinos. Os jogadores não gostavam nem um pouco. Fazia doze anos que o fluminense não ganhava o campeonato do Rio e era de mau agouro aquele passarinhão de plumagem negra ali de pé, na beira do campo. Os jogadores o insultavam, ignorando que o padre Romualdo era surdo de nascença.

     Um belo dia, o Fluminense começou a ganhar. Conquistou um campeonato, e outro, e outro. Os jogadores já não podiam treinar a não ser à sombra do padre Romualdo. Depois de cada gol, beijavam sua batina. Nos finais de semana, o padre assistia às partidas da tribuna de honra e murmurava-se sabe-se lá o que contra o juiz e os adversários.”

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Gol de Atílio

     Foi em 1939. O Nacional de Montevidéu e o Boca Juniors de Buenos Aires estavam empatados em dois gols, e a partida estava chegando ao fim. Os do Nacional atacavam; os do Boca, recuados, aguentavam. Então Atílio García recebeu a bola, enfrentou uma selva de pernas, abriu espaço pela direita e engoliu o campo comendo adversários.

     Atílio estava acostumado às machadadas. Batiam nele de tudo que é jeito, suas pernas eram um mapa de cicatrizes. Naquela tarde, a caminho do gol, recebeu entradas duras de Angeletti e Suárez, e deu-se ao luxo de esquivá-los duas vezes. Valussi rasgou sua camisa, agarrou-o pelo braço e lhe deu um pontapé e o corpulento Ibáñez plantou-se na sua frente em plena corrida, mas a bola fazia parte do corpo de Atílio e ninguém podia parar aquele redemoinho que derrubava jogadores como se fossem bonecos de trapo, até que no fim Atílio desprendeu-se da bola e seu tiro tremendo sacudiu a rede.

     O ar cheirava a pólvora. Os jogadores do Boca cercaram o juiz: exigiam que anulasse o gol pelas faltas que eles tinham cometido. Como o árbitro não lhes deu atenção, os jogadores se retiraram, indignados, do campo.”

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     “Enrique Pichon-Rivière passou a vida penetrando nos mistérios da tristeza humana e ajudando a abrir as cadeias da incomunicação.

     No futebol, encontrou um aliado eficaz. Lá pelos anos quarenta, Pichon-Rivière organizou uma equipe de futebol com seus pacientes do manicômio. Os loucos, imbatíveis nas canchas do litoral argentino, praticavam, jogando, a melhor terapia de socialização.

A estratégia da equipe de futebol é minha tarefa prioritária – dizia o psiquiatra, que também era treinador e artilheiro do time.

     Meio século depois, nós seres urbanos estamos mais ou menos loucos, embora quase todos vivamos, por razões de espaço, fora do manicômio. Desalojado pelos automóveis, encurralados pela violência, condenados ao isolamento, estamos cada vez mais amontoados e cada vez mais sozinhos e temos cada vez menos espaços de encontro e menos tempo para nos encontrarmos.”

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Gol de Zizinho

     Foi no mundial de 50. Na partida contra a Iugoslávia, Zizinho fez um gol bis.

     Este senhor da graça do futebol tinha feito um gol legítimo, que o juiz anulou injustamente. Então, ele repetiu igualzinho, passo a passo. Zizinho entrou na área pelo mesmo lugar, esquivou-se do mesmo beque iugoslavo, com a mesma delicadeza, escapando pela esquerda como tinha feito antes, e cravou a bola exatamente no mesmo ângulo. Depois chutou-a com fúria, várias vezes, contra a rede.

     O árbitro compreendeu que Zizinho era capaz de repetir aquele gol dez vezes mais, e não teve outro remédio senão aceitá-lo.”

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Gol de Garrincha

     Foi em 1958, na Itália. A seleção do Brasil jogava contra o Fiorentina, a caminho do Mundial da Suécia.

     Garrincha invadiu a área, deixou um beque sentado e se livrou de outro, e de outro. Quando já tinha enganado até o goleiro, descobriu que havia um jogador na linha do gol: Garrincha fez que sim, fez que não, fez de conta que chutava no ângulo e o pobre coitado bateu com o nariz na trave. Então, o arqueiro tornou a incomodar. Garrincha meteu-lhe a bola entre as pernas e entrou no arco.

     Depois, com a bola debaixo do braço, voltou lentamente ao campo. Caminhava olhando para o chão, Chaplin em câmera lenta, como que pedindo desculpas por aquele gol, que levantou a cidade de Florença inteira.”

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     “No mundial de 70, o Brasil jogou um futebol digno do gosto pela festa e da vontade de beleza de sua gente. Já se impusera no mundo a mediocridade do futebol defensivo, com o time inteiro atrás, armando a retranca, e lá na frente um ou dois homens jogando na maior solidão; já tinham sido proibidos o risco e a espontaneidade criadora. E aquele Brasil foi um assombro: apresentou uma seleção lançada na ofensiva, que jogava com quatro atacantes, Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino, que às vezes eram cinco e até seis, quando Gérson e Carlos Alberto chegavam de trás. Na final, esse trator pulverizou a Itália.

     Um quarto de século depois, semelhante audácia seria considerada um suicídio. No mundial de 94, o Brasil ganhou outra final contra a Itália. Ganhou na cobrança de pênaltis, depois de cento e vinte minutos sem gols. Não fosse pelos pênaltis, as metas teriam continuado invictas por toda a eternidade.”

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Os cânticos do desprezo

     Não figura nos mapas, mas existe. É invisível, mas existe. Há uma parede que ridiculariza a memória do Muro de Berlim: levantada para separar os que têm dos que necessitam, ela divide o mundo inteiro em norte e sul, e também traça fronteiras dentro de cada país e dentro de cada cidade. Quando o sul do mundo comete a ousadia de saltar esse muro e se mete onde não deve, o norte lhe recorda, a pauladas, qual é o seu lugar. E o mesmo acontece com as invasões de cada país e de cada cidade a partir das zonas malditas.

     O futebol, espelho de tudo, reflete essa realidade. Em meados dos anos oitenta, quando o Nápoles começou a jogar o melhor futebol da Itália, graças ao influxo mágico de Maradona, o público do norte do país reagiu desembainhando as velhas armas do desprezo. Os napolitanos, usurpadores da glória proibida, estavam arrebatando seus troféus aos poderosos de sempre, e eles castigaram aquela insolência da ralé intrusa, vinda do sul. Das arquibancadas dos estádios de Milão ou de Turim, os cartazes insultavam: Napolitanos, bem-vindos à Itália, ou exerciam a crueldade: Vesúvio, contamos contigo.

     E com mais força do que nunca ressoaram os cânticos filhos do medo e netos do racismo:

Que mau cheiro
até os cães fogem,
os napolitanos estão chegando.
Oh coléricos, terremotados,
com sabão nunca lavados.
Nápoles merda, Nápoles cólera,
és a vergonha de toda a Itália.
 
Na Argentina, acontece o mesmo com o Boca Juniors. O Boca é o time preferido pela pobreza de cabelo eriçado e pele morena que invadiu a senhorial cidade de Buenos Aires, em rajadas vindas dos macegais do interior e dos países vizinhos. As torcidas inimigas exorcizam o temido demônio:

Já todos sabem que o Boca esta de luto,
são todos negros, são todos putos.
Deve-se matar os bostas,
são todos putos, todos caipiras,
que precisam ser jogados no Riachuelo.
 
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     “Uma jornalista perguntou à teóloga alemã Dorothee Solle:
Como a senhora explicaria a um menino o que é a felicidade?
Não explicaria – respondeu. – Daria uma bola para que jogasse.”

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Fervores

     Em abril de 97, tombaram crivados de balas os guerrilheiros que ocupavam a embaixada do Japão na cidade de Lima. Quando os comandos irromperam, e num relâmpago executaram a espetacular carnificina, os guerrilheiros estavam jogando futebol. O chefe, Néstor Cerpa Cartolini, morreu vestindo as cores do Alianza, o clube de seus amores.

     Poucas coisas ocorrem na América Latina, que não tenham alguma relação, direta ou indireta, com o futebol. Festa compartilhada ou compartilhado naufrágio, o futebol ocupa um lugar importante na realidade latino-americana, às vezes o lugar mais importante, ainda que ignorem os ideólogos que amam a humanidade e desprezam as pessoas.”

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     “Obediência, velocidade, força – e nada de firulas: este é o molde que a globalização impõe. Fabrica-se, em serie, um futebol mais frio que uma geladeira. E mais implacável que uma centrífuga. Um futebol de robôs. Supõe-se que esta chateação é o progresso, mas o historiador Arnold Toynbee tinha passado por muitos passados quando comprovou: “A característica mais consistente das civilizações em decadência é a tendência à estandardização e à uniformidade”.”

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     “Salvo a seleção equatoriana, que jogou lindamente, ainda que não tenha ido longe, a Copa de 2006 não teve surpresas. Um espectador a resumiu assim:

Os jogadores têm uma conduta exemplar. Não fumam, não bebem, não jogam.” (Fonte: aqui).