domingo, 4 de outubro de 2015

ROMA E O IMPÉRIO DO NORTE


"Uma das coisas mais marcantes na longa história de Roma foi a absorção, pelos conquistadores romanos, dos hábitos, técnicas e cultos dos povos conquistados. Os conflitos políticos que resultaram desta prática são bem documentados.
Tito Lívio narra como os primeiros bacanais em Roma foram objeto de intensa repressão. Cipião, o Africano, ainda segundo Tito Lívio, causou furor nos romanos tradicionalistas ao ser visto em público usando trajes gregos. Roma (uma potência terrestre) provavelmente não teria derrotado Cartago (uma potência naval) se não tivesse capturado, durante a I Guerra Púnica, uma embarcação cartaginesa, desmontado e utilizado a mesma como modelo para construir uma frota naval tão grande ou maior que a do inimigo.
Os pais fundadores dos EUA e seus sucessores copiaram cuidadosamente os símbolos do poder romano: a águia simbolo do Departamento de Estado, a arquitetura monumental em Washington, o culto dos heróis marciais e dos feitos militares, o desprezo pelos bárbaros etc… A evolução política recente dos EUA parece seguir a mesma direção que levou Roma ao abismo.
A intensa cooperação dos EUA com a Arabia Saudita, em razão de sua dependência energética, parece ter inspirado numa parcela da classe dominante norte-americana aquele desprezo empregado pela família Saud no trato com seus servos árabes. O abismo entre ricos e pobres nos EUA está aumentando e se tornando parecido com o que existe na Arabia Saudita?
Desde que se aproximou da China, os EUA começaram a importar certos hábitos que são próprios dos chineses. O primeiro é a valorização das redes de amigos/influências em detrimento do mérito pessoal. O segundo é o hábito de construir muros (mentais e físicos) para separar a civilização da barbárie. Donald Trump, com seu discurso anti-imigrantes e sua proposta de construir uma imensa muralha entre os EUA e o México não está agindo como se fosse uma reencarnação moderna de Chin Shi Huang-Di? (Primeiro imperador chinês).
Os conflitos produzidos pelas influências árabes e chinesas nos EUA já são evidentes. A crescente militarização das polícias é rejeitada por segmentos importantes da população norte-americana, que também se mostra indignada com a brutalidade crescente dos policiais. Enquanto uns querem construir muros, outros lutam pela retorno à tradição secular dos EUA de receber e acolher os pobres das outras nações.
Roma caiu por vários motivos, um deles (segundo o historiador Edward Gibbon) foi a desvalorização da cidadania romana. Durante o governo Bush Jr. ocorreu um fenômeno interessante que merece ser estudado com cautela: milhões de turistas norte-americanos, que sempre foram tão orgulhosos ao ostentar sua nacionalidade, passaram a se dizer canadenses. Em algum momento a cidadania começará a ser intensamente desvalorizada dentro dos EUA. A cada eleição menos eleitores votam. Barack Obama conseguiu estimular a inscrição de novos eleitores quando disputou pela primeira vez a presidência daquele país, mas ao fim de seu segundo mandato ele se tornou uma grande decepção política.
Entre os milhões de miseráveis que vivem em túneis, minas abandonadas e favelas de barracas a nacionalidade norte-americana foi a única coisa que restou. Por quanto tempo isto ainda terá algum valor numa sociedade tão consumista como aquela? Roma não caiu num dia. Os melhores dias da Nova Roma já estão bem distantes. O princípio do fim da hegemonia de Washington é um fato consumado? O império norte-americano apodreceu tanto que foi sobrepujado sem oposição internacional pela Rússia no conflito da Síria. Sergey Viktorovich Lavrov (ministro das Relações Exteriores da Rússia) tem toda razão quando disse, há alguns dias, que o mundo unipolar deixou de existir. A história da queda de Roma recomeçou."





(De Fábio de Oliveira Ribeiro, no Jornal GGN, post intitulado "Sergey Viktorovich Lavrov e a queda da Nova Roma" - aqui.

Os EUA, a despeito de suas mazelas e distorções internas, a exemplo da contínua expansão da distância entre ricos e pobres, mandam na Europa, dirigem a Otan, mantêm o BRICs nas cordas - Rússia sob pesadas sanções comerciais; China somente preservada em face da importância 'mercadológica'; 'controle' mundial das cotações das commodities... -, pairam no topo em matéria de conhecimento tecnológico etc etc. 

O princípio do fim da hegemonia de Washington pode ser um fato consumado, mas desconfio de que a consolidação dessa situação vai demandar um período para lá de prolongado... De qualquer modo, vale a pena ler, clicando no 'aqui', os comentários que o texto acima suscitou).    

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