quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O PROCESSO SÍRIO


O mandato francês na Síria e a guerra civil atual

Por André Araújo

O fim do Império Otomano significou o fim de quatro séculos de paz e ordem política no Oriente Médio. O Sultão de Constantinopla, a "Sublime Porta", tolerava etnias, povos diversos, tribos, clãs, sistemas de governança de todos os tipos e valores, a única obrigação era pagar o tributo ao Sultão. Cristãos, judeus, xiitas, sunitas, coptas, drusos, gregos ortodoxos conviviam dentro das fronteiras do Império sem maiores conflitos. Com o fim do Império Otomano os vencedores da Grande Guerra representados pela Liga das Nações dividiram a governança do espólio do Império entre a França e a Inglaterra através de mandatos da Liga.
Antes do acordo Sykes Picot, que delimitou os mandatos francês e inglês no Oriente Médio, o General Sir Edmund Alleby entrou em Damasco em dezembro de 1918, ocupando a cidade. O mandato francês se iniciou em 1923, com a ocupação da Síria e do Líbano por tropas sob o comando do General Henri Gouraud, Alto Comissário em nome da Liga.
A ocupação do Líbano, com sua grande população maronita de fé cristã, não criou maiores embaraços: os cristãos viam nos franceses, desde as Cruzadas, seus protetores contra os muçulmanos. Já a ocupação da Síria não foi tão pacifica, um território conflitivo desde os tempos do Império Romano por fortes divisões religiosas.
A dinastia Hashemita, descendente de Maomé, através do Rei Faissal, pretendia o governo da Síria, mas os franceses afastaram essa hipótese, embora aceitando Faissal como pretendente a um futuro trono.  Faissal, (que) não tinha muito apoio entre os sírios, tinha acertado um acordo com Clemenceau, premier francês, pelo qual os dois reconheciam a validade da Declaração Balfour, que admitia a criação de um lar judeu na Palestina. Os sirios desaprovavam completamente esse acordo e elegeram em maio de 1919 o Congresso Nacional Sírio e dentro dele sugiram duas lideranças históricas, Riad as Sohl e Hassan Al Alassi, que depois tiveram papel histórico no contexto da Grande Síria.
O grupo de nacionalistas sírios tentou enfrentar os franceses com armas, sob a liderança do Ministro do Tesouro Youssef al Asmeh, em 24 de julho de 1920, que foi facilmente vencido pelo General francês Goybet em apenas um dia.
A Síria estava dividida em seis territórios, Damasco, Alepo, Estado dos Alauitas, Jebel Druzo, Halay e Sadnjak de Alexandreta.  Já o Líbano era de governança mais fácil pelo apoio da parte cristã, a mais rica e educada, que aceitava o mandato francês como circunstância necessária. Alepo tinha uma grande população majoritária cristã e judaica, o Estado Alauita com sede em Latakia, porto no Mediterrâneo, da vertente xiita.  O mandato francês durou 23 anos, de 1923 a 1946, deixando os dois territórios, Síria e Libano, à mercê de disputas fratricidas que o mandato controlava.
A divisão confessional da Siria é uma das causas da guerra civil de hoje, os akuitas xiitas são apenas 9% dos sírios mas governam o País há 50 anos, as grandes cidades do interior são contra os alauitas, que são a base do Exército.
A guerra civil é anterior ao ISIS, o Estado Islâmico, mas esse potencializou os conflitos e só poderá ser destruído por forças terrestres. É impressionante a incapacidade de tomar decisões das grandes potências para enfrentar um conflito muito menor do que guerras regionais como Coreia, Vietnã, Sérvia. A indeterminação no comando de ações militares vem do ambiente contestador da ordem em grandes países. Nos EUA e Europa não há consenso dentro dos países e entre eles para montar uma força de uma divisão para enfrentar EM TERRA o ISIS. Bombardeios e drones não fazem o serviço. Com toda a tecnologia atual, a presença física em terra é ainda o único instrumento para controlar um território. Mas os "movimentos", imprensa e políticos dentro dos países, não aceitam mais o risco de morte de soldados, o que é inevitável em um conflito. Um governo Democrata  foge da guerra como o diabo da cruz, então o mundo se apavora e não sabe o que fazer com uma gangue disfarçada de revolucionários que provoca o maior êxodo de refugiados desde a Segunda Guerra. Talvez a solução seria contratar um exército de mercenários como a Legião Estrangeira. A guerra civil síria deveria ser apagada com força de uma aliança de países, legitimada pela tragédia internacional dos refugiados a pressionarem o mundo pedindo abrigo. Então o conflito sírio deixou de ser doméstico global, o que justifica uma intervenção militar completa com infantaria, blindados, artilharia e risco de baixas em terra.
A Síria foi completamente destruída, mais que as cidades do Vietnã, da Sérvia ou da Espanha na sua guerra civil.
A fraqueza do governo Obama, a gelatinização do poder europeu, com chefes de governo sem poder de mobilização militar, exércitos encolhidos (dificultam a devida reação): hoje o exército britânico tem 80 mil homens, menos que a Polícia Militar de São Paulo, o Exército americano baseado no voluntariado baixou de qualidade em uma escala impressionante, a ponto de usarem mercenários no Iraque, diminuiu em efetivos e treinamento e teve enfraquecido seu sistema de comando.
A banalização dos estrategistas americanos também é parte da causa do ISIS, ao dissolverem o Exército iraquiano na invasão da Era Bush Jr. Hoje a base do ISIS são ex-militares iraquianos, treinados e com capacidade militar, quando teria sido muito mais político fazer um acordo com os militares iraquianos que também estavam satisfeitos em terem se livrado de Saddam e teriam colaborado com os EUA no fim da tirania que estava liquidando com o País.
A falta de liderança política, diplomática, estratégica e militar dos EUA é a causa central da tragédia siria. Os EUA correram riscos imensos em guerras complexas como Coreia e Vietnã e agora fogem de um conflito espacialmente muito menor mas de consequências regionais terríveis, que pode desorganizar todo o Oriente Médio.
O mundo está realmente em uma fase baixa, sem lideranças, sem estratégias geopolíticas, sem a busca da ordem global que era um objetivo claro por todo o Século XX, o séulo dos grandes diplomatas, generais e estrategistas. (Fonte: aqui).

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Conclusão: A crise síria é extremamente complexa. Enquanto perdurar a disputa geopolítica pelas pedras do tabuleiro, com Estados Unidos e Rússia assumindo posições radicalmente colidentes, a situação continuará irrespirável e desesperadora, o que os últimos acontecimentos (na ONU, Mediterrâneo/Velho Continente, na própria Síria e arredores) confirmam. 

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