sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O FUTURO DA OPERAÇÃO LAVA JATO


"A Lava Jato tornou-se grande demais. O nível de hipocrisia necessário para mantê-la indefinidamente coloca-a a ponto de desandar a qualquer momento. Quanto mais tempo passar, mais Moro e Dallagnol se tornarão um risco para as forças que os apoiam. Qual o futuro da Lava Jato?


Um preâmbulo necessário.
Enunciado em 2001, O Princípio de Giannotti da Amoralidade Política descreve à perfeição o “presidencialismo de coalização” desenvolvido no governo FHC para garantir a governabilidade pós-Collor.
Tal princípio estabelece que exista uma zona de amoralidade para ação política.
Dentro dos limites dessa zona de amoralidade, estariam suspensos os conceitos de legalidade ou ilegalidade dos atos políticos praticados. Logo, enquanto dentro dos limites da tal zona, o uso de “recursos escassos” para obtenção de apoio político deveria ser considerado como uma forma de exercício do poder do governante para fazer avançar o processo democrático. Os limites seriam estabelecidos pelo grau de tolerância da opinião pública mediada pela imprensa.
Como dependem da tolerância da opinião pública e da disposição da imprensa em tornar ou não públicos os atos praticados, os limites da zona de amoralidade são fugidios. Nos governos Lula, falava-se do “efeito Teflon”. Razão pela qual, denúncias da mídia contra Lula não colavam na opinião pública. Nos governos Dilma, estaríamos assistindo ao “efeito Super Bonder”?
De qualquer forma, um político que fosse apanhado aventurando-se fora dos limites da zona de amoralidade política seria penalizado por seu ato.
O PT não chegou ao poder pela via revolucionária. Chegou pela via democrática. É mesmo considerado continuador do modelo de FHC. Seria impraticável que, sem ruptura com o modelo, deixasse de se aventurar na zona da amoralidade”.
Na oposição aos governos petistas, a mídia mainstream passa, então, a adotar a inversão do Princípio de Giannotti da Amoralidade Política.
A inversão se dá pela manipulação da informação. Fatos relacionados ao PSDB não chegam à opinião pública, os mesmo fatos relacionados ao PT são escandalizados. Com a escandalização da opinião pública, o Judiciário é provocado a agir.
O tratamento dado pelo Judiciário ao “Mensalão do PT” e ao “Mensalão do PSDB” mostra que tal inversão é uma manobra perfeitamente praticável. Hipócrita, mas perfeitamente praticável.
A Lava Jato e o PGR – Purgatório Geral da República.
Não há como comparar a Lava Jato aos “mensalões”. Os “mensalões” eram fatos específicos delimitados no tempo e, embora em número inaudito, 40 réus, no caso do mensalão do PT, seus envolvidos estavam definidos. Os "mensalões" nasceram dentro do ambiente político e depois migram para o Judiciário.
Na Lava Jato, essa ordem se inverte. A Lava jato se propõe refundar a República do alto de uma primeira instância judiciária.
Para tanto, não há mais o conceito de juiz natural, todo o território nacional passa a ser jurisdição de Curitiba.
Não há fato específico a ser investigado. De tudo já foi alvo de investigação. A Lava Jato está na sua 18º fase – a “Pixuleco II”.
O fato inicial, a lavagem de dinheiro pelo doleiro Youssef já se transmutou em cartel de empreiteiras, financiamento ilegal de campanha política, compra de apoio político e sabe-se mais lá o quê, tal a dificuldade de se acompanhar o caleidoscópio de alvos da tal “força tarefa”.
Aliás, "força tarefa" passa a ser o designativo de uma situação anômala na qual a investigação, a acusação e o julgamento dos réus são feitos por um mesmo grupo. 
A Lava Jato já envolveu de pessoas comuns à Petrobras, na figura de seus principais diretores, passando por líderes políticos, jornalista e agências de propaganda, escroques vários, as maiores empreiteiras do país, estaleiros, fornecimentos de sondas para exploração de petróleo, empresas nacionais e estrangeiras e o programa nuclear brasileiro. Ameaçam envolver Belo Monte e toda a execução do orçamento federal dos últimos 12 anos.
Garantias individuais previstas na Constituição e no Código de Processo Penal tornaram-se letra morta. Escritórios de advocacia e departamentos jurídicos não são mais sagrados, tampouco as conversas entre os advogados e seus clientes o são. A prisão preventiva usada como técnica de investigação e a delação como prova. A condenação e o cumprimento de pena antes do julgamento.
Foragido mesmo, só um ex-policial que envolve o senador Anastasia do PSDB-MG e que a Polícia Federal não consegue localizar, embora ele tenha pertencido a seus quadros.
Não importa por que ângulo se observe, a Lava Jato é superlativa. A Lava Jato tornou-se a principal variável política e econômica do país. Curitiba tornou-se o centro da nação e o juiz Sergio Moro tornou-se o PGR – Purgador Geral da República.
Como tal “monstro pantagruélico” não encontra questionamentos jurídicos que lhe deem limites?
Porque formou-se na opinião pública o consenso de que a zona de amoralidade foi ultrapassada. Então, obtido o consentimento tácito da opinião pública, os limites da Lava Jato passaram a ser os limites de sua própria audácia e auto-confiança. Nenhuma autoridade superior irá colocar sua biografia em jogo para defender o indefensável.
O Futuro da Lava Jato – a hipocrisia necessária e o risco envolvido.
Ocorre que o “monstro” teria limites pré-estabelecidos. Os mesmos limites da zona de amoralidade. E quem define as fronteiras da zona de amoralidade é a mídia como intermediária da opinião pública.
A Lava Jato abastece a mídia de “vazamentos” não por outro motivo. Necessita que os limites da zona de amoralidade sejam os mais estreitos possíveis para que sua amplitude de atuação seja a maior possível.
Mas a mídia mainstream tem um lado político definido, o do antipetismo.
Assim, a atuação da Lava Jato não pode avançar sobre nenhum fato relacionado ao PSDB – o antípoda do PT escolhido pela própria mídia mainstream para sucedê-lo.
Mas PSDB e PT não são antípodas em relação ao quanto frequentam a zona de amoralidade política.
As propinas na Petrobras não começaram com governos petistas. Pedro Barusco as retroage a, pelo menos, 1998, no governo FHC. Youssef liga Janene a Furnas e esta a Aécio. O “petrolão” e o “trensalão” são os mesmos esquemas, assim como a finada Castelo de Areia. Um no governo federal do PT, os outros no governo paulista do PSDB. As “doações” dos empreiteiros para o PT são similares até em valores às para o PSDB.
Como manter indefinidamente o PT no olho do furacão e o PSDB fora? Até quando será possível manter a inversão do “Princípio de Giannotti da Amoralidade Política”?
Por quanto tempo a opinião pública aceitará a hipocrisia contida nessa inversão? Mas a opinião pública não é hipócrita em essência. Ela percebe e ela cansa.
Não acredito que o juiz Moro seja um antipetista, vejo-o como um homem vaidoso e um obcecado por reproduzir, no Brasil, a operação “Mãos Limpas” da Itália. Inclusive, tema de trabalhos acadêmicos de Moro. Vejo-o também como um incrédulo da santidade do direito de defesa. Já formou juízo sobre a culpabilidade dos “réus investigados”. O enfado com que parece ouvir os argumentos da defesa formada pelos melhores advogados brasileiros beira o descaso.
Não acredito que o procurador Dallagnol seja um antipetista. Temo-o quando parece crer que tem a cumprir uma missão de inspiração divina.
Não creio que estejam a serviço de interesses estrangeiros. Ainda que prejuízos ao pré-sal, às empreiteiras nacionais e ao programa nuclear brasileiro venham ao encontro de sabidos interesses dos EEUU.
Acredito-os probos, apesar dos interesses que os rondam tão próximos. A Moro, inclusive, próximos ao seu leito de dormir.
Acredito que estejam realmente querendo fazer a diferença, refundar a República, passá-la a limpo. O quanto isso possa ser megalômano, creio, é um questionamento mais relevante do que dúvidas que se possam levantar sobre a seriedade dos que integram a Lava Jato.
Mas também não posso crer que não tenham encontrado em suas investigações algo que comprometa o PSDB. Ou até muita coisa comprometedora. No mesmo montante do que encontraram em relação ao PT, o bom senso me diz.
Se minha hipótese está correta, os executores da Lava Jato teriam aceitado a hipocrisia da inversão do Princípio de Giannotti da Amoralidade Política e os limites que ela impõe. Logo, deixariam de ser protagonistas, passariam a instrumentos. Mas essa aceitação pode ser tática e não estratégica.
Por quanto tempo é possível manter tal situação?
Enquanto a Lava Jato necessitar da escandalização para manter a salvo de questionamentos seus “métodos heterodoxos de investigação”, ou enquanto o desgaste dos governos do PT interessar à mídia mainstream.
Rompido, por qualquer motivo, o acordo, o juiz Moro, o procurador Dallagnol e toda a Lava Jato passam a ser um risco aos interesses dos que hoje lhes dão apoio.
Para que esse risco fosse controlado, a Lava Jato deveria terminar agora. Já se tornou grande demais. Pode desandar a qualquer momento e alcançar inapelavelmente algum prócer do PSDB. Terminada, por parte da mídia, “realizariam-se os lucros” e iniciariam-se “novos negócios”.
Vida que segue.
E, então, um dilema se impõe: os integrantes da Lava Jato aceitariam ser autores de uma obra inacabada e unilateral? Conseguiriam viver sem a Lava Jato? Haveria vida para eles após ela?
Não houve para Joaquim Barbosa, após o mensalão.

Creio que é chegado o momento de perguntarmos: qual o futuro da Lava Jato?"



(De Sérgio Saraiva, no Jornal GGN, post intitulado "Qual o futuro da Operação Lava Jato?' - aqui.
A operação Lava Jato é extremamente meritória. Desnudando a corrupção endêmica, revela certamente a maior sequela da tal governabilidade: a frouxidão dos instrumentos de vigilância e resguardo dos interesses do Estado, muito embora as 'conexões e continências', ou a alegada ausência delas, venha sendo invocada para justificar a seletividade na apuração e punição dos desmandos, como, por exemplo, a inclusão dos ilícitos supostamente praticados relativamente à Eletronuclear e aos empréstimos consignados, envolvendo o Ministério do Planejamento, e, do 'lado oposto', o Caso Furnas, em que a delação de Youssef foi desconsiderada, sob a alegação de que não guardava relação com a Petrobras/Lava Jato. 
Corrupção, pratique-a quem quer que seja, tem de ser combatida e punida, mas sem, digamos, 'eleição de critérios'. 
Voltando à tal governabilidade: é triste, sim, a situação política em que se revele imperioso argumentar 'erramos sim, mas os outros também erraram'...). 

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