domingo, 23 de agosto de 2015

NASCIMENTO E MORTE DOS BARES


Os bares nascem numa quarta-feira

Por Luiz Antonio Simas

Minha vida é simples. Sou um sujeito comum, filho de mãe pernambucana e pai catarinense, criado por uma avó nascida em Alagoas, precariamente alfabetizada, e por um avô do litoral de Pernambuco com um pouco mais de estudo formal.
Brasil em que fui criado e sempre vivi passa longe de salões empedernidos, bancos acadêmicos, bolsas de valores, altares suntuosos, restaurantes chiques e esquinas elegantes. O Brasil dos meus olhos de criança e das minhas saudades de adulto é o dos campos de futebol, mercados populares, terreiros de macumba, rodas de samba e velhos botequins frequentados pelo meu avô.
Houaiss e Villar, sabichões que organizaram dicionários, especulam sobre a remota origem grega para botequim, derivada de apothèkè, expressão que originou bodega (botequim vem diretamente daí), botica (farmácia) e biblioteca. É a definição perfeita, já que botequins de responsabilidade não são apenas lugares para petiscos, bebidas, tira-gostos e refeições. Os melhores funcionam como farmácias para o corpo e a alma e bibliotecas onde a vida pode ser lida com intensidade.
Sinto-me hoje tão distante, em tudo, de certas afetações do Rio de Janeiro, das mesuras elegantes dessofisticados, da maneira descolada dos meninos e meninas do Rio praiano, quanto um velho geraldino se sente longe do novo Maracanã. Essa é a cidade que não me contempla. É neste sentido que saúdo a abertura de um botequim perto da minha casa esta semana, do lado de cá do Rebouças, em uma escondida rua tijucana. Falo do Bar Madrid, aventura civilizatória comandada pelos primos Felipe e André. Os dois resolveram comprar um estabelecimento da Rua Almirante Gavião, que tinha virado um bar moderno demais para o meu gosto, e prometem respeitar o fundamento das boas biroscas. Oxalá seja assim.
Paulo Mendes Campos, em crônica daquelas de arrebentar as coronárias sensíveis, disse (lembrando Mário de Andrade) que os bares morrem numa quarta-feira. É como uma biblioteca incendiada na cidade que se desencanta. O Madrid está nascendo em uma quarta-feira, quase como um afago de meio de semana na alma desalentada dos que procuram um balcão com a ânsia da terra sem males.
Minha pátria é a língua à milanesa e um gole de cerveja em um país que começa às margens do canal do Mangue e se estende ao norte, para aconchegar um homem com um mínimo de dignidade e silêncio no seu quinhão de mundo; aquele que lhe é pertencimento. Longa vida ao novo e velho bar. (Fonte: aqui).

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