sexta-feira, 8 de maio de 2015

LAVA JATO: QUANDO KAFKA INCORPOROU EM CERVERÓ


"Detesto a palavra “chocante”. Os sábios sempre disseram que ela é tola, porque não há nada de novo sob o sol, tudo se repete, e nada portanto deve chocar ou provocar perplexidade.

Isto posto, é um documento histórico o vídeo que está circulando na internet em que Nestor Cerveró, ex-Petrobras, se dirige ao juiz Sérgio Moro.

Por ser um tremendo dum clichê, não gosto de citar Kafka e seu clássico Processo, em que um personagem é posto num tribunal sem ter a menor noção do que fez.

Mas é kafkiana a situação de Cerveró.

Ele, educada mas incisivamente, pergunta a Moro como pode estar preso há cinco meses sem nenhuma prova contra ele.

Cerveró lembra, mais de uma vez, que a base das acusações contra ele (é) uma reportagem, e logo de quem – da revista Veja.

Apenas para lembrar: a Veja pratica o que seu chefe de redação chamou de “jornalismo de exceção”.
Isso quer dizer o seguinte: a revista não tem o menor compromisso com os fatos, com a verdade, com provas.

É contra o PT? Publique-se. Ah, mas a Justiça vai punir acusações não comprovadas, você, um cara de bem, vai dizer.

Lamento, mas respondo com uma gargalhada. Faz parte do sinistro ambiente jornalístico brasileiro uma absurda impunidade, na Justiça, para os crimes da imprensa.

Cerveró diz ter pensado que a Polícia Federal trabalhasse com evidências mais profundas que “reportagem de revista”.

Presumo que seja uma ilusão dele e de muitos brasileiros bem intencionados.

Com uma voz notavelmente fraca para quem projeta a imagem de super-heroi, Moro admite a importância da Veja na prisão de Cerveró. Acrescenta, obliquamente, que há mais que a reportagem da Veja para justificar, aspas, a prisão de Cerveró.

Mas não consegue dizer nada que faça sentido quando Cerveró lhe pergunta: “O quê?”

Cerveró conta que foi preso ao voltar da Europa, com a família, no final do ano. Disseram contra ele que não avisara que tinha passaporte espanhol.

E quem avisa? Quem sai dizendo: “Tenho passaporte espanhol!”?

É 100% Kafka.

Cerveró conta também que foram bloqueados espalhafatosamente dezenas de milhões em sua conta, mas no final havia nela apenas 100 000 reais.

A casa em que Cerveró estava morando também pesou contra ele. A razão é que Cerveró não é dono e nem estava pagando aluguel.

O vídeo não mostra a parte em que Cerveró dá sua explicação.

Mas ali está Moro dizendo a seguinte frase: “O senhor não acha estranho (não pagar aluguel)?”

Temos então o seguinte: Moro, sem nenhuma prova, e lá se vão cinco meses, acha estranho. E isso parece ser bastante para confinar alguém na prisão.

Sem argumentos para enfrentar as perguntas, Moro lembra, a certa altura, que quem está sendo interrogado é ele, Cerveró.

Alguém precisa deter Moro.

O que ele está promovendo, sob os aplausos criminosos e interesseiros da mídia, é um atentado contra o Estado de Direito.

Você, na estranha (o adjetivo usado por Moro vale para ele) concepção de justiça do juiz, é culpado até prova em contrário.

E é suspeito com base na, Deus do céu, Veja.

Onde o STF para frear os abusos de Moro? Onde o ministro da Justiça?

Quem indenizará Cerveró pelos meses de cadeia e assassinato de caráter caso – uma possibilidade real – fique claro que as acusações, como milhares de outras denúncias da Veja, são falsas?

Minha sugestão é o que dinheiro indenizatório saia do bolso de Moro, e ele que cobre a Veja."





(De Paulo Nogueira, em seu blog Diário do Centro do Mundo, post intitulado "E Moro não teve resposta para Cerveró" - aqui.

Pode ser que o juiz Moro conte com provas efetivas contra Cerveró, porém suponho que ao menos uma parte delas ele teria citado, se as tivesse, tal o vulto da perplexidade e contundência mostradas pelo preso no vídeo acima referido/disponibilizado. Mas o juiz não só não o fez, como reagiu de forma 'superior' ao questionamento do - parece-me lícito dizer - injustiçado.

Radicalizando o fecho de Paulo Nogueira, acima, afirmo: Caso se venha a materializar a "possibilidade real" de que Cerveró é inocente, nada mudará: prolatada a sentença absolutória, a imagem do - a partir dali - ex-preso continuará irremediavelmente comprometida, e o 'trabalho' de Veja terá surtido o efeito visado, ou melhor, os efeitos visados, se é que me entendem, enquanto o juiz Moro continuará brilhando no panteão jurídico nacional).

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