quinta-feira, 14 de maio de 2015

DISSECANDO A OBSESSÃO PELO DINHEIRO


A fome de dinheiro de quem já tem muito dinheiro

Por Fernando Brito

Corre, há tempos, na internet um texto falsamente atribuído a Victor Hugo (na verdade é do cronista gaúcho Sérgio Jockmann) que tem uma passagem interessante:  sugeria que, de ano em ano, quem tivesse muito dinheiro o colocasse numa mesa, olhasse bem para a pilha de notas e perguntasse quem ali era dono de quem.

O professor Fernando Nogueira da Costa, da Unicamp, que mantém um extraordinário blog de economia, traz hoje uma interessantíssima pesquisa da União de Bancos Suíços (UBS) que foi resumida por Beatriz Cutait, do Valor.

Fala dos dramas e agruras dos milionários, incapazes de reagir ao dinheiro com a pureza do querido Moreira da Silva em seu “Ernestisna, acertei no milhar, ganhei 500 contos, não vou mais trabalhar”…
....


Milionários: Quanto o bastante basta? Por que os afortunados não conseguem se livrar da rotina do enriquecimento?

Quem pensa que os milionários têm a vida ganha está muito enganado. Assim como pessoas com um padrão considerado normal, indivíduos de alta renda lutam para manter a riqueza adequada aos seus estilos de vida, que não tendem a ser modestos.

Mas não é só isso. Como alerta a Teoria da Classe Ociosa, livro de autoria de Thorstein Veblen (1857-1929), publicado em 1899, época dos chamados Barões Ladrões nos EUA, dominada por novos magnatas como Vanderbilt (das ferrovias) e Rockfeller (do petróleo), entre outros poucos, é custoso para os milionários demonstrar que não necessitam trabalhar, manualmente, como os servos e escravos, na época, recentemente libertados.

O esnobismo — atitude de quem despreza o relacionamento com gente humilde e imita, geralmente de maneira afetada, o gosto, o estilo e as maneiras de pessoas de prestígio ou alta posição social, e/ou assume ares de superioridade a propósito de tudo com um sentimento de superioridade exacerbado e gosto excessivo pelo que está na moda, inclusive as trivialidades — custa caro, não só em dinheiro e tempo, mas também em termos comportamentais:
  1. pressão para manter o padrão de vida,
  2. preocupação com o impacto da fortuna sobre os valores dos filhos,
  3. arrependimento por não dedicar tempo suficiente à família,
  4. temores em relação ao futuro financeiro das próximas gerações,
  5. busca incessante por aumentar o patrimônio.
Ai, que canseira… Cansei. Mesmo não sendo de direita como os idiotas em voga…
 
Esses comportamentos dos milionários é o que revela a pesquisa “When is enough… enough? Why the wealthy can’t get off the treadmill” (Quando o bastante…basta? Por que os afortunados não conseguem se livrar da rotina?, na tradução livre), elaborada pelo UBS com 2.215 milionários americanos entre os dias 11 e 19 de março de 2015. Beatriz Cutait (Valor, 29/04/15) a resumiu.

Esses investidores têm ao menos US$ 1 milhão em patrimônio líquido, dos quais 610 deles com ao menos US$ 5 milhões.
 
A ideia da pesquisa é identificar necessidades, objetivos e preocupações dos participantes. Ainda que desfrutem de uma grande dose de alegria e apreço pelo que já ganharam, o UBS aponta que muitos milionários sentem-se compelidos a lutar por mais, estimulados por:
  1. a própria ambição,
  2. o desejo de proteger a vida de suas famílias e
  3. um sempre presente medo de perder tudo o que já foi conquistado.
Metade dos investidores (52%) de alta renda sente-se em alguns momentos presa a uma rotina no trabalho da qual não pode sair sem abrir mão do padrão de vida ao qual sua família acostumou-se.
Embora dois terços dos milionários aleguem que alcançar a segurança financeira é o principal objetivo de se trabalhar para construir riqueza, só os muito ricos (no caso aqueles com US$ 5 milhões ou mais) sentem ter o suficiente para estarem seguros.

A ambição por mais riqueza, por sinal, segue presente nessa faixa de renda. A satisfação cresce conforme o patrimônio aumenta, da mesma forma que as expectativas em relação ao estilo de vida acompanham essa evolução. A pesquisa revela que 58% dos milionários disseram que suas expectativas têm aumentado nos últimos dez anos, isto é, os ricos querem cada vez mais.

Se tivessem apenas mais cinco anos para viver:
  • 87% desses investidores de alta renda sinalizaram que fariam as coisas de maneira diferente.
  • 64% afirmaram que viajaria mais,
  • 61% dos entrevistados disseram que dedicariam mais tempo à família,
  • 44% se aposentariam,
  • 37% seriam melhores pessoas (!), e
  • apenas 3% dos consultados afirmaram que trabalhariam mais para sustentar a família.
Essa, por sinal, é outra preocupação dos investidores: o impacto da fortuna sobre os filhos, ou melhor, o mau relacionamento com eles, pois pautado na desconfiança.
  • 65% consideram que os herdeiros não entendem o valor do dinheiro;
  • a maioria (54%) ainda acredita que os filhos não reconhecem os sacrifícios feitos para eles e
  • quase metade dos milionários avalia que os herdeiros não conseguem tirar pleno partido das oportunidades que lhes foram dadas e se preocupa que eles acabem com “um plano de carreira instável” — traduzindo do tucanês: pobres!
O trabalho pesado foi citado como a principal razão da geração de riqueza dos mais afortunados, que mudaram de classe social ao longo da vida. O autoengano é importante para a autoestima! E a ideologia da meritocracia se presta a isso…

Quanto à mobilidade social, 77% dos entrevistados têm uma origem mais pobre, tendo crescido como classe média ou classe mais baixa (trabalhadores manuais ou pobres). Mas, atualmente, 65% se classifica como classe média alta e apenas 10% como classe alta (...).

A educação pode ter sido um fator-chave para o sucesso desses milionários, já que quase metade dos que têm um patrimônio de até US$ 5 milhões tem graus avançados de formação (mestrado, doutorado ou especialização). Quando são abordados os investidores com uma fortuna acima desse montante, a fatia cresce para 65%.

Vivemos uma Era dos Super-Executivos. São pessoas formadas em Universidades que obtêm remunerações milionárias quando sobem para a alta administração de empresas. São baseadas no poder hierárquico da diretoria definir a própria remuneração (...).

Não bastando preocuparem-se com o valor dado pelos filhos à riqueza, esses investidores temem um declínio das próximas gerações, após sua própria ascensão. Nesse sentido, os netos poderiam não contar com as mesmas oportunidades que seus filhos.

É a chamada “síndrome da colher-de-prata“. As pessoas ricas têm dinheiro para resolver quase todos os seus problemas, com exceção de um: os filhos crescem e muitos se tornam herdeiros preguiçosos, materialistas e infelizes.

E isso, segundo os pais, envolve a própria condução do país (no caso, os Estados Unidos), já que é mais fácil, psicologicamente, transferir responsabilidades:
  • sete em cada dez entrevistados sentem que o “sonho americano” de ascensão social por meio do trabalho duro está em risco e
  • dois terços preocupam-se com a crescente desigualdade de riqueza no país!
De acordo com o levantamento, ainda que:
  • quase dois terços dos milionários apreciem suas carreiras profissionais,
  • 64% dos entrevistados com filhos sentem ter sacrificado tempo com sua família para chegar onde estão.
Ao serem questionados sobre o maior arrependimento na vida:
  • 23% citaram algum erro em um relacionamento familiar e
  • 17% mencionaram o fato de não passar mais tempo com a família.
A família citada como prioridade dentre as aspirações de vida, com a carreira no último lugar em ordem de importância. Pesquisa de opinião expressa, geralmente, uma falsa opinião perante o entrevistador, ou seja, o pesquisado é autocomplacente, caracterizando-se pela transigência consigo mesmo…

O estudo ainda segmenta os dados conforme gerações. Ela mostra que a pressão e a preocupação com a riqueza relatada pelos milionários é ainda maior na geração Y, conhecida como “Millennials” (pessoas nascidas a partir dos anos 80 até meados da década de 1990).

Um sentimento de competitividade se manifesta:
  1. nas decisões de carreira e
  2. no comportamento pessoal.
Conforme a pesquisa, os Millennials são mais propensos a sentir pressão para trabalhar longas horas que os chamados “baby boomers” (pessoas nascidas após a Segunda Guerra Mundial). E mais da metade desses jovens (52%) teme perder sua riqueza, o maior percentual quando comparado com outras três gerações.

Explicação econômica-comportamental (ou psicológica-econômica) para isso?
Os baby boomers, cujos pais perderam a riqueza durante o período entre a I e a II Guerra Mundial, além da Hiperinflação dos anos 20 e a Grande Depressão dos anos 30, não herdaram ou a herança foi pouca. Já os millennials estão herdando muito tarde, já que os pais estão demorando mais a morrer. Desde logo, herdam apenas os problemas psicólogicos — a má consciência — dos pais afortunados… (Fonte: aqui).

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