quinta-feira, 7 de maio de 2015

A PALAVRA DE ZAFFARONI


"Penso que a invenção da realidade por parte dos meios de comunicação, especialmente os televisivos, está afetando a base do Estado de Direito. E cria um perigo grave para a sua sobrevivência."
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"A primeira medida tem que ser a proibição constitucional dos monopólios ou oligopólios televisivos. Sem pluralidade midiática não podemos ter democracia. O que os meios monopólios ou oligopólios estão fazendo na América Latina é trágico. Nos países onde existem altos níveis de violência letal, eles a naturalizam. Sua proposta se reduz a atentar contra as garantias individuais. Nos países onde a letalidade é baixa, eles buscam exacerbá-la. Clamam pela criação de um aparato punitivo altamente repressivo e, definitivamente, também letal."
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"Não tenho a menor dúvida de que a Televisa, no México, ou a Rede Globo, no Brasil, entre outros exemplos, são conglomerados, formam parte indissociável do capital financeiro transnacional. Logo, também são parte desse modelo de sociedade, que é uma sociedade com uns 30% de incluídos e 70% de excluídos. Um modelo de sociedade excludente. Daí nasce uma necessidade, querem moldar um jurista que se mantenha nessa lógica formal e não perceba que está legitimando um processo de genocídio a conta-gotas. Temos esse tipo de genocídio, em grande parte da América Latina, em circunstância em que o Estado já não é mais o que mata, senão o que fomenta a violência letal entre esses 70% que o modelo quer excluir.

Não nos esqueçamos que dos 23 países que superam a taxa anual de 20 homicídios a cada 100 mil habitantes 18 são da América Latina e do Caribe, os outros cindo são africanos. Tampouco esqueçamos que também somos campeões de coeficientes de Gini, ou seja, má distribuição da renda. Esse é o modelo de sociedade que os meios massivos concentrados querem reafirmar.

O pior que pode acontecer na América Latina é continuar assimilando assepticamente as teorias importadas como se não tivessem conteúdo político, e nos perdermos nas doutrinas vinculadas a teorias presas a meros planteamentos normativistas. Se, ideologicamente, a doutrina jurídica latino-americana não evolui em direção ao realismo, lamentavelmente não fará nenhum favor nem ao Estado de Direito nem às nossas democracias."






(De Raúl Zaffaroni, jurista argentino, recentemente aposentado como integrante da Corte Suprema da Argentina, autoridade mundial em matéria de delitos econômicos e políticos - aí incluído o nazismo - e certamente o jurista mais reportado por ministros do STF do Brasil em seus pareceres e sustentações orais. A declaração de Zaffaroni foi oferecida a Martín Granovsky, em entrevista especial para o site Carta Maior, que pode ser integralmente lida AQUI.

Notas:

a) Para facilitar a leitura, fracionei o texto acima; 

b) Zaffaroni contesta a "assimilação asséptica" de "teorias importadas como se não tivessem conteúdo político", ou seja, o jurista detona a louvação do Mercado Livre, do Neoliberalismo; 

c) Ao falar nos oligopólios Televisa e Rede Globo, o jurista remete ao fato de que o grupo Clarín, ex-'dono' da mídia argentina, encontra-se em fase de desmantelamento graças a recente lei aprovada pelo Congresso daquele país... 

d) Zaffaroni ressalta a necessidade da "proibição constitucional dos monopólios ou oligopólios televisivos". A Constituição federal brasileira traz disposição em tal sentido, só que ela carece de regulamentação. Ou seja, a proibição não existe).

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