quinta-feira, 9 de abril de 2015

DA PRESUNÇÃO (SELETIVA) DE INOCÊNCIA

 
"Nada como um dia após o outro. De repente, não mais que de repente, um editorial de O Globo considera o padrão Moro de "justiça" muito perigoso.
 
No texto "Lava-Jato inspira proposta de mudança na Justiça", o jornal relata que juízes, "Sérgio Moro um deles, defendem que penas sejam cumpridas a partir da sentença de primeira instância, ideia perigosa, mas que Congresso precisa debater". 
 
Ideia perigosa? Como assim? Desde quando? Que curioso, não? Se prender suspeitos e mantê-los trancafiados até que confessem o que sabem e o que não sabem foi saudado até agora como um bom padrão de execução (...), que medo é esse de uma sentença condenatória em primeira instância?
 
Manter o réu preso sem julgamento pode, mas prendê-lo depois do julgamento não pode? Estranho raciocínio. Muito estranho mesmo.
 
É muita coincidência que essa... tomada de consciência - chamemos assim - tenha acontecido quando um escândalo de proporções muito maiores do que qualquer petrolão evidenciou algo banal, trivial, óbvio: o maior escândalo de corrupção de todos os tempos, em qualquer época, em qualquer país, é a sonegação dos ricos, estejam eles ligados a que esquema for - do petrolão ao suíçalão do HSBC e, agora, ao esquema desbaratado pela operação Zelotes, da Polícia Federal.

Logo quando a Zelotes flagrou grandes figurões da elite brasileira em práticas criminosas, vis, tão dignas de escárnio quanto qualquer propina intermediada por doleiros, a presunção de inocência resolveu dar o ar da graça. Justo ela que andava tão sumida.
 
Justo agora que, entre outros, uma afiliada das organizações Globo (a gaúcha RBS) aparece na mira das investigações, se resolve falar novamente, alto e bom som, em presunção de inocência. 
 
Esperemos para ver que juiz vai ter a coragem - não é assim que se chama? - de prender tais figurões e fazê-los ver o sol nascer quadrado até que confessem seus crimes já expostos e supliquem por delações premiadas. Se tem dinheiro público, se tem propina, se tem lavagem de dinheiro, não vai ter prisão? Agora não vai ter? Por quê?
 
Afinal, O Globo está com medo de quê? Esse editorial terá sido feito por gente que nasceu ontem? Quem o escreveu não sabe que o padrão Moro de qualidade judicial já é corriqueiramente aplicado em nossa Justiça?
 
Em média, mais de 40% da população carcerária brasileira é formada por presos em situação provisória, ou seja, não têm condenação definitiva. Em alguns presídios, o número de presos provisórios ultrapassa 60%.
 
Depois de ter premiado Moro com o prêmio "Faz Diferença" de personalidade do ano, quem sabe o jornal não se disporia a conferir um troféu "Sérgio Moro" a presídios com as estatísticas mais altas de gente presa sem condenação, aguardando delações premiadas e julgamento a perder de vista?
 
O Globo assustou-se e alerta: o "Congresso precisa debater". Claro! Os leitores de O Globo, pelo menos aqueles que não nasceram ontem, entenderam bem que a sugestão do jornal é para que a proposta encontre o caminho certo para ser imediata e solenemente sepultada, com o sinal verde de aplausos em futuros editoriais. 
 
A defesa da presunção de inocência por parte de uma mídia que se vende, diariamente, atropelando essa mesma presunção de inocência mostra o quanto muitos de seus editoriais são meros exercícios de hipocrisia, assim como os pedidos de desculpas por seu golpismo entranhado.
 
A presunção de inocência de muitos veículos é ditada por um cálculo de conveniência. Tem dia em que ela está valendo, tem dia que não está. 
 
Justiça seja feita, há momentos em que a grande e tradicionalíssima imprensa esforça-se muito e dedica todo amor e carinho a proteger a reputação de seus políticos prediletos, a ponto de até mesmo parentes envolvidos em escândalos serem chamados de "supostos parentes" - uma expressão que já deveria estar nos manuais de redação desses luminares.  
 
Precisou da Zelotes para a turma de O Globo se lembrar que a Justiça, em qualquer lugar, é feita não apenas de leis, mas de juízes e de precedentes. 
 
Juízes tratados como astros de rock se engraçam a dar seu show à parte e rasgam a lei como quem quebra a guitarra em pleno palco. Quem precisa delas - da lei, da guitarra? Os precedentes que alguns juízes criam podem ser ainda mais graves, pois tornam-se regras que, longe de serem uma homenagem às leis, espezinham-nas. 
 
Que tipos de juízes preferimos? O Globo prefere um que atenda aos seus caprichos e proteja seus amigos diletos - convenhamos, um "princípio" que é o fim de qualquer noção razoável e responsável de justiça."
 
 
 
 
 
(Do cientista político Antônio Lassance, em post intitulado "Bastou Zelotes chegar para a Zelite achar ideias de Moro 'perigosas'" - aqui.
 
E ficamos assim: Para a grande mídia, em se tratando de acusações contra parceiros, a presunção de inocência é sagrada. Já em relação a oponentes, qualquer acusação significa sentença irrecorrível, condenação e execração pública - mesmo se a acusação tiver partido de delação induzida, e o acusador sido desmoralizado em processo anterior em face do indeferimento da delação de então. 
 
Como dizia o implacável João Saldanha: Vida que segue). 

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