quinta-feira, 30 de abril de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MPF


As ameaças que pairam sobre o Ministério Público Federal

Por Luis Nassif

A autonomia do Ministério Público Federal provavelmente está correndo o maior risco desde a Constituição de 1988 - que conferiu aos procuradores poderes inéditos. O risco exatamente na exposição de músculos desde que eclodiu a Operação Lava Jato.

Antes, um pequeno histórico para situar melhor a questão.

Eleito Procurador Geral da República, por eleição direta, Rodrigo Janot tem conduzido reformas internas relevantes. Acabou com a gaveta do PGR, um caso clássico de falta de transparência no qual o ex-PGR Roberto Gurgel e sua esposa decidiam sobre todos os casos de foro privilegiado que chegavam até eles.

Janot juntou os melhores procuradores e montou comissões incumbidas de analisar de forma colegiada os processos, dando transparência e agilidade à casa.

No entanto, nunca o MPF se mostra tão vulnerável como agora. Isso por ter incorrido em um pecado imperdoável em ambientes democráticos: demonstração de força excessiva.

Os vazamentos de inquéritos sigilosos, a cumplicidade obsequiosa com o golpe da revista Veja na véspera das eleições presidenciais, os arroubos midiáticos - culminando com a foto vexaminosa de procuradores emulando Os Intocáveis -, a exposição pública de qualquer nome que aparecesse nos depoimentos de delação, os pedidos de prisões preventivas de longa duração  antes do julgamento, o endosso às investigações do Departamento de Justiça dos EUA contra a maior empresa brasileira,  a  insensibilidade em relação ao desmonte da cadeia produtiva do petróleo e gás e da infraestrutura brasileira, tudo isso será debitado na conta do MPF.

Aliás, não se debite a Janot a responsabilidade maior pelo estrago que a Lava Jato promoveu na economia. A responsabilidade maior é da presidente da República e do seu Ministro da Justiça por nada fazer. Mas a insensibilidade maior foi do MPF, ao resistir a qualquer medida prudencial, para não comprometer seu trabalho de condenar.

Assim que o quadro político se recompuser, seja com o PT, PSDB ou qualquer outro partido, a primeira atitude do grupo político hegemônico será cortar as asas do MPF. Janot já deve ter se dado conta disso. E será péssimo para a democracia brasileira.

O que levaria, agora, o MPF a protagonizar essa demonstração de força e de parcialidade política tendo na PGR um procurador relativamente enfronhado nas questões políticas e na Lava Jato um grupo de procuradores tidos - antes dela - como discretos, técnicos e profissionais?

Os sistemas de poder

Para entender o jogo, antes é necessário identificar o jogo de forças no qual está inserido o MPF e, principalmente, o PGR.

A Constituição de 1988 conferiu autonomia de investigação ao procurador, mas manteve como prerrogativa do presidente da República a indicação do Procurador Geral, submetida à aprovação do Congresso.

Os procuradores brasileiros gozam de uma autonomia muito maior do que a do modelo, os Estados Unidos. Lá, o presidente da República tem poder total sobre os procuradores - podendo nomear e demitir a qualquer momento não só o PGR mas qualquer procurador.

Na Constituição brasileira, os ecos de um longo período de autoritarismo e o trabalho político eficaz da corporação premiaram o MPF com poderes mais amplos que seus colegas norte-americanos. O que exigiria, como contrapartida, uma sensibilidade maior para o uso da força.

Por ser um poder de Estado, não eleito pelo voto, o PGR ficou submetido a três contrapesos: ao Executivo, ao Legislativo e, em uma instância poderosa, mas não institucional, à imprensa.

Ao longo dos primeiros quinze anos de Constituição, houve um desequilíbrio nesse jogo, com o PGR submetido às pressões do Executivo. É o caso do MPF até a fase Geraldo Brindeiro e do Ministério Público Estadual de São Paulo até hoje - embora tenham obtido o reconhecimento da votação da lista tríplice.

A partir de 2003 inverte-se o jogo. Lula consolida a regra de indicar para a PGR o procurador mais votado da categoria. A partir daí, o candidato ao cargo passa a se comportar como representante de uma corporação e não mais como a de um poder de Estado, indicado pelo presidente da República.
E aí há que se debruçar um pouco sobre a categoria do MPF.

No campo jurídico, trata-se historicamente de uma categoria que forneceu e fornece ao país as melhores cabeças jurídicas, que tem uma importância fundamental na consolidação dos direitos difusos dos cidadãos, mas que é pouquíssimo politizada - no sentido de entender os jogos de poder tanto externos quanto internos. Os melhores procuradores querem apenas um PGR que não tolha seu trabalho; os mais acomodados, um PGR que atenda às suas demandas corporativas.

Nesse terreno, após a gestão Brindeiro um grupo mais organizado - os chamados "tuiuius" - logrou assumir o protagonismo no MPF. E consolidaram seu poder através do mecanismo da eleição direta.

Os procuradores e a mídia

O segundo ponto relevante para entender o quadro atual é o jogo de cumplicidade com a mídia.
Quase todos os jovens procuradores são bastante sensíveis ao poder da mídia. Se a imprensa bate bumbo, o MPF se move. Há suspeitas fundadas de que o próprio Gurgel, no exercício da PGR, se valia de vazamentos seletivos para a mídia.

Com raríssimas exceções, os procuradores não conhecem a natureza dos grupos de mídia, o jogo de sombras em que se movem e a maneira como se valem das informações privilegiadas. No máximo identificam os exageros, os frutos podres, mas sem atinar para a raiz.

A mídia fornece ao procurador o apoio das ruas; o procurador oferece à mídia o poder absoluto de transformar qualquer factoide em representação ex-ofício.

Alguns órgãos de imprensa se valem desse poder conferido para jogadas políticas; outros, para achaques. Todos eles, para seus próprios interesses, que podem ir do mero aumento de vendas ao uso intimidatório desse poder de influenciar o MPF.

É longa a lista de vítimas dessa estratégia, de antigos servidores do governo FHC, como Eduardo Jorge, a juízes federais, como Ali Mazloum e mesmo colegas procuradores, vítimas dos embates internos.

No final do jogo, quem acaba comandando a pauta é a mídia. É isso o que explica o fato do MPF ter fechado os olhos ao mais clamoroso crime cometido até hoje pela mídia, as ligações da Editora Abril com a organização criminosa de Carlinhos Cachoeira, fartamente documentada nas operações da Polícia Federal.

Nos anos 90, esse jogo com a mídia era praticado por meia dúzia de procuradores. De alguns anos para cá, tornou-se institucionalizado. Na raiz de tudo a regra tácita instituída no MPF, do mais votado ser automaticamente conduzido ao cargo de Procurador Geral. E, dependendo desses votos, o PGR não ousar conter os arroubos de manada da base.

A influência da eleição direta

A eleição direta não assegurou transparência ao MPF. Pelo contrário, reforçou o corporativismo.
Eleito por voto direto de seus pares, Antonio Fernando de Souza conseguiu retirar o Banco Opportunity e o banqueiro Daniel Dantas da acusação de ser o principal financiador do Valerioduto, ignorando um inquérito da própria Polícia Federal. Aposentou-se, ganhou um contrato gigante da Brasil Telecom. E nada ocorreu com ele porque seus sucessores, na PGR, eram do mesmo grupo político.

Gurgel manteve em família o controle de diversos inquéritos, sem que a corporação reagisse.
O pior efeito da eleição direta foi o enfraquecimento dos mais antigos, das referências jurídicas, em favor do sentimento de massa dos jovens turcos que atuam na linha de frente.

Ella Wiecko, Augusto Aras, Eugenio Aragão e outras referências do MPF, hoje em dia, são menos ouvidos pela categoria que o inacreditável presidente da Associação Nacional do Ministério Público, Alexandre Camanho, com sua visão redentora de que o Brasil é um oceano de corrupção circundando a única ilha de honestidade, o MPF.

Nos últimos anos esgarçaram-se os controles tácitos internos que vigoravam no final dos anos 90, quando a própria categoria via com maus olhos procuradores boquirrotos,  com demonstrações inúteis de poder, ações abusivas, militância política.

É evidente que não se pode deixar o PGR à mercê exclusivamente do Executivo e do Congresso. A votação da lista tríplice é relevante para estabelecer algum equilíbrio no jogo de forças. Mas é urgente que, na próxima indicação para a PGR, acabe-se com o automatismo de se indicar o mais votado.

O MPF quer livrar o país do sindicalismo do PT. É hora de se livrar o MPF do seu sindicalismo. (Fonte: Jornal GGN - aqui).

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O MPF vem realizando trabalho digno de nota, mas certos 'poréns'  interferem em sua atuação:
busca pelo protagonismo no cenário criminal (que o diga a PF), seletividade processual (ênfase na pressão sobre determinado partido politico, oferecendo vista grossa para as agremiações 'simpáticas', como se observou no episódio envolvendo o procurador Rodrigo De Grandis, no escândalo do metrô-SP, além da adoção de práticas 'fora da curva', a exemplo da defesa
do uso da prisão preventiva eterna como fórmula indutora de delações premiadas, atitude classificada pelo Supremo Tribunal Federal como "medievalesca" (reprimenda que alcança também, e especialmente, o juiz Moro).

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