terça-feira, 13 de janeiro de 2015

SOBRE DUAS ANOMALIAS JURÍDICAS


Domínio do fato e delação premiada: vírus estrangeiro no sistema jurídico brasileiro

Por André Motta Araújo

Um sistema jurídico é um conjunto coerente de normas baseadas em princípios que funcionam como colunas de sustentação do sistema, seus alicerces filosóficos.

O sistema jurídico do Brasil descende do Código Napoleão que na época foi uma grande sistematização de normas antiquíssimas que vinham do Direito Romano. Esses princípios baseiam-se no chamado direito positivo, qual seja, as normas jurídicas precisam ser expressas e definidas para serem seguidas. Esse modelo limita o poder do juiz, ele precisa estar adstrito a normas escritas, definidas, que diminuem o poder interpretativo do magistrado. Ele pode julgar como sua consciência aconselha mas não pode ir além ou fora da norma escrita.

Já o direito anglo-americano tem princípios muito diferentes. É maior a latitude do juiz, que se baseia no "commom law", direito costumeiro que derivam de um "stream", uma corrente jurisprudencial de uma multiplicidade de juízes, um conjunto de decisões anteriores sobre o mesmo caso. O direito escrito, positivo porque definido expressamente, não é a base das decisões judiciais, mesmo porque são muito menores as normas escritas sobre todos os temas.

Nenhum sistema é melhor ou pior, são apenas diferentes, completamente diferentes.

O problema está em trazer isoladamente elementos de um sistema e injetá-los a frio em outro sistema.

Foi o que aconteceu com duas doutrinas, o DOMÍNIO DO FATO e a DELAÇÃO PREMIADA.

Esses dois instrumentos não combinam com o sistema jurídico de direito positivo.

O sistema jurídico brasileiro, que vem da Constituição e desce para o Direito Criminal, confere GARANTIAS ao cidadão baseadas no princípio do direito positivo. Não se pode condenar um cidadão com base na teoria do DOMÍNIO DO FATO, quer dizer, não há provas materiais de autoria de um crime mas o juiz PRESUME que o réu deveria saber do fato e portanto é autor ou co-autor do delito, não há provas mas o juiz acha que assim é, por intuição, sem provas.

No modelo da DELAÇÃO PREMIADA atribui-se a um réu o poder de incriminar quem ele quiser e a partir da palavra exclusivamente, sem qualquer outra prova, introduz-se no processo um terceiro pretenso réu, causando a ele todo o prejuízo que é possível, antes de qualquer outra prova aparecer no processo. Os ingênuos dizem: "Ah, mas se não há outra prova a citação de seu nome não produz efeitos." Isso na teoria. Na prática, inferniza-se a vida do "apontado". Meia hora depois seu nome está na mídia, pelo mecanismo do "vazamento seletivo" pelo qual ninguém responde.

As duas doutrinas, a do DOMÍNIO DO FATO e a da DELAÇÃO PREMIADA, estão introduzidas no direito brasileiro por inacreditável passividade de quem deveria zelar pela integridade do sistema jurídico pátrio (e) têm dois efeitos idênticos.

A. Aumentam extraordinariamente o PODER DISCRICIONÁRIO do juiz.

B. Provocam completa INSEGURANÇA JURÍDICA a todos os cidadãos.

Na tradição jurídica brasileira, o juiz está adstrito à letra da lei. Ele não pode exorbitar da lei escrita.
Nas teses apontadas, o juiz faz o que bem entender, literalmente o que quiser, ninguém tem a garantia da letra de lei.

A DELAÇÃO PREMIADA é uma aberração porque o delator preso é CONDUZIDO a delatar no caminho que o juiz aponta; cria-se todo um roteiro que aponta um caminho pelo qual a delação transita.

Prende-se alguém sem culpa formada, sem prazo, em função da palavra do delator, e, preso, esse inquinado pelo delator é pressionado através da prisão sem prazo para que, por sua vez, se transforme em delator.

Nem na União Soviética de Stalin chegou-se a esse requinte de perversidade, ou delata ou não sai daqui.

O apavorante é a passividade do STF diante desses aleijões trazidos ao nosso antigo e sólido direito positivo.

Mais impressionante ainda é a absoluta omissão do Ministério da Justiça, guardião do sistema jurídico nacional ao permitir a transmissão desses dois vírus sem nenhuma resistência.

Ao contrário do que muita gente ignora, cabe ao Ministério da Justiça, historicamente e em nome do equilíbrio de poderes, acompanhar toda produção e alteração em normas legais, sejam originárias do Executivo ou do Legislativo, se for o caso requisitar à AGU uma arguição de inconstitucionalidade, ficar vigilante para que aberrações não sejam introduzidas no corpo de leis do País.

Duas irregularidades paralelas que correm soltas sem ninguém arguir:

VAZAMENTOS CONTINUADOS MINUTOS DEPOIS DO DELATOR APONTAR DELATADOS: a grande pergunta: Quem é o responsável pelo processo e por que ninguém o faz imputável pelo vazamento?

POR QUE PROCESSOS QUE POR LEI DEVERIAM TER FORO PRIVILEGIADO NÃO SOBEM AO STF?  Passa-se a borracha em qualquer nome que possa fazer o processo subir ao STF. Isso é lícito?

Hoje o Brasil virou terra de completa insegurança jurídica, qualquer um pode ser preso por uma acusação secreta de um delator e seu tempo de prisão vai depender do fígado do juiz. E ninguém tem coragem de enfrentar a anomalia. (Fonte: aqui).

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