segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

EU SOU CHARLIE: UMA BANDEIRA DO BRASIL E UM LÁPIS


"Parabéns, jornalista. Em nenhum momento o atentado constituiu ameaça à liberdade de imprensa, mesmo porque na França a lei de regulamentação da Mídia data de 1881. E não foi um ato dos muçulmanos como alguns sectaristas querem imputar. Foi na verdade uma represália de grupos terroristas contra a posição da França em relação aos terroristas. Contra a posição da França de combater o grupo Daech e o grupo Estado Islâmico. Os terroristas que cometeram os atentados em Paris nos últimos dias divulgaram um vídeo em que dizem ser do Estado Islâmico. Eles escolheram dois alvos: o jornal, por publicarem (de vez em quando, não é sempre como se fala no Brasil) humor contra o radicalismo dos grupos terroristas "defensores" do Islão. Uma minoria, constituída principalmente de jovens intolerantes que acreditam que o Ocidente representa a destruição de seus valores. Claro que isso é um pouco verdadeiro, mas matar pela defesa dos ideais não resolve a questão. Pode-se defender cultura, religião e valores sem a necessidade de armas. O atentado ao jornal, o atentado contra duas policiais municipais de uma vila perto de Paris e o atentado do supermercado dos judeus foram alvos para atingir o governo francês por suas posições contra os grupos terroristas, os de fora e os de dentro da França. Escolheram o Charlie Hebdo por ele ser um jornal de esquerda (como o presidente).

A  justificativa foram as charges, mas Charlie faz charge de católicos, protestantes, budistas, etc, contra partidos políticos, principalmente do partido da extrema direita francesa, que eles consideram racista e xenófobo. Eles puniram o jornal por causa de algumas charges. Mas queriam atingir não apenas o jornal, mas o governo e o Ocidente. Então essa balela de liberdade de imprensa é coisa do PIG que usa as informações para atacar o projeto de regulamentação da mídia da presidente Dilma. A França reagiu em defesa da liberdade de imprensa e em defesa dos judeus que são sempre o alvo dos terroristas aqui na França, mas em nenhum momento culparam os muçulmanos pelos atentados.Aliás, todos os jornais, televisão, rádio, governo, fizeram questão de dizer que os atentados não têm nenhuma ligação com os muçulmanos. Um dos soldados mortos no atentado ao jornal Charlie era muçulmano (aquele que foi executado fora da sede do jornal). Hoje o presidente Hollande foi à casa da família do soldado muçulmano para prestar solidariedade. Um empregado do supermercado judeu é negro muçulmano, ele será condecorado pelo governo porque salvou várias vidas dentro do supermercado. Ele trabalhava no subsolo do supermercado e quando o terrorista entrou no supermercado, muitos clientes desceram para o subsolo, quando ele percebeu o risco, ele abriu a grande geladeira do supermercado e pediu para todos se esconderam lá. Ele apagou a luz e desligou a geladeira e saiu por uma porta blindada do fundo para avisar a polícia que estava fora do supermercado. Com a chave que ele deu desta porta, a polícia pode entrar no local e salvar os sequestrados que estavam com o terrorista e os que estavam na geladeira escondidos.

Pensa-se horrores da sociedade francesa, mas vejam: africano muçulmano (ele ainda não tem nacionalidade francesa) trabalha para judeus e salvou judeus. Tudo isso é importante saber para conhecer melhor daquilo que se fala. Quando o Charlie publicou um desenho da ministra da justiça como uma macaca, não foi o jornal que disse que ela era uma macaca. Foi uma candidata do partido da Frente Nacional de extrema direita que (...) publicou uma foto da Ministra ao lado de um macaco; conclusão: essa candidata ficou 9 meses na prisão. E o jornal Minute, de direita, que disse que a ministra era maligna como um macaco e que Toubira reencontra sua banana, foi obrigado a pagar indenização à ministra. Tem liberdade de imprensa, mas se alguém se sentir lesado, tem justiça e indenização. O jornal Charlie fez uma charge do episódio. Colocou a ministra como macaca, mas como texto da charge escreveu: "Rassemblement Bleu Marine", e colocou o símbolo do Partido da Frente Nacional como duas bananas (usou as cores do partido). Essa expressão é utilizada pelos candidatos desse partido nas eleições. Quer dizer "Venha se Reunir ou se Reunir com a Frente Nacional"; Bleu marine é azul marinho, a cor do partido. A charge é como se eles dissessem ao partido da Frente Nacional: "é dessa maneira (chamando os outros de macaco) que vocês querem que todos se unam a vocês?" Vejam, uma charge que foi feita para gozar o partido da extrema direita é interpretada por alguns brasileiros como sendo uma charge contra a ministra. É preciso entender a política francesa, o francês, e a (sutileza) do humor do jornal para entender a charge. Se alguém quiser pode conferir no facebook da ministra Christiane Toubira, suas palavras de carinho e de reconhecimento logo após o ataque do jornal. Nas homenagens de desagravo da ministra, logo depois do episódio, os desenhistas do Charlie foram convidados para a solenidade.

Charlie é um jornal de esquerda, contra todas as formas de injustiça, tivemos o Pasquim como similar. Os desenhistas são ateus, preferem seguir o laicismo. Quando fazer humor arte, eles brincam com tudo e com todos, até mesmo com a esquerda quando eles acham que alguém pisou na bola. Nas entrevistas, eles eram pessoas simples, humildes e adoráveis, mas com grande convicção de que não se constrói uma sociedade mais justa com armas nem com intolerância. Eu estive na Marcha de 1500 milhões de franceses e de imigrantes. Estavam todas as religiões e nacionalidades. Os franceses saíram à rua muito mais pelo direito republicado de ser laico e de poder se expressar com humor, mesmo que eles não concordem 100% com todas as charges (...) que se publica.

Estive na Marcha com as minhas armas: um cartaz com os dizeres "Eu sou Charlie", uma bandeira do Brasil e um lápis."    




(De Elizabete Oliveira, comentário dirigido ao Jornal GGN a propósito do post "Não confunda terrorismo com atentado à liberdade de imprensa", de Luis Nassif, reproduzido por este blog sob o título "Liberdade de imprensa, um álibi providencial".
O texto foi escrito no português de Portugal, razão por que, para facilitar a leitura, fiz pequenas mexidas).

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