sábado, 31 de janeiro de 2015

AS (OUTRAS) RAÍZES DA CRISE DA ÁGUA

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"Já tivemos diversas secas e essa era totalmente previsível, antes tivemos o apagão em 2001. Em 1927 tivemos uma seca parecida com essa ou maior." (Ivan Bispo).

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"(...). O solo é feito principalmente pela decomposição das rochas. rochas diferentes originam a solos diferentes. Tipos de diferentes de rochas tem composição química diferente, dando origem a solos de diferentes fertilidades. O cerrado tem gigantescas variações de fertilidade (...).

No bioma cerrado existem diferentes formações vegetais, inclusive de florestas, porque existem diferentes graus de fertilidade do solo, entre outras coisas. (...).

Os aquíferos tem formação geológica diferente e se comportam de forma diferente. Existem regimes de chuva diferentes dentro do bioma cerrado. É uma área gigantesca, muito heterogênea.

É claro que São Paulo, Rio e BH ficariam sem água se a população cresce e o sistema de abastecimento não. "(Ernesto GMV).

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"Dramático!

DE repente, nos deparamos com este sábio Professor Altair Barbosa.

Concluí de chofre: tá tudo dominado, já é passado. Agora é: tá tudo consumado. O relógio corre e a vida seca.

Jamais, em toda minha vida familiar, acadêmica, de leitor convicto, de ser humano, tomei conhecimento de tal tragédia irreversível. Jamais!

Brasil, país novo, apenas 515 anos, uma criança. Um bebê! Mas que voracidade! Que avidez!
Auschwitz matou pouco!

Professor Altair, o Sr. me deixou prostrado! Eu já torcia para entrevista acabar. E lá vinha o senhor. 1 milhão de anos... 70 milhões de anos...

- Tem saída? - pergunta o repórter, já com sede...

- Tem.... mas só com muita pesquisa.  

Pronto! Fechou o caixão!" (Marco Aurélio Barroso).

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Os comentários acima foram pinçados entre os alinhados no post "O cerrado está extinto e isso leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água", que trata de entrevista concedida (ao jornal Opção, de Goiás) pelo professor Altair Sales Barbosa, da PUC Goiás, uma das maiores autoridades sobre o tema. Para ele, a destruição do bioma é irreversível, o que "compromete o abastecimento potável em todo o País":

               Prof. Altair Sales Barbosa.


Uma ilha ambiental em meio à metrópole está no Campus 2 da Pon­tifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). É lá o local onde Altair Sales Barbosa idealizou e realizou uma obra que se tornou ponto turístico da capital: o Memorial do Cerrado, eleito em 2008 o local mais bonito de Goiânia e um dos projetos do Instituto do Trópico Subúmido (ITS), dirigido pelo professor.

Foi lá que Altair, um dos mais profundos conhecedores do bioma Cerrado, recebeu a equipe do Jornal Opção. Como professor e pesquisador, tem graduação em Antropologia pela Universidade Católica do Chile e doutorado em Arqueologia Pré-Histórica pelo Museu Nacional de História Natural, em Washington (EUA). Mais do que isso, tem vivência do conhecimento que conduz.

É justamente pela força da ciência que ele dá a notícia que não queria: na prática o Cerrado já está extinto como bioma. E, como reza o dito popular, notícia ruim não vem sozinha, antes de recuperar o fôlego para absorver o impacto de habitar um ecossistema que já não existe, outra afirmação produz perplexidade: a devastação do Cer­rado vai produzir também o desaparecimento dos reservatórios de água, localizados no Cerrado, o que já vem ocorrendo — a crise de a­bastecimento em São Paulo foi só o início do problema. Os sinais dos tempos indicam já o começo do período sombrio: “Enquanto se es­tá na fartura, você é capaz de re­partir um copo d’água com o ir­mão; mas, no dia da penúria, ninguém repartirá”, sentencia o professor.

“Memorial do Cerrado” – o nome deste espaço de preservação criado pelo sr. aqui no Campus 2 da PUC Goiás, é uma expressão pomposa. Mas, tendo em vista o que vivemos hoje, é algo quase que tristemente profético. O Cerrado está mesmo em vias de extinção?
Para entender isso é preciso primeiramente entender o que é o Cerrado. Dos ambientes recentes do planeta Terra, o Cerrado é o mais antigo. A história recente da Terra começou há 70 milhões de anos, quando a vida foi extinta em mais de 99%. A partir de então, o planeta começou a se refazer novamente. Os primeiros sinais de vida, principalmente de vegetação, que ressurgem na Terra se deram no que hoje constitui o Cerrado. Por­tanto, vivemos aqui no local onde houve as formas de ambiente mais antigas da história recente do planeta, principalmente se levarmos em consideração as formações vegetais. No mínimo, o Cerrado começou há 65 milhões de anos e se concretizou há 40 milhões de anos.

O Cerrado é um tipo de am­biente em que vários elementos vi­vem intimamente interligados uns aos outros. A vegetação depende do solo, que é oligotrófico [com nível muito baixo de nutrientes]; o solo depende de um tipo de clima especial, que é o tropical subúmido com duas estações, uma seca e outra chuvosa. Vários outros fatores, incluindo o fogo, influenciaram na formação do bioma – o fogo é um elemento extremamente importante porque é ele que quebra a dormência da maioria das plantas com sementes que existem no Cerrado.

Assim, é um ambiente que de­pen­de de vários elementos. Isso significa que já chegou em seu clímax evolutivo. Ou seja, uma vez degradado não vai mais se recuperar na plenitude de sua biodiversidade. Por isso é que falamos que o Cerrado é uma matriz ambiental que já se encontra em vias de extinção.

Por que o sr. é tão taxativo?
Uma comunidade vegetal é medida não por um determinado tipo de planta ou outro, mas, sim, por comunidades e populações de plantas. E já não se encontram mais populações de plantas nativas do Cerrado. Podemos encontrar uma ou outra espécie isolada, mas encontrar essas populações é algo praticamente impossível.

Outra questão: o solo do Cerrado foi degradado por meio da ocupação intensiva. Retiraram a gramínea nativa para a implantação de espécies exóticas, vindas da África e da Austrália. A introdução dessas gramíneas, para o pastoreio, modificou radicalmente a estrutura do solo. Isso significa que naquele solo, já modificado, a maioria das plantas não conseguirá brotar mais.

Como se não bastasse tudo isso, o Cerrado foi incluído na política de ex­pansão econômica brasileira co­mo fronteira de expansão. É uma á­rea fácil de trabalhar, em um planalto, sem grandes modificações geomorfológicas e com estações bem definidas. Junte-se a isso toda a tecnologia que hoje há para correção do solo. É possível tirar a acidez do solo utilizando o calcário; aumentar a fertilidade, usando adubos. Com isso, altera-se a qualidade do solo, mas se afetam os lençóis subterrâneos e, sem a vegetação nativa, a água não pode mais infiltrar na terra.

Onde há pastagens e cultivo, então, o Cerrado está inviabilizado para sempre, é isso?
Onde houve modificação do solo a vegetação do Cerrado não brota mais. O solo do Cerrado é oligotrófico, carente de nutrientes básicos. Quando o agricultor e o pecuarista enriquecem esse solo, melhorando sua qualidade, isso é bom para outros tipos de planta, mas não para as do Cerrado. Por causa disso, não há mais como recuperar o ambiente original, em termos de vegetação e de solo.

Mas o mais importante de tudo isso é que as águas que brotam do Cerrado são as mesmas águas que alimentam as grandes bacias do continente sul-americano. É daqui que saem as nascentes da maioria dessas bacias. Esses rios todos nascem de aquíferos. Um aquífero tem sua área de recarga e sua área de descarga. Ao local onde ele brota, formando uma nascente, chamamos de área de descarga. Como ele se recarrega? Nas partes planas, com a água das chuvas, que é absorvida pela vegetação nativa do Cerrado. Essa vegetação tem plantas que ficam com um terço de sua estrutura exposta, acima do solo, e dois terços no subsolo. Isso evidencia um sistema radicular [de raízes] extremamente complexo. Assim, quando a chuva cai, esse sistema radicular absorve a água e alimenta o lençol freático, que vai alimentar o lençol artesiano, que são os aquíferos.

Quando se retira a vegetação na­tiva dos chapadões, trocando-a por outro tipo, alterou-se o ambiente. Ocorre que essa vegetação introduzida – por exemplo, a soja ou o al­go­dão ou qualquer outro tipo de cul­tura para a produção de grãos – tem uma raiz extremamente superficial. Então, quando as chuvas caem, a água não infiltra como deveria. Com o passar dos tempos, o nível dos lençóis vai diminuindo, afetando o nível dos aquíferos, que fica menor a cada ano.
As plantas  do cerrado são de crescimento muito lento. Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, os Buritis que vemos hoje estavam nascendo. eles demoram 500 anos para ter de 25 a 30 metros. também por isso, o dano ao bioma é irreversível
Qual é a consequência imediata desse quadro?
Em média, dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano. Esses riozinhos são alimentadores de rios maiores, que, por causa disso, também têm sua vazão diminuída e não alimentam reservatórios e outros rios, de que são afluentes. Assim, o rio que forma a bacia também vê seu volume diminuindo, já que não é abastecido de forma suficiente. Com o passar do tempo, as águas vão desaparecendo da área do Cerrado. A água, então, é outro elemento importante do bioma que vai se extinguindo.

Hoje, usa-se ainda a agricultura irrigada porque há uma pequena reserva nos aquíferos. Mas, daqui a cinco anos, não haverá mais essa pequena reserva. Estamos colhendo os frutos da ocupação desenfreada que o agronegócio impôs ao Cerrado a partir dos anos 1970: entraram nas áreas de recarga dos aquíferos e, quando vêm as chuvas, as águas não conseguem infiltrar como antes e, como consequência, o nível desses aquíferos vai caindo a cada ano. Vai chegar um tempo, não muito distante, em que não haverá mais água para alimentar os rios. Então, esses rios vão desaparecer.

Por isso, falamos que o Cerrado é um ambiente em extinção: não existem mais comunidades vegetais de formas intactas; não existem mais comunidades de animais – grande parte da fauna já foi extinta ou está em processo de extinção; os insetos e animais polinizadores já foram, na maioria, extintos também; por consequência, as plantas não dão mais frutos por não serem polinizadas, o que as leva à extinção também. Por fim, a água, fator primordial para o equilíbrio de todo esse ecossistema, está em menor quantidade a cada ano.

Como é a situação desses aquíferos atualmente?
Há três grandes aquíferos na região do Cerrado: o Bambuí, que se formou de 1 bilhão de anos a 800 milhões de anos antes do momento presente; os outros dois são divisões do Aquífero Guarani, que está associado ao Arenito Botucatu e ao Arenito Bauru que começou a se formar há 70 milhões de anos. O Guarani alimenta toda a Bacia do Rio Paraná: a maior parte dos rios de São Paulo, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul – incluindo o Pantanal Mato-Grossense – e grande parte dos rios de Goiás que correm para o Paranaíba, como o Meia Ponte. Toda essa bacia depende do Aquífero Guarani, que já chegou em seu nível de base e está alimentando insuficientemente os rios que dependem dele. Por isso, os rios da Bacia do Paraná diminuem sua vazão a cada ano que passa.

Então, podemos ter nisso a explicação para a crise da água em São Paulo?
Exato. Como medida de urgência, já estão perfurando o Arenito Bauru – que é mais profundo que o Botucatu, já insuficiente –, tentando retirar pequenas reservas de água para alimentar o sistema Cantareira [o mais afetado pela escassez e que abastece a capital paulista]. Mesmo se chover em grande quantidade, isso não será suficiente para que os rios juntem água suficiente para esse reservatório.

Assim como ocorre no Can­tareira, outros reservatórios espalhados pela região do Cerrado – Sobradinho, Serra da Mesa e outros – vão passar pelo mesmo problema. Isso porque o processo de sedimentação no fundo do lago de um reservatório é um processo lento. Os sedimentos vão formando argila, que é uma rocha impermeável. Então, a água daquele lago não vai alimentar os aquíferos.
Mesmo tendo muita quantidade de água superficial, ela não consegue penetrar no solo para alimentar os aquíferos. Se não for usada no consumo, ela vai simplesmente evaporar e vai cair em outro lugar, levada pelas correntes aéreas. Isso é outro motivo pelo qual os aquíferos não conseguem recuperar seu nível, porque não recebem água.

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