terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O PENSAMENTO DE THOMAS PIKETTY


"Não discutir impostos sobre riqueza é loucura"

Da CartaCapital

No Brasil, a simples menção a um aumento nos impostos é garantia de turbulência para o governo. No caso do tributo sobre grandes fortunas, previsto na Constituição Federal e jamais aplicado, o tema só foi lembrado nas eleições deste ano por partidos de esquerda como PSOL e PSTU. Durante a campanha, Dilma Rousseff nem ousou pisar no terreno espinhoso. Nos países desenvolvidos, cujas fortunas chegam a superar em seis vezes a renda nacional, a criação de taxas para limitar os ganhos de capital já começou. Em 2012, a França aprovou uma alíquota de 75% sobre as maiores riquezas do país.

Não à toa, trata-se da terra natal de Thomas Piketty, economista alçado ao status de celebridade após entrar para a lista dos autores mais vendidos do New York Times por seu livro O Capital No Século XXI, lançado no Brasil pela editora Intrínseca. O sucesso explica-se não apenas pela densidade de sua base de dados, responsável por atestar o grande aumento da desigualdade de renda nos países ricos do Ocidente a partir da década de 1970. O livro inspira-se na tradição historiográfica francesa ao enxergar política, economia e cultura como dimensões integradas, e as relaciona com notável erudição. Por esse motivo, Piketty se vê mais como um cientista social e menos como um economista.

De passagem pelo Brasil, o pesquisador concedeu uma entrevista a CartaCapital. Simpático, fez questão de reiterar inúmeras vezes a necessidade dos países adotarem impostos mais onerosos às grandes fortunas para impedir a acumulação crescente dos 10% mais ricos no planeta. "A limitação da concentração é a saída para fazer da propriedade privada algo temporário", diz.  "É como dizer: 'Você é o dono, mas não para sempre. Se você continuar investindo e trabalhando, poderá manter essa propriedade. Se mantiver seu capital parado, iremos distribuí-lo.".

Afinado com a realidade política e econômica brasileira, Piketty defende o aumento de impostos sobre as heranças no País, até 10 vezes inferiores aos da Alemanha e dos Estados Unidos, e critica o grande volume de tributos indiretos, a alta taxa de juros e a falta de transparência nos dados da Receita Federal para grandes fortunas. Sobre programas como o Bolsa-Família, defende sua importância na redução da pobreza, mas considera ainda mais relevante a política de valorização do salário mínimo. A dificuldade em debater o aumento dos impostos sobre riqueza e patrimônio no país o surpreende. "Não discuti-los no Brasil é uma loucura. Todos os países têm impostos sobre herança muito superiores ao brasileiro. Você não precisa ser de esquerda para defender essa medida. Por acaso Angela Merkel ou David Cameron são de esquerda?"

CartaCapital: Professor, um dos aspectos mais interessantes de seu livro é o diálogo apresentado entre a economia e as outras humanidades, em especial a história. Há uma forte base da história social de Fernand Braudel e Geroges Duby em seu trabalho. Trata-se de uma abordagem rara atualmente. Por que é tão difícil encontrar estudos econômicos interdisciplinares no contexto atual?
Thomas Piketty: Eu estou muito feliz que você diga isso, pois eu gostaria que meu trabalho se situasse na tradição de Braudel e outros historiadores franceses. Em 1995, deixei o MIT, nos Estados Unidos, para retornar à França, e fui para a Ecóle de Hautes Etudes en Ciencies Sociales, onde Braudel era o presidente, havia grandes historiadores, sociólogos como Pierre Bourdieu. Mas também fui influenciado por economistas anglo-saxônicos como Simon Kuznets, que foi um dos pioneiros na coleta de dados sobre distribuição. Eu tento combinar essas duas tradições. As fronteiras entre economia, história e sociologia são tênues demais. A divisão é bem menos clara do que os economistas imaginar ser. Me vejo mais como um cientista social.

CC: Seu livro mostra como as duas guerras mundiais e suas consequências econômicas proporcionaram uma forte distribuição de renda. Todavia, em momentos de maior harmonia comercial e econômica entre as potências, como ocorreu na Belle Époque do fim do Século XIX e está ocorrendo atualmente, a riqueza acumulada pode superar e muito a renda nacional. Karl Marx não estava certo sobre o acúmulo infinito de capital ao menos em momentos de paz?
TP: Acho que ele estava um pouco certo, mas também errado em alguns pontos. No tempo em que ele escreveu, havia uma grande acumulação de capital e toda a nossa base de dados indica uma longa estagnação dos salários no Reino Unido e na França, entre 1800 e 1870, mesmo com a revolução industrial. Por isso, foi uma observação tão forte. Mas vejo erros em alguns pontos. A sua primeira limitação é o que ocorreria após a abolição da propriedade privada. Os países que o fizeram não foram capazes de organizar a sociedade e o Estado, foi um grande desastre. É fácil perceber o tamanho da acumulação de capital excessiva, mas é difícil pensar nas boas e democráticas soluções para limitar o poder do capital, entre elas o estabelecimento de impostos progressivos.
Não é por conta do desastre das experiências socialistas que precisamos parar de pensar nisso. A limitação da concentração da riqueza é uma saída para fazer da propriedade privada algo temporário. É como dizer "você é o dono, mas não para sempre. Os impostos vão tirar parte de sua propriedade ao longo do caminho. Se continuar a investir e trabalhar, poderá manter essa propriedade, mas se mantiver seu capital parado, iremos distribuí-lo".

CC: No Brasil, a discussão do imposto sobre grandes fortunas é vista por muitos como uma agenda radical da esquerda. Na campanha eleitoral, Um dos únicos partidos a tocar abertamente no assunto foi o PSOL, cuja representação no Congresso é tímida. O senhor considera a proposta de esquerda?
TP: O Brasil poderia ter um sistema de imposto mais progressivo. O sistema é bastante regressivo, com altas taxas sobre o consumo para amplos setores da sociedade, enquanto os impostos diretos são relativamente pequenos. As taxas para as maiores rendas é de pouco mais de 30%, é tímido para os padrões internacionais. Países capitalistas taxam as principais rendas em 50% ou mais. Os impostos sobre herança e transmissão de capital são extremamente reduzidos, apenas 4%. Nos Estados Unidos é 40%, na Alemanha é 40%. Não discutir a cobrança de impostos sobre a riqueza no Brasil é uma loucura. É tudo muito ideológico. Todos os países têm imposto sobre herança muito superiores ao brasileiro. Você não precisa ser de esquerda para defender essa medida.  Por acaso Angela Merkel ou David Cameron são de esquerda?
O Brasil precisa de um sistema mais progressivo de impostos. Deveria haver uma redução de impostos indiretos. O PT poderia ir nessa direção, é uma forma de ter um sistema mais transparente e trazer mais confiança para o governo. Eu entendo que o PT está buscando um novo projeto para este mandato. Uma grande reforma tributária seria importante. (Para continuar, clique aqui).

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Clique aqui para ler outra entrevista concedida por Thomas Piketty, essa ao site Diário do Centro do Mundo. 

À vista das posições manifestadas pelo economista Thomas Piketty, o espaço que lhe será dedicado pela mídia tupiniquim será mínimo, ou nenhum. As elites nacionais, obcecadas não só em manter, mas em ampliar seus privilégios, não sossegará enquanto o poder não mudar de mãos. Como diz o incisivo: Simples assim.

Enquanto isso, nas centrais do poder econômico mundial, analistas parceiros do Livre Mercado se empenham sofregamente em desconstruir a argumentação apresentada por Piketty. Na periferia, ao que se constata, não há debate, só indiferença.

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