quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O NEGÓCIO DAS PREVISÕES


Por Carlos Orsi

(...)

Prever tragédias é, apesar das aparências em contrário, um negócio relativamente seguro. Se elas se concretizam, você acertou; se não, foi porque as pessoas levaram seu aviso a sério e tomaram medidas preventivas. Medidas essas que podem ser qualquer coisa, de salvaguardas tecnológicas a círculos de oração, “energia positiva”, exorcismos.

Na década de 50, o psicólogo americano Leon Festinger documentou como um grupo de fanáticos por óvnis, convencido de que o mundo acabaria numa data predeterminada, racionalizou a ausência do apocalipse como uma “segunda chance” dada à humanidade – graças, exatamente, à fé demonstrada pelo próprio grupo: eles não só estavam certos, como ainda tinham salvado o planeta!
Festinger usou essa experiência para moldar sua teoria da dissonância cognitiva, um mecanismo psicológico que permite acomodar contradições claras entre fatos inegáveis e crenças arraigadas, de modo a salvaguardar as crenças, a despeito dos fatos.

Nem sempre é fácil determinar onde acaba a dissonância, digamos, “legítima” e onde começa a má-fé pura e simples: o autoengano pode ser muito poderoso, ainda mais quando a mentira, assumida como verdade, traz benefícios – materiais e emocionais — a quem a alimenta.

Mostrar-se ousado, fazendo afirmações categóricas sobre o futuro incerto, expondo-se ao risco aparente de ser desmentido pelos acontecimentos, é um poderoso estímulo para o ego. Ao mesmo tempo, é reconfortante saber que, confirme-se ou não a profecia, haverá algum crédito a reivindicar: seja o de antecipar o problema, seja o de abrir caminho para a solução. Para além de videntes e profetas, não são poucos os altos executivos, políticos e economistas que se deixam seduzir por uma situação assim, que no fim se resume a “cara eu ganho, coroa eu não perco”.

Os problemas de ceder à tentação de virar profeta do caos são vários. Para além das questões éticas mais evidentes, há o sofrimento psicológico e o desperdício de recursos por parte de quem leva a previsão a sério e, o que pode ser ainda pior, um efeito “Pedro e o Lobo”, em que previsões bem embasadas acabam postas de lado como sendo apenas “mais alarmismo infundado”.

Mais importante do que aquilo que se prevê, é como se prevê: há um desnível grande de credibilidade entre o que dizem vozes desencarnadas, que só uma ou duas pessoas ouvem, e o que determinam as equações da física, por exemplo, cujos resultados podem ser checados por qualquer um.

Uma última palavra sobre “pós-dições”, como se chamam as previsões que só são reveladas depois de o evento se concretizar. Muita profecia religiosa se encaixa nessa categoria – com o texto sagrado sendo (re)interpretado como profético após algum evento que se passe por compatível –, bem como as famosas centúrias de Nostradamus.   A maioria das “pós-dições” depende de um forte esforço interpretativo, o que torna difícil, para quem não faz parte de uma cultura já predisposta a aceitá-las, levá-las a sério.

Um tipo aparentemente mais impressionante de pós-dição envolve documentos notariados, cartas registradas, etc., descrevendo em detalhes – e sem necessidade de grandes saltos interpretativos – eventos futuros, mas que também só vêm a público após o evento se concretizar.

A verdade é que proezas assim não provam muita coisa: há décadas que mágicos de várias partes do mundo fazem com que testemunhas rubriquem e selem suas previsões de resultados de loterias ou manchetes de jornais. Quando abertas após a data estabelecida – às vezes, retiradas de cofres bancários, com os lacres ainda intactos – revelam-se surpreendentemente corretas. E tudo não passa de truque.

Num dos feitos mais impressionantes da história da arte, em 1º de setembro de 1938 o mágico canadense Stewart James lacrou, numa caixa de madeira que depois foi posta dentro de uma caixa metálica que teve a tampa soldada, sua previsão para o que seria a manchete dos jornais no ano seguinte. Quando a caixa foi aberta, a previsão dizia: “Ameaça de Guerra Mundial, Alemanha ataca Polônia”. A 2ª Guerra Mundial começou, é claro, em 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pelos nazistas. (Fonte: aqui).

................
Entreouvido nos bastidores: "Há o 'eu não creio em bruxas, mas, que elas existem, existem', mas há, sobretudo, o impagável 'há mais coisas entre o céu e a Terra do que nossa vã filosofia possa imaginar'".

Nenhum comentário: