quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

CRISE MUNDIAL, O RETORNO DE QUEM NÃO PARTIU


Enquanto a partir de setembro a Arábia Saudita elevou sua oferta de petróleo, afetando Rússia, Irã e outros produtores (como Venezuela e Brasil), e os Estados Unidos também ampliam a produção, mediante a prática do 'fracking', com seus altíssimos custos financeiros e ambientais (AQUI), a crise financeira mundial dá fortes sinais de recrudescimento.

Em 2008/9, os governos injetaram capitais públicos para salvar grandes bancos e outras corporações ("grandes demais para quebrar"), que antes se haviam locupletado com os famosos derivativos e hipotecas fajutas. Agora a ameaça é de que o sacrifício para cobrir os rombos seja imposto aos depositantes em geral e fundos de pensão em particular.

(Quanto à Petrobras, espera-se que a exploração do pré-sal não seja de todo ameaçada, visto que os custos envolvidos são relativamente menores que os do 'fracking').

A seguir, análise feita - aqui - por Marco Antonio Moreno:

Colapso do petróleo e do sistema financeiro ameaçam expropriar os fundos de pensão

O otimismo do fracking e a ilusão de um preço do petróleo em 110 dólares o barril mobilizou enormes recursos financeiros para a produção de crude que acabaram por saturar o mercado. A nova bolha especulativa acabou por entrar em colapso, à luz do enfraquecimento da procura.

Os preços do petróleo caíram 40 por cento desde junho, ao ritmo do colapso dos títulos lixo do sector energético dos Estados Unidos, que apostou desmedidamente no apogeu do dispendioso fracking. Desde que, em julho de 2008, o petróleo atingiu os 145 dólares por barril, a indústria do fracking dos EUA disparou e a produção de petróleo passou de 4 milhões de barris diários (mbd) a 9 mbd, competindo, em volume de produção, com a Arábia Saudita e a Rússia (10 e 9 mbd, respetivamente). Isto foi feito com base na especulação financeira, que agora será coberta com o confisco dos fundos de pensões.

Como afirmamos em julho do ano passado, a manipulação do preço do petróleo levou o ouro negro a um nível artificialmente alto; nesse artigo afirmávamos que esse valor, se não fosse manipulado, andaria em torno dos 80-60 dólares o barril. Esta manipulação foi claramente fabricada pelos interesses financeiros que procuravam impulsionar a indústria do fracking. O excesso de oferta da indústria petrolífera está agora a levar a liquidar em 80 centavos de dólar as alavancadas posições destas empresas, instalando novamente o epicentro da crise no sistema financeiro, pela sua facilidade para especular com os preços. Desta vez, no entanto, e graças a Jean-Claude Juncker, é o dinheiro do contribuinte que vai salvar estas empresas.

A bolha do fracking
Apesar de haver uma tendência para se pensar que a queda dos preços é sinónimo de baixa dos custos de produção e que o temido "pico do petróleo" se está a afastar, a verdade é que os preços de muitos recursos básicos estão a diminuir ao mesmo tempo pela queda da procura global. As commodities caem a pique, acentuando assim os problemas deflacionários que darão uma nova estocada a esta crise, no seu sétimo ano de desenvolvimento.

Os preços do petróleo foram manipulados longamente para dar folga e permitir o auge do fracking, até que esta bolha rebentou. Enquanto o custo da extração de petróleo "normal" é de 30 dólares o barril, o custo do barril de petróleo obtido através da fraturação hidráulica é de 60 dólares.

O estouro da bolha do fracking confirma a falácia de que a fraturação hidráulica constitui uma fonte energética para cem anos, como declarou o presidente Obama em 2012. Um artigo publicado na semana passada na revista Nature põe em dúvida o desmedido otimismo desta indústria.

O otimismo do fracking e a ilusão de um preço do petróleo em 110 dólares o barril mobilizou enormes recursos financeiros para a produção de crude que acabaram por saturar o mercado. O fracking não fez mais do que criar uma nova bolha especulativa que acabou por entrar em colapso, à luz do enfraquecimento da procura. O colapso do preço do petróleo levou o seu valor ao nível mais baixo dos últimos cinco anos e a uma queda que pode arrastá-lo para os 50 dólares e até para os 40 dólares o barril, obrigando ao encerramento das extrações por fracking que operam com custos de 60 dólares.

O novo risco para o sistema financeiro
Os alavancados empréstimos semeados no período da euforia do fracking provocam agora novos temores nos mercados financeiros pelos incumprimentos de dívidas que podem afetar todo o comércio internacional. Os baixos preços que se obtêm hoje por cada barril de petróleo levam as companhias petrolíferas a terem dificuldades de pagar os juros dos empréstimos financeiros contraídos no período de auge. E como os fluxos de caixa se reduziram, esta situação também põe a banca em apuros, começando a sofrer um estrangulamento financeiro, e ver-se-á obrigada a elevar as taxas de juro destes empréstimos pelo aumento do risco, acelerando o incumprimento da dívida. Desta forma, a enorme quantidade de dívida que as companhias petrolíferas adquiriram para investir na onerosa tecnologia do fracking converteu-se no novo risco do conjunto do sistema financeiro.

No entanto, o que está em risco agora não é só o fraudulento sistema financeiro mas também as poupanças e os fundos de pensões de milhões de contribuintes em todo o mundo. Desde os resgates bancários do ano de 2008 que houve um grande debate sobre a necessidade de mudar o sistema e evitar esses monstros bancários "demasiado grandes para cair" que tinham de ser resgatados pelos governos. Agora quer-se obrigar os depositantes e os fundos de pensões a cobrir as perdas do sistema financeiro, tal como se fez no Chipre. Como advertimos na altura, o Chipre foi o laboratório para pôr à prova o confisco dos depósitos dos poupadores e dos fundos de pensões.

Esta nova regra foi aprovada na cimeira do G-20 realizada na Austrália no passado mês de novembro e pode ser posta em prática a qualquer momento. Por isso não devemos descartar que a violenta queda dos preços do petróleo seja uma estratégia destinada à apropriação, quanto antes, desses recursos. Se o preço foi manipulado com astúcia e precisão na subida, também pode ser manipulado na baixa para fazer uso quanto antes da nova disposição de Angela Merkel e Jean-Claude Junker. As contas bancárias e os fundos de pensões estão em risco de serem confiscados por esta nova agonia do sistema financeiro, ocasionada desta vez pela excessiva cobiça das empresas petrolíferas.

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