domingo, 2 de novembro de 2014

OS CÉTICOS SEGUNDO WOODY ALLEN


"Magia ao Luar": um retrato divertido dos estereótipos dos céticos

Por Carlos Orsi

A crítica tem sido meio rabugenta com o filme “Magia ao Luar”, de Woody Allen. Não se trata, claramente, de uma obra-prima, mas ainda assim é um belo trabalho: simpático, leve e divertido. E, no que é de interesse especial para este blog, protagonizado por um cético combativo, um mágico de palco interpretado pelo grande ator britânico Colin Firth.

O personagem de Firth é baseado em dois mágicos reais do início do século 20: um deles, William Robinson (1861-1918), passou boa parte de sua vida profissional fingindo ser um mago chinês, com o nome Chung Ling Soo. Ele trabalhava duro para sustentar sua persona oriental, a ponto de só dar entrevistas com a ajuda de intérpretes.

Robinson chegou a escrever um livro, “Spirit Slate Writing and Kindred Phenomena” (”Escrita Espiritual em Lousa e Fenômenos Semelhantes”), onde desmascara alguns golpes usados por médiuns da época para dar a impressão de que se comunicavam com espíritos – a “escrita espiritual em lousa”, hoje uma arte esquecida, foi um truque popular no século 19 – mas a principal inspiração para o perfil do protagonista do filme é Harry Houdini (1874-1926), que construiu toda uma carreira como inimigo público número um das fraudes espirituais. Seu livro-denúncia “A Magician Among the Spirits” (“Um Mágico Entre os Espíritos”) é um clássico.

Algumas situações do filme lembram – ainda que de forma bastante edulcorada e sem as partes sórdidas – o duelo travado, na década de 20, entre Houdini e a médium americana Mina Crandon (1888-1941). Mina esteve bem perto de ser reconhecida, por um respeitado comitê científico, como uma legítima produtora de fenômenos sobrenaturais, até Houdini intervir e estragar a festa.

Mas mais interessante do que as fontes de Woody Allen é a “personalidade cética” criada por ele e encarnada, com maestria, por Firth: uma personalidade que oscila entre a lamúria – o mágico gostaria de ter fé, mas não consegue – e a arrogância: ele trata a todos como se fossem idiotas.

Firth sintetiza, assim, dois grandes estereótipos a respeito do que se entende como “pessoa cética”: o do pobre coitado que anseia pela graça de uma revelação divina; e o do babaca empedernido e irredutível. Não são exatamente estereótipos com que eu me sinta confortável, mas aprendi a conviver com eles e a reconhecer que, quando bem usados, podem ser muito divertidos.

Mas é importante não confundir boa ficção com retrato da realidade. Desespero e empáfia existem na comunidade cética, é claro, mas não creio que sejam mais prevalentes ali do que em outros grupos: tanto sacerdotes pedantes quanto supersticiosos acovardados são figuras tão conhecidas quanto o descrente metido e o niilista descabelado.

No filme – alerta de spoiler, para quem liga para isso – o personagem de Firth vence a dicotomia entre angústia e soberba ao constatar que o amor sincero de uma mulher resolve sua sede de transcendência, e que a arrogância era o que o impedia de desfrutar desse amor. O que também é um clichê, pensando bem, mas não chega a ser um dos piores. (Fonte: aqui).

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