quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O BRASIL CABE, SIM, EM SEU PIB


Mais uma turma criadora de dificuldades inexistentes na economia (para vender facilidades que só eles têm)

Por André Passos Cordeiro*

Recentemente, em um evento da consultoria Empiricus (olha a turma aí novamente…), um famoso economista brasileiro, também filósofo, atualmente assessor da campanha do PSB (Eduardo Campos e depois Marina Silva) à presidência da República, de nome Eduardo Giannetti da Fonseca, afirmou que o “Estado Brasileiro não cabe no PIB” (declaração ao Jornal Valor Econômico, de 18/08/2014).
Frase boa, daquelas que parece comprovar-se pela própria força. Só que não. Por que não?

O Brasil terá em 2014, segundo as projeções do FMI, um PIB de 2,2 trilhões de dólares e um gasto público que corresponde a 40% deste. Vejamos o quanto gastam os Estados Nacionais com PIB semelhante ao Brasil, para ver se estamos no desvio do padrão. Os dados que serão apresentados a seguir são todos resultantes de projeções para 2014 do FMI. Comecemos com os países de PIB mais próximo ao nosso. Digamos no máximo módicos cem bilhõezinhos de dólares abaixo (não há países com a mesma diferença para cima):

Grupo 1
País                 PIB                       Despesa Pública/PIB (%)
Brasil             2.215.953                          40
Itália              2.171.482                           51
Rússia           2.092.205                           38

Alguma conclusão? Sim, ou gastam bem mais ou estão bem pertinho do Brasil. Bem, não vamos nos apressar, afinal a amostra é pequena. Embora já maior do que a do professor Giannetti, pois ele não apresentou nenhuma. E as companhias talvez possam ter seu caráter questionado: Rússia, Itália; governos, assim, meio “complicados”… Não acho que isto os desqualifique, mas sempre pode ser uma alegação, não é mesmo? Mas sejamos generosos, ou cuidadosos (sei lá…): aumentemos mais uma camada no círculo de proximidade, para expandir a amostra e dar mais uma chance à “tese” do “fat brazilian state”. Fat, not fast. Vamos considerar os países com PIB um “pouco” mais abaixo ou “levemente” acima da faixa brasileira. Ponho assim entre aspas porque, depois de Itália e Rússia, os países mais próximos estão a uma distância não tão pequena em relação ao Brasil: coisa de 450 a 800 bilhões de dólares abaixo e 600 bilhões de dólares acima. Comecemos pelos acima:

Grupo 2
País                           PIB                  Despesa Pública/PIB (%)
França                   2.885.692                  57
Reino Unido           2.827.514                 42

Agora os abaixo:

Grupo 3
País                 PIB                  Despesa Pública/PIB (%)
Índia              1.995.776                       27
Canadá         1.768.968                       44
Austrália        1.435.830                       37
Espanha        1.415.304                       45

Pronto, agora temos Estados Nacionais mais “respeitáveis”, “pretinhos básicos” por assim dizer.
Afinal nesta amostra temos Canadá e Austrália, por exemplo. Acho que ninguém vai dizer que os corpos estatais destes países são maiores que suas roupas… Mas embora os corpos sejam de tamanho semelhante, as roupas são de números distintos. Pois é, não tem um número só. Então vamos tentar outra estratégia: trazer de volta à cena o grupo 1, juntá-lo aos grupos 2 e 3, e tentar de estabelecer uma faixa “normal”. Acho que poderíamos dizer, sem desconforto (não resisti…), que à exceção de Austrália, Rússia e Índia, todos gastam acima de 40% do PIB com suas máquinas públicas. E, ainda, que Rússia e Austrália não estão nada distantes desta marca. Então, tirando os grandes desvios para baixo e para cima (Índia e França), com tranquilidade poderíamos dizer que países com PIB entre US$ 1,4 trilhões e US$ 2,9 trilhões destinam, atualmente, entre 40% e 50% do seu PIB para despesas públicas. Eis a faixa. Segunda conclusão: em termos comparativos ainda não conseguimos ver um Brasil desajustado, com seu Estado sofrendo de “obesidade mórbida”, a necessitar urgentemente de uma cirurgia que diminua suas possibilidades de ingestão calórica desmedida. A menos que consideremos todos estes países como sofredores desta mesma síndrome. A França do “socialista” Hollande talvez, mas o Reino Unido do Partido Consevador? Não dá pra forçar a barra, né não?

Bem, mas vamos espancar a realidade mais um pouquinho… Perguntemos a ela, a um oráculo imaginário, se toda esta turma com produto interno bruto próximo ao Brasil, inclusive ele, poderia ser mais elegante, mais magra e mais eficiente. Vejamos nossos vizinhos de planeta Terra mais ricos, a suposta “gente fina, elegante e sincera”. Entre eles há um claro degrau, a formar dois grupos:

Alemanha e Japão, com PIB de 4 a 5 trilhões de dólares; China e Estados Unidos, com PIB duas ou mais vezes maior.

Grupo 4
País                   PIB                  Despesa Pública/PIB (%)
Japão             4.846.327                    40
Alemanha       3.875.755                    45

Grupo 5
País                              PIB                  Despesa Pública/PIB (%)
Estados Unidos        17.528.382               37
China                        10.027.558               24

Comecemos isolando o caso extremo, a China. Entre as 10 maiores economias do mundo, só a China tem gasto público inferior a 30%. O que resta dos grupos 4 e 5? Todas dedicam a seus Estados algo em torno de 40% do PIB.

E para finalizar… Os dados das 20 maiores economias do mundo (o Brasil é a sétima) apontam que as que possuem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na faixa “muito alto”, na qual infelizmente o Brasil ainda não está, apresentam: 1) relação despesa pública/PIB maior que o Brasil ou 2) despesa pública per capita maior que a brasileira. E mais, 10 das 12 economias com IDH muito alto apresentam Despesa Pública per capita de 4 a 6 vezes maior que a brasileira. O caminho para o desenvolvimento é reduzir os recursos à disposição do Estado brasileiro? Não é o que dizem os números.

IDH (2013) e despesa pública (2014):



Terceira, e última, conclusão final: os dados mostram que o Estado brasileiro, ao contrário do que diz Giannetti, cabe em seu PIB. A afirmação feita pelo assessor econômico da campanha do PSB (que tinha antes Eduardo Campos como candidato e agora tem Marina Silva) não se sustenta, não é comprovável e representa o risco de um retrocesso: voltar ao tempo do desmonte do Estado; tempo este iniciado por Collor e concluído por Fernando Henrique. A discussão que cabe atualmente no Brasil não é mais a da redução do tamanho do Estado. De resto, como demonstramos aqui, o volume do Estado brasileiro está ajustado aos padrões internacionais para uma economia de seu porte. O debate que cabe é sobre como aumentar a eficiência e a eficácia na aplicação dos recursos à disposição do Estado brasileiro. Aumentar o efeito de cada Real aplicado em termos de elevação de bem estar para a população do país. E simplificar a estrutura tributária brasileira, diminuído custos derivados de sua aplicação e aumentando a justiça fiscal diminuindo sua regressividade. Torná-lo cada vez mais republicano e universalista, menos sujeito aos interesses fisiológicos ou corporativistas. Enfim, aumentar sua agilidade na resposta às demandas sociais imensas de um país que ainda possui grandes desigualdades. Ou seja, já temos dificuldades verdadeiras de montão, não precisamos inventar outras… (Fonte: aqui).

(* = André Passos Cordeiro é economista e mestre em Ciência Política).

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Seria interessante colher o entendimento de Giannetti sobre o assunto...
Em economia, como em política... ou, melhor, em todas as atividades da vida há sempre o sujeito que se serve de seus conhecimentos e habilidades para, de quando em vez, tentar tirar proveito, lançando 'máximas' que fortaleçam suas ideias pessoais, confiando em que os circunstantes, esses coitadinhos tão carentes de conhecimento e senso crítico, deixarão o 'ensinamento' passar batido. Faz parte.

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