quinta-feira, 7 de agosto de 2014

RAUL SEIXAS, 25 ANOS

raul Obras-Primas_370569

25 anos da morte de Raul Seixas: um artista reduzido a um bordão

Por Marcelo Moreira

A essência do rock nacional pode ser resumida apenas a um bordão. Ou melhor, o artista que simboliza o rock brasileiro ficou reduzido a um bordão. Por uma dessas injustiças históricas que às vezes abalroam um mito, o famigerado e inacreditável “Toca Rauuuuullll'' que se ouve em bares e em shows, em tom de chacota, a cada dia se torna mais forte, a ponto de, em alguns momentos, suplantar a importância de Raul Seixas, que morreu há 25 anos em São Paulo. Não há como negar: a chatice do bordão, tornando-o insuportável e pejorativo, colou no artista de uma forma desagradável. Raul Seixas não merecia isso.

A coisa é tão complicada que, dependendo da situação, o pedido de “Toca Raul'' provoca brigas e confusões, como narrei anos atrás o que ocorreu em um bar na região de Campinas, quando um bêbado encheu tanto a paciência da banda que estava no palco que provocou uma briga generalizada.

O mito superou a realidade? O bordão faz justiça à carreira do cantor baiano? Na verdade, isso tudo faz alguma diferença? Amado a ponto de ser considerado messias por uns, e contestado por outros, considerado um artista superestimado e superdimensionado por outros, Raul Seixas conseguiu o que só roqueiros ingleses e americanos obtiveram: tornou-se um símbolo de um gênero musical no Brasil.

Não é possível falar de rock por aqui sem lembrar de Raul, tamanha a a sua onipresença – para o bem e para o mal. Diante da fragilidade do gênero musical no Brasil, em especial nos anos 60 e 70, e da falta de verdadeiros concorrentes à altura, ficou fácil para o cantor baiano tomar conta de tudo – só Rita Lee era capaz de rivalizar com ele.

Mutantes e Secos & Molhados? Não tiveram metade do carisma e da presença artística do cantor baiano. Falta de competência da concorrência? Pode ser, mas isso não era problema de Raul, que teve os seus méritos para aglutinar a cativar a aura mítica de messias e de gênio, ainda que não o fosse.

Em terra arrasada, qualquer vestígio de competência é um grande impulso para o estrelato eterno.

Culpa de Raul? Sim, por ter demonstrado competência e e inteligência em um mercado que quase nunca soube entender o que era rock, o seu poder e o seu significado. Mesmo a aproximação frequente com artistas da MPB não foi suficiente para nublar a postura e a imagem que ele assumiu para si: a do roqueiro esperto, malandro, inteligente, astuto e ousado, com pitadas de maluquice beleza.

Sua relevância pode ser medida pela escolha de Bruce Springsteen quando tocou no Brasil n ano passado: o cantor e guitarrista norte-americano, em cada país onde tocou em sua turnê mundial, abria os shows com uma música importante de um artista importante do país local. Nos shows de São Paulo e no Rock in Rio 2013, abriu suas apresentações com “Sociedade Alternativa'', um hit de Raul Seixas.

Ninguém melhor do que ele fez isso no Brasil, e nada mais justo do que Raulzito se tornar sinônimo de rock nacional no Brasil – para o bem e para o mal, seja pelo pioneirismo , seja pela esperteza ou mesmo inteligência mercadológica. Esses méritos são indiscutíveis, mesmo que tenha dado origem a um messianismo insuportável e a uma deificação injustificável.

Raul Seixas nos primórdios de sua carreira (Foto: Ivan Cardoso/Divulgação)
Raul Seixas nos primórdios de sua carreira

Legado incontestável, obra nem tanto
Músico razoável e cantor nem tanto, Raul Seixas teve o grande mérito de cair de cabeça no rock and roll primeiro do que todo mundo neste país tropical e de avançar até onde nenhum artista brasileiro na época ousou.

Seixas era radical e culto, tinha estofo para se mostrar contestador sem ser revolucionário. Tinha jeito e coragem (ou inconsequência) para ser provocador como Chico Buarque foi em algumas de suas letras.

Se os Secos & Molhados chocavam e posavam de transgressores por conta das maquiagens e posturas de palco, Seixas e seu jeitão de hippie deslocado mostrava que ia muito mais além na transgressão com o mergulho fundo no rock e nos aditivos ilícitos – em vários momentos ao lado do amigo doidão e letrista ocasional Paulo Coelho.

O problema é que Raul Seixas foi o único a fazer isso, a fazer rock realmente em uma era dominada por uma música popular supostamente de protesto mas que pouco ou nada serviu de alento, ao menos culturalmente.

Era a mesma MPB engessada de sempre, calcada na canção e no samba, com ecos da bossa nova encardida e plagiada do jazz norte-americano e na farsa do Tropicalismo, envolto em pseudo-intelectualismo barato.

Raul foi muito mais além do que qualquer um em sua época, e tem méritos por isso. Se é que existiu alguma forma de transgressão nos anos 70, época de chumbo do regime militar, essa transgressão era Raul Seixas.

E o músico baiano teve a sorte grande de ter sido o único a fazer isso de forma tão intensa, e usou o rock, o melhor instrumento para esse tipo de transgressão (ou suposta transgressão). E grande parte de sua fama decorre justamente disso, da falta de concorrentes à altura.

Por conta disso, o mito Raul Seixas – artista radical, maldito, marginal – se sobrepõe à real qualidade de sua obra musical, que nunca passou de mediada. Sua melhor música é no máximo razoável. Ok, nunca foi a ambição dele, em termos musicais, de ser inovador, ambicioso ou ousado em demasia. Inovação não era com ele, e isso fica claro em sua obra.

O trabalho do cantor baiano, que  foi executivo de gravadora no começo dos aos 70, é milhões de vezes superior ao de qualquer artista que achava que fazia rock na época, como Secos & Molhados e os Mutantes, mas ainda assim não passava de razoável.

Suas músicas se tornaram trilha sonora da contracultura e de certa pseudointelectualidade de esquerda por ser palatável e adaptável aos lugares comuns dos discursinhos chatos e vazios de estudantes equivocados.

Também era a trilha sonora perfeita para ambientes pseudopolíticos infectos, como centros acadêmicos de faculdades – a maioria de quinta de categoria – e botecos de pinga nas proximidades das mesmas faculdades. E, com certeza, 85% dessa gente que se apropriou da obra de Raulzito ignorava por completo o significado das letras – e, dependendo da música, acho que até o próprio autor desconhecia.

Ainda que a importância da obra de Raul Seixas seja incontestável, assim como sua figura como símbolo máximo/sinônimo do rock brasileiro, em termos musicais não para constatar: é artista superestimado e cujo mito é muito maior do que a qualidade de sua obra. E o mito ainda tem mais força do que se imagina, pois ainda é capaz de impregnar duas gerações após a sua morte com “sua mensagem”.

Não creio que era esse o destino que o músico baiano imaginava para o seu legado: quase ser suplantado por um bordão e virar trilha sonora de gente equivocada e com pouca bagagem intelectual de um lado; de outro, de se tornar sinônimo de chatice e inconveniência com o bordão “Toca Raul!”.

Ele merecia isso? Eu achava que sim, por conta da chatice de muitas de suas músicas. Mudei de ideia: reavaliando, ele não merecia passar por isso, justamente porque, goste-se ou não (e eu não gosto que seja assim, a a vida é assim), ele se tornou sinônimo de rock brasileiro. Jamais poderia ter sido reduzido a um bordão. Quem sabe não seja por isso, entre tantas outras coisas, que o rock nacional tenha mergulhado em tamanho ostracismo?

(Clique AQUI para ir à fonte e ouvir, no rodapé da matéria, 'player' com o programa Combate Rock sobre Raul Seixas - clássicos e crítica).

................
Raulzito era simplesmente filho do rockabilly, rock and roll ingênuo dos garotões dos anos 50, originário de cantores negros de Blues, gênero que deu origem a inúmeras bandas e astros norte-americanos (Elvis...) e a grupos ingleses (The Beatles, The Rolling Stones...), que sacudiram (também) a juventude brasileira, culminando com a Jovem Guarda. O baiano Raulzito integrou a banda 'Os Relâmpagos do Rock' (depois 'The Panthers', depois 'Raulzito e Os Panteras'), para em seguida passar a produtor da CBS, após o que retornou ao palco; amante da contracultura, firmou parcerias e expandiu suas próprias composições (com Paulo Coelho; no final, Marcelo Nova), e, de fato, não merecia ser reduzido a um bordão...

Nenhum comentário: