quinta-feira, 7 de agosto de 2014

JUDEUS BRASILEIROS PELA PAZ

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Intelectuais judeus brasileiros colocam em xeque conflito na Faixa de Gaza

Por Patrícia Dichtchekenian

A operação “Margem Protetora” dividiu a comunidade internacional entre o direito de defesa do Estado de Israel contra o Hamas e a crítica em relação às mortes “desproporcionais” de civis palestinos. Entre denúncias de antissemitismo de um lado e de limpeza étnica de outro, intelectuais judeus brasileiros colocam em xeque decisões tomadas pelo governo de Netanyahu e debatem perspectivas diferentes às da comunidade judaica tradicional.

“Não acredito que a existência de nós, judeus, no presente e no futuro, dependa da existência de um Estado judeu - argumento utilizado por aqueles que sustentam a defesa militar israelense por quaisquer meios que justificam o fim”, afirma o antropólogo Marcelo Gruman a Opera Mundi. “Recuso-me a acumpliciar-me com esta agressão. O Exército israelense e o governo ultranacionalista não me representam”, completa.

Para Gruman, a “sacralização do holocausto” serviu como justificativa do governo israelense para permitir ações como a operação “Margem Protetora”, em funcionamento na Faixa de Gaza há pelo menos quatro semanas. “Não aceito a justificativa de que o holocausto judaico na Segunda Guerra Mundial seja o exemplo claro de que apenas um lar nacional único e exclusivamente judaico seja capaz de proteger a etnia da extinção”, diz.

Além disso, o antropólogo critica certa “visão etnocêntrica”, reproduzida pelas gerações pós-Guerra, que reforça que a dor vivida pelos judeus seja superior a qualquer dor sofrida por outros grupos étnicos. “Certa vez, ouvi de um sobrevivente de campo de concentração que não há comparação entre o genocídio judaico e os genocídios praticados atualmente nos países africanos, por exemplo, em Ruanda. Como este senhor ousa qualificar o sofrimento alheio? O sangue de uns vale mais que o sangue de outros?”, questiona.

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No curto prazo, o antropólogo não vê paz. Para ele, tanto o Hamas quanto os religiosos e nacionalistas israelenses “demonizam o outro e estão contaminados pela intolerância do discurso religioso, pela convicção de que o ‘outro negativo’ deve ser eliminado, porque é inferior”, diz. “Espero, apenas, que o discurso do ódio não se espalhe e que as novas gerações de palestinos e israelenses aprendam a conviver em paz e harmonia, num mesmo espaço geográfico”, pondera.

O sionismo também é um humanismo 

Para Sérgio Storch, professor de gestão organizacional e militante sindical, um dos pontos que atrapalha o debate acerca do conflito é um grande preconceito e desinformação da sociedade em relação ao sionismo – muitas vezes vinculado como um extremismo judeu e até como uma espécie de imperialismo. Segundo Storch, há muitos tipos de sionismo, inclusive o sionismo humanista.

“O sionismo é uma identificação afetiva com Israel, independentemente de quem está à frente da chefia do Estado. Não se trata de uma questão religiosa, mas é um idealismo que se cultiva. Nesse sentido, o sionismo é amplo e sempre teve uma vertente de tudo; da direita à esquerda, do conservadorismo ao progressismo”, diz.

Fundador de grupos como o Shalom Salaam Paz e a rede JuProg (Rede Brasileira de Judeus Progressistas), Storch se caracteriza como um crítico ao governo de Netanyahu, mas jamais contra o princípio do Estado de Israel.

“Infelizmente, a hegemonia do governo é uma coalizão de direita, com colonos dos assentamentos, religiosos fanáticos e fascistas. Jamais serei contra Israel, mas sou engajado em ver esse governo cair”, explica.

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Na última semana, Storch ajudou a organizar uma dinâmica com movimentos juvenis judaicos progressistas em São Paulo. Grupos como Habonin Dror, Hashomer Hatzair, Chazit Hanoar e Fórum 18 se encontraram pela primeira vez para debater o atual conflito. “A principal marca da reunião foi um despertar da consciência dos jovens, que não encontram em seus pais fontes de esclarecimento para o conflito, pois a comunidade judaica brasileira é muito desinformada”, afirma.

“Toda essa garotada é crítica ao governo israelense. Estão muito perplexos com o que está acontecendo e agora correm atrás de informações. Estou articulando com pessoas de gerações mais maduras pra ajudarmos os jovens a avançarmos a um sionismo progressista e crítico”, conta.

“Eu acredito que esse conservadorismo vai mudar, não pelas forças internas israelenses, mas pela pressão internacional e principalmente pelas forças que estão despertando nas comunidades judaicas internacionais. Eu vejo um futuro positivo, mas que depende do amadurecimento da esquerda israelense”, completa Storch.

Feminismo pela paz

Na luta pela resolução do conflito, há uma série de grupos em Israel a favor da paz e que têm um posicionamento diferente do governo de Israel, aponta a psicóloga Rachel Moreno, judia sefardita nascida no Egito. E alguns dos que se destacam são feministas, conta.

Um deles é o “Bat Shalom”, organização feminista formada por mulheres judias e árabes israelenses que trabalham juntas por direitos humanos e por uma resolução pacífica para o conflito entre Israel e Palestina. Outro é o “Women in Black”, movimento contra guerra fundado por mulheres israelenses em Jerusalém em 1988 após a Primeira Intifada.

“Via de regra, as mulheres são as principais vitimas de um conflito armado, embora haja, nesse caso específico, diferentes posturas”, analisa Moreno. “Por exemplo, as mulheres de Israel servem ao Exército e participam do serviço militar. Apesar disso, elas também sofrem e lidam com as sirenes, com o medo de perderem seus filhos”, diz.

“Na mesma linha, entre as palestinas, há aquelas que topam e aderem se sacrificar pela pátria e permitem que suas crianças usem uma cinta de explosivos, assim como há aquelas que sofrem e choram pela escolha de seus filhos em se arriscar pela causa”, completa Moreno.

Ode ao debate inteligente

“É muito complicado discutir esse tema. Somos moderados, mas ainda dissonantes em relação à comunidade judaica, marcada por um sionismo de direita que não conversa com outras vozes”, afirma Jairo Degenszajn, presidente do centro cultural israelita Casa do Povo. “Acredito que as federações que estão na liderança não representam todas as opiniões da comunidade”, completa.

Com mais de 60 anos de tradição, a Casa do Povo retomou suas atividades culturais - que incluem exposições, espaço de debates e temporadas teatrais - no ano passado. “Nós assinamos um manifesto proposto por instituições judaicas progressistas bastante crítico em relação à situação que acontece em Gaza. Nós sempre tivemos uma visão universalista mais cultural, não territorial ou religiosa”, explica.

Aos olhos de Degenszajn, este conflito não pode ser analisado isoladamente, mas deve ser entendido a partir de um contexto histórico. “Para ter um mínimo de conversa, temos que partir da premissa de que para discutir paz na região é preciso o reconhecimento de dois Estados para dois povos, não a extinção de um deles. Além disso, acredito que os argumentos de autodefesa são insuficientes pra justificar a questão de paz”, diz.

Segundo Degenszajn, a tarefa de dialogar com todas as partes torna-se mais complexa, tendo em vista fenômenos como o ‘self-hating’, isto é, quando os próprios judeus sofrem hostilidades dentro da comunidade judaica – como foi o caso da pensadora Hannah Arendt. “Nossa proposta é gerar discussões minimamente inteligentes, sem que se caia em ‘brigas de torcida’. Se queremos esse tipo de debate, um lugar para isso é a Casa do Povo”, conclui. (Fonte: aqui).

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O artigo acima foi redigido antes da trégua em curso, mas o propósito deste blog é ressaltar a seguinte contradição: enquanto integrantes da própria comunidade judaica protestam contra a desproporcionalidade e selvageria dos atos praticados por Israel e pedem a paz imediata, lideranças evangélicas brasileiras oferecem apoio integral a Netanyahu e, Malafaia à frente, condenam o Brasil por haver emitido nota deplorando o massacre infligido por Israel aos palestinos.
Fanatismo é por aí.

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