sexta-feira, 1 de agosto de 2014

AUMENTO REAL DO SALÁRIO MÍNIMO, UM GARGALO FICTÍCIO


A produtividade e o discurso contra a distribuição de renda no Brasil

Por Pedro Rossi

Os críticos à atual política econômica sustentam que o crescimento é comprometido pelos excessivos aumentos de salário mínimo e, de forma sutil, defendem que a distribuição de renda seja posta em segundo plano. É a reedição da ladainha do bolo, que se espera crescer, para depois distribuir.

O modelo de distribuição de renda, cujos pilares estão nas políticas de aumento do salário mínimo e de transferências de renda, está sendo questionado no debate público brasileiro. Esse questionamento ganhou força com a desaceleração do crescimento dos últimos anos e já assume a forma de discurso, reproduzido sistematicamente por parte dos economistas e do jornalismo econômico. Diante disso, vale um olhar mais atento sobre os argumentos que sustentam esse discurso.

Durante muito tempo, a literatura econômica dominante negou a necessidade de políticas de Estado voltadas para distribuir de forma mais equitativa os resultados do progresso econômico. O tema das transferências de renda ficou restrito às políticas de focalização para atender à extrema pobreza que, admitia-se, por alguma falha de mercado coexiste com o desenvolvimento econômico. Por detrás desse paradigma está a ideia de que a criação de riqueza depende de incentivos de renda e por isso a desigualdade é funcional ao crescimento.

Nessa perspectiva, ao longo do processo de desenvolvimento, os excessos de concentração da renda seriam corrigidos automaticamente pelo próprio mercado, na medida em que houver transferência de mão de obra dos setores de baixa produtividade para os setores modernos da economia, conforme ilustrado pela metáfora que compara o crescimento econômico com uma maré enchente que levanta todos os barcos.

O discurso antidistributivo traz essas referências, às vezes de forma explícita, como é o caso do conceituado economista americano Gregory Mankiw, que defende a desigualdade de renda e justifica os super salários do setor financeiro, alegando que esses refletem a meritocracia e estão de acordo com a contribuição econômica que esses agentes proporcionam à sociedade (ver artigo “Defending the One Percent”).

Já a versão brasileira do discurso antidistributivo raramente explicita essas ideias, e prefere construir uma argumentação à sombra da ideia de produtividade. O aumento dos salários acima da produtividade, diz o discurso, reduz as taxas de lucro e desestimula o investimento, o que tende a gerar desemprego e baixo crescimento. Armínio Fraga, por exemplo, argumentou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que o crescimento econômico foi comprometido pelos excessivos aumentos de salário mínimo.

Nesse discurso há, portanto, um dilema de curto prazo entre crescimento e as políticas distributivas. De forma sutil, mas direta, coloca-se em primeiro plano o crescimento e em segundo plano a distribuição de renda, e pressupõe-se que o primeiro plano conduzirá a uma melhora espontânea do segundo. Visto de outra maneira, esse discurso reedita a velha ladainha do bolo, que se espera crescer, para depois distribuir.

Esse discurso apresenta dois problemas centrais: primeiro, a produtividade é um indicador muito importante, mas é uma variável de resultado, um termômetro ou um sintoma do que acontece na economia (e por isso depende da expansão dos investimentos, capacidade ociosa, mudanças tecnológicas etc.) e não uma causa ex-ante. Ou seja, a produtividade tem um componente endógeno ao ciclo econômico, e não é totalmente exógena como propõe o discurso. Segundo, nessa leitura os salários são vistos exclusivamente pelo lado da oferta, como custos de produção, e não como variável de demanda, com capacidade de criar mercados.

Ao combinar essas duas críticas, tem-se que os aumentos de salários podem induzir aumentos da produtividade. Ou seja, diante da expansão do mercado interno provocada pelo aumento de poder de compra dos assalariados, as firmas aproveitam economias de escala e se tornam mais produtivas, o que resulta em crescimento com distribuição de renda. Esse círculo virtuoso ocorreu no Brasil, entre 2004 e 2008, quando a distribuição de renda dinamizou o mercado consumidor doméstico, o investimento agregado e a produtividade, o que permitiu novos aumentos de salários.

Nesse sentido, a discussão importante não é impedir elevações salariais para aumentar a produtividade, mas como distribuir renda e aumentar a produtividade simultaneamente. Trata-se de discutir um modelo econômico, no qual a questão social esteja no centro do projeto de desenvolvimento, e no qual, para sustentar a distribuição de renda e o avanço das políticas sociais, sejam implementados amplos investimentos em infraestrutura, além de incentivos à modernização da estrutura produtiva e políticas que evitem o vazamento da demanda interna para o exterior, por meio das importações.

Com esses elementos, pode-se reforçar a aposta em um modelo inclusivo, em que a distribuição de renda e o mercado interno sejam o motor dinâmico.

Por fim, não há oposição direta entre a distribuição de renda e o crescimento, tampouco entre os aumentos entre o salário mínimo e a produtividade. Há, por outro lado, um conteúdo ideológico no tratamento do tema da produtividade e um discurso montado para esconder um viés antidistributivo.

A politização da produtividade, como discurso, é pano de fundo de um amplo programa de “ajustes” na economia – que inclui a redução do papel do Estado, a flexibilização do mercado de trabalho e a revisão da regra de salário mínimo – cuja implementação pode ter como resultado a restauração de um modelo econômico concentrador de renda no Brasil. (Fonte: aqui).

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