segunda-feira, 21 de julho de 2014

QUESTIONANDO O PIB


A idolatria do PIB

Por Eduardo Gianetti

O PIB é uma invenção recente. A ideia de medir a variação do valor monetário dos bens e serviços produzidos a cada ano surgiu no período entreguerras, mas foi só nos anos 50 que os órgãos oficiais passaram a publicar dados de PIB para os diferentes países. Adam Smith, Ricardo, Marx e Mill jamais foram instados a prever o PIB do ano ou trimestre seguintes.

De lá para cá, o culto do PIB como métrica de sucesso ou fracasso das nações virou uma espécie de religião do nosso tempo. O crescimento é o objetivo supremo em nome do qual governos são eleitos ou rejeitados nas urnas e um antropólogo marciano poderia até imaginar que a sigla PIB nomeia a nossa divindade-mor na vida pública enquanto o consumo dá sentido à existência na esfera privada.

Além do passivo ambiental, a idolatria do PIB tem causado graves prejuízos ao bem-estar humano. Dois exemplos recentes ilustram isso.

Uma pesquisa pioneira, publicada no periódico "Proceedings of the National Academy of Sciences" em 2013, comparou populações sujeitas a diferentes níveis de poluição do ar nas regiões norte e sul da China e avaliou o seu impacto de longo prazo (décadas) sobre a saúde (doenças cardiovasculares e câncer de pulmão).

O estudo mostra que uma elevação de 100 microgramas de matéria particulada por metro cúbico de ar corresponde a uma redução de três anos na expectativa média de vida ao nascer. Como a diferença entre o norte e o sul da China é de 185 microgramas por metro cúbico, isso significou uma perda de cinco anos e meio de vida per capita para os habitantes do norte em relação ao sul.

Some-se a isso o fato de que 10% da terra cultivável na China está contaminada por poluentes químicos e metais pesados, e que metade da água suprida nas cidades é imprópria para banho, e se verá que o espetáculo do PIB chinês, como um Otelo sem Iago, oculta um elemento crucial da trama.

No Brasil, o afã de acelerar o crescimento no curto prazo levou o governo a tomar um atalho. Em vez de concentrar esforços na melhoria do transporte coletivo, optou-se por medidas de estímulo à venda de automóveis: isenções tributárias, crédito farto e gasolina subsidiada. Entre 2003 e 2013, a frota de carros particulares passou de 23,6 milhões para 43,4 milhões de veículos.

O resultado do erro pode ser medido em tempo de vida. Um cidadão que gaste três horas por dia em média para ir e vir do seu local de trabalho ou estudo passará cerca de quatro anos e meio da sua vida encalacrado no inferno urbano das nossas metrópoles. O PIB silencia, mas o bem-estar acusa.

Pior que crescer pouco ou crescer mal, só mesmo uma combinação judiciosa das duas coisas. E não é que o Brasil tem conseguido! (Fonte: aqui).

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A questão é que o jogo do poder é impiedoso: se se aciona o freio de arrumação em políticas públicas e econômicas que em contrapartida impliquem redução ou estagnação do PIB, adeus chance de o poder ser preservado: qualquer recessão, mesmo cíclica, será fatal. 

O questionamento do PIB, convém lembrar, já foi tratado neste blog, quando abordamos o Índice de Progresso Social:

"...A ideia do IPS é avaliar 'se um país pode satisfazer as necessidades básicas de seu povo' e se tem 'infraestrutura e capacidade para permitir que seus cidadãos possam melhorar a qualidade de suas vidas e alcançar seu pleno potencial'.

O índice mostra que o crescimento econômico não leva automaticamente ao progresso social', afirma Michael Green, diretor-executivo da organização sem fins lucrativos Social Progress Imperative, que publica o índice. 'Se queremos enfrentar problemas como a pobreza e a desigualdade, o índice mostra que medir o crescimento econômico por si só não é suficiente', completa. (...)". (Fonte: aqui).

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