sexta-feira, 11 de outubro de 2013

DAWKINS E O ATEÍSMO


Richard Dawkins: o ateísmo militante

Por Danilo Paz

Richard Dawkins dispensa apresentações. O mais influente biólogo da atualidade, autor de 'O Gene Egoísta', 'O Relojoeiro Cego' e 'Deus, Um Delírio', é famoso por sua postura antirreligiosa e sua filiação à corrente evolucionista de Charles Darwin. Nessa palestra, o cientista levanta alguns pontos importantes sobre a relação entre a religião (em especial o cristianismo, mas não exclusivamente) e a ciência.

Dawkins critica, principalmente, o estilo explicativo da religião, citando o saudoso Douglas Adams. Segundo o biólogo, o principal argumento da Igreja para a existência de um deus superior é o design inteligente, ou seja, a complexidade dos seres vivos e sua harmonia são tão exuberantes que só poderiam ter sido criadas por um ser ainda mais complexo. A crítica que se faz a esse argumento é que esse ser superior também precisaria ter sido criado por um outro ser (de outro lado, teria surgido do nada. Como explicar, então, sua própria complexidade?).

A justificativa que os cientistas dão a esse design inteligente é o evolucionismo. A complexidade não surgiu do nada, mas de uma série de adaptações a circunstâncias externas ao longo dos anos. Obviamente, a teoria da evolução é perigosíssima para a religião, uma vez que desconstrói sua base estruturante. Justamente por isso, o cristianismo se ocupou - durante todas essas décadas - a tentar desmoralizar Charles Darwin e sua explicação científica.

Dawkins, então, traz algumas crenças que devem, sim, ser consideradas. Aliadas a estas, acrescentarei algumas que julgo pertinentes. Vamos a elas:

1. O ateu é uma pessoa desprovida de critérios morais.

Quando alguém se declara ateu hoje em dia, deve fazê-lo quase em tom de desculpas, meio que "olha, não me leve a mal, mas eu... bem... sou ateu", como se isso fosse algo pelo qual devesse se envergonhar. Em geral, as pessoas ficam com a impressão de "o que será que deu errado? Ele é tão legal e educado, não pode ser ateu". Fazendo uma comparação, ser ateu é quase como ter uma suástica tatuada na testa (e o símbolo original da suástica, todos sabemos, sequer se refere ao nazismo, mas é assim que foi deturpado).

Há que se fazer uma separação: a consciência moral não se vincula necessariamente à religião. É, sim, possível ser uma pessoa com critérios éticos claramente definidos e, simultaneamente, ser ateu. Em verdade, arrisco-me a dizer que sequer exige relação alguma entre religião e "bondade" ou "caridosidade". Talvez o haja em discurso, mas a prática insiste em fornecer provas em contrário.

2. O ateísmo é uma minoria respeitada.

Mentira. É verdade que o mundo tem passado por significativos avanços ao longo dos séculos, em especial quanto ao respeito a negros, mulheres, deficientes e homossexuais. Na contramão desse processo, porém, os ateus continuam marginalizados à obscuridade. A sociedade não aceita que as pessoas não compactuem de sua religião.

O motivo desse racismo velado é eminentemente político-social. É cômodo no Brasil ser católico. Primeiro, porque ninguém lhe faz perguntas ("você é católico?! Mas por que? O que te aconteceu?"). Segundo, porque cria um sentimento de unidade e pertencimento inclusivo (Bauman, acertadamente, sempre criticou esse "patriotismo"). E, terceiro, porque oferece uma ótima perspectiva de vida após a morte (o eterno vício do apego - não basta viver, é necessário viver para sempre).

3. Religião e política.

Dawkins cita o exemplo de George Bush pai (e eu cito José Sarney), que afirmou que os ateus não podem ser considerados cidadãos. Veja bem, essa frase é excessivamente forte. Não poder ser considerado cidadão significa não ser titular de direitos e deveres na ordem civil (ou, em sentido estrito, não ter capacidade eleitoral, ou seja, direito a votar e ser votado).

Toda vez que vejo essas tentativas de diminuir o status humano de alguém, me recordo do ótimo Django Livre, do Tarantino, em especial as várias cenas em que os fazendeiros brancos se chocam ao ver o protagonista (negro) cavalgando ("A nigga on a horse?!"). Mal comparando, é mais ou menos o que a classe política intransigente quer dizer quando relega os ateus ao subplano dos não-cidadãos: não podem andar de cavalo, sair na rua, participar das discussões políticas, enfim, não podem conviver socialmente no mesmo plano que nós, normais.

Por qual motivo os políticos podem, impunemente (tanto pela Justiça quanto pelas urnas) professar em alto e bom som seu desprezo pelo ateísmo? Simples: os ateus são uma minoria acanhada, tímida. Ser ateu, como já disse, é um ato de vergonha. A igualdade, ao menos nesses termos, tem historicamente andado para trás.

4. Somos todos ateus

É engraçado o pensamento que Dawkins expõe sobre o fato de sermos todos ateus. Afinal, ninguém acredita na religião dos outros (embora eventualmente a respeite). O que diferencia, por exemplo, os católicos dos ateus em sentido estrito é que aqueles acreditam em um deus a mais do que estes. Ambos, contudo, concordam que Apolo não existe. Mais que isso, convergem em chamar a antiga religião grega de "mitologia". Já aprendi que as palavras são perigosas: chamar uma religião de mitologia revela muito sobre como encaramos as divindades que não nos apetecem.

5. Ateísmo Militante

Richard Dawkins, por fim, propõe que os ateus sejam "menos educados" ou seja, exponham ferrenhamente sua posição para, dessa forma, mostrar à sociedade que, sim, existem e devem ser respeitados (e não tolerados) como cidadãos titulares de direitos, deveres e interesses. Para o biólogo, essa é a única forma de balancear uma equação já bastante viciada por interesses diversos que não apenas religiosos.

Não compactuo dessa filosofia, mas fica registrada a opinião para reflexão.

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Não sou ateu, mas defendo fortemente o direito de todos se manifestarem em alto e bom som sobre aquilo que acreditam, desde que isso não tenha o propósito de agredir direitos alheios. É claro que o preconceito aos ateus é uma antiga forma de ofensa a um legítimo modo de pensar. A sociedade está longe de corrigir seus erros históricos para com essa minoria, mas cada um tem o poder de fazer sua parte.

A exposição de Dawkins é essencial nos dias de hoje, mas não significa que esteja certa - esse, afinal, é um debate em que não há certo ou errado. É importante porque fornece um contraponto sobre tudo aquilo que somos ensinados a acreditar. As ideias, afinal, são formadas assim: pontos e contrapontos que se chocam, desconstroem-se e ressignificam-se.

http://danilocpaz.blogspot.com.br/2013/07/richard-dawkins-ateismo-militante.html

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Se bem que, há algum tempo, Dawkins como que andou se 'retratando', conforme se pode ver no youtube... (Mas... seria mesmo uma retratação? - aqui).

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