sábado, 23 de fevereiro de 2013

PEQUENAS ESQUISITICES

Wejp-Olsen.

Por Ivan Angelo


Não sei se neste espaço já falei de gente que tem alguma esquisitice. Devo ter falado, mas a capacidade que as pessoas têm de criar pequenas manias para se acomodar à realidade com mais conforto é sempre surpreendente.Todo mundo sabe de algum caso, uns raspando a normalidade, outros resvalando pela loucura. Um disfarçado como jogo, outro trazendo escondido o incontrolável.
Tenho um amigo muito culto, insaciável comprador de livros, de músicas e de filmes. Bom leitor, não dispensa dicionários, de diversas especialidades, completos, nunca resumidos. Contradição: odeia dicionários pesados, volumosos, difíceis de manusear. Aí entra uma das suas esquisitices: é freguês de um encadernador a quem encarrega de dividir seus grossos volumes em quatro ou cinco volumes, leves, fáceis de consultar, encadernados com as características do original.
Uma prima da minha mulher tem mania de limpeza. Seria ótimo, se não fosse exagero. Lava a casa inteira todo dia, a roupa de cama todo dia, não se aguenta de cansada. Entre uma queixa e outra, lava as mãos várias vezes. É maluca? Um pouco. Por trás do seu comportamento exagerado, percebe-se uma revolta impotente contra a sujeira do mundo, uma compensação por não poder fazer nada.
Outro caso. Um homem que só conheço de banca de supermercado me confessava enquanto escolhia rabanetes:
— Odeio rabanetes!
— Como? Então vive com alguém que adora. Tá sempre comprando.
— Não, compro para mim mesmo! Cara, eu como de tudo, e gosto, como com prazer. Como ostra, escargot, cogumelos, jiló, quiabo, jacaré, buchada de bode, dobradinha, sarapatel, rã, tanajura, frango de hospital, fígado, miolos, mocotó, chouriço de sangue, raiz forte... O que vier eu traço bem, adoro. Tenho um enguiço é com rabanete. Compro e como um ou outro com raiva, para ver se venço a ojeriza. Cara, não dá! Esse gosto de terra ardida não me vai. É um vegetal com bafo, tá entendendo?
Tem um cara que está piorando aos poucos. É viciado em palavras cruzadas e há algum tempo começou a brincar usando na conversa conceitos das cruzadas. Foi levando a brincadeira como conversa espirituosa, um jogo de adivinhação, e aos poucos começou a confundir as coisas. Em vez de “pegar um sol”, ele podia dizer:
— Vou pegar um astro-rei com três letras.
Parecia falar por enigmas quando dizia “o lábaro, com oito letras; do time onde brilhou Pelé, com seis letras; terceira pessoa do presente do indicativo do verbo ter, com três letras; artigo definido feminino plural, com duas letras; plural de cor, com cinco letras; preposição mais artigo, com duas letras; clube do Parque São Jorge, com onze letras” — tudo isso para dizer: a bandeirado Santos tem as cores do Corinthians. Coitado, hoje evitam falar com ele.
A melhor e insuperável história de esquisitices é a do homem do bairro de Perdizes que fala sozinho na rua, em voz alta, e tinha vergonha disso. Uma coisa incontrolável, numa pessoa de classe média, de roupas convencionais, camisa de colarinho, calças com cinto na altura do umbigo, sapatos de couro. Pois ele, de tanto observar gente falando ao celular na rua, teve um lance de gênio: comprou um aparelho, mesmo sem chip de linha, e anda com ele no ouvido esbravejando pelas ruas, parques e aeroportos, como se falasse com alguém, imerso no seu solilóquio, agora sem constrangimento, confiante, como um de nós. (Fonte: aqui).

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