sábado, 14 de julho de 2012

COISAS E CAUSOS


Do arco da velha

Por Carlos Herculano Lopes

Que no Ceará, no Piauí e nas Alagoas o macaco avoa e cão chupa manga, não é segredo para ninguém. Está mais do que cantado em livretos de cordel ou no testemunho de escritores famosos, como Raimundo Carrero, de quem tenho a honra de ser amigo. Pernambucano, ele jura ter presenciado situações tão ou mais incríveis que essas. É claro que acredito nele, porque aqui em Minas também acontecem coisas do arco da velha.

Algumas, me contaram, como Idelfonso Malaquias, em Coluna, que afirma ter colocado uma suçuarana para correr com uma varinha de bambu. Ou Cirineu Rocha, que também jura ter pegado uma urutu pelo rabo. Fatos semelhantes, que agora não vêm ao caso, cheguei a presenciar.

Só que macaco avoar ou cachorro chupar manga ainda não vi. Mas um cavalo sim, como pude comprovar há pouco tempo, lá mesmo na terra, durante o período em que estive ausente do Estado de Minas. Foi ali, no Bar do Joel Porto, que Idelfonso e Cirineu narraram suas aventuras.

Quanto a mim, estava cismando sobre a vida no terreiro da nossa casa, onde existe uma mangueira baixa, que se encontrava carregada de frutos. Olhava para um tico-tico. Cumprindo sua sina, fazia das tripas coração para alimentar um filhote de melro, duas vezes maior do que ele, quando, sem mais nem menos, um dos cavalos da fazenda, cujo nome não por acaso é Lampião, foi se adentrando. A empregada, sem querer, havia deixado a cancela aberta.

Até aí tudo bem se o animal, depois de me olhar de um jeito estranho, que fez meu coração começar a bater com força, não tivesse se dirigido para a mangueira. “Vai buscar sombra”, pensei. Mas não, pois de repente o Lampião (também juro, pela alma do gato), levantou a cabeça e, num lance rápido, como o bote da cascavel, abocanhou uma manga.

De um salto me levantei do banco, pensei em fazer o nome do Padre e voltei as atenções para o cavalo, que, com os olhos fixos nos meus, começou o processo de mastigação, para pouco depois cuspir o caroço. Em seguida, depois de abrir a boca, como se bocejasse, voltou-se de novo para a árvore e zás, pegou outra fruta. “Isso só pode ser coisa do tinhoso, do ferrabrás, como já disse Guimarães Rosa”, me veio à cabeça.

Mas não tive tempo para novas divagações a respeito ou não da existência do demo, que costuma, segundo o escritor, se apresentar de diversas formas. Ali, debaixo da mangueira, bem que poderia estar na pele do Lampião. Tempo não deu porque o próprio, num outro lance espetacular, quando as frutas fugiram ao alcance da sua boca, se encostou no tronco da árvore e começou a balançá-la. Os relinchos, que fizeram voar o tico-tico e o meu coração quase sair pela boca, eram como um ronco. Coisa dos infernos.

De volta a BH, me peguei pensando que, façanha igual, só poderia ser comparada a uma que me foi contada pelo amigo Arnaldo Viana. Durante uma pescaria no São Francisco, na companhia de Wander Piroli e do curvelano Ricardo Eugênio, garante ter fisgado um capiroto pequeno, mas com chifrinhos proeminentes. Porém, essa é outra história que, quem sabe, ele irá narrar em uma de suas crônicas, que a partir de amanhã – e todos os sábados – teremos a alegria de ler.

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Textos sobre causos são sempre interessantes, e o acima, de quebra, ainda faz alusão ao saudoso Wander Piroli, escritor mineiro com quem mantive contato nos anos 1990, autor de preciosidades como "Os rios morrem de sede" e o inesquecível "A mãe e o filho da mãe". Piroll faleceu em 2006.

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