terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O PREÇO DA ORTODOXIA EUROPEIA


Dor sem ganho

Paul Krugman

Na semana passada, a Comissão Europeia confirmou o que todo mundo já suspeitava: as economias que ela monitora estão encolhendo, não estão crescendo. Ainda não é oficialmente uma recessão, mas a única pergunta verdadeira é: qual será a profundidade do declínio?

E este declínio está atingindo nações que nunca se recuperaram da última recessão. Apesar de todos os problemas dos Estados Unidos, o seu produto interno bruto finalmente ultrapassou o pico pré-crise; o da Europa, não. E algumas nações estão sofrendo em níveis da Grande Depressão: Grécia e Irlanda têm quedas de dois dígitos na produção, a Espanha tem desemprego de 23%, o colapso da Grã-Bretanha agora já dura mais do que o declínio dos anos 30.

Ainda pior, os líderes europeus – e um bocado de jogadores influentes aqui – ainda defendem a doutrina econômica responsável por este desastre.

As coisas não precisavam ir tão mal. A Grécia estaria afundada em problemas, não importa qual fosse a decisão de política adotada, e o mesmo é verdade, em menor extensão, a respeito de outras nações da periferia da Europa. Mas os problemas foram agravados mais do que o necessário pela forma com que os líderes europeus — e mais amplamente a política da elite — substituiram análises por moralização, lições da história por fantasias.

Especificamente, no começo de 2010 a austeridade econômica – a insistência de que os governos devem cortar gastos mesmo diante de altas taxas de desemprego – se tornou um mantra nas capitais europeias. A doutrina garantia que os efeitos negativos diretos do corte de gastos sobre o desemprego seriam cancelados pelas mudanças na “confiança”, que a economia com o corte de gastos levaria ao aumento do consumo e dos gastos das empresas, enquanto as nações que não fizessem esses cortes veriam uma evasão de capitais e alta das taxas de juros. Se isso soa, para você, como algo que Herbert Hoover teria dito, você está certo: soa e ele disse.

Agora, os resultados apareceram – e eles mostram exatamente o que três gerações de análises econômicas e todas as lições da história já deveriam ter lhes dito que aconteceria. A confiança praticamente não apareceu: nenhum dos países que cortou os gastos vivenciou a recuperação do setor privado que era prevista. Ao contrário, os efeitos depressivos da austeridade fiscal foram reforçados pela queda dos gastos do setor privado.

Ainda por cima, os mercados de bonds [títulos da dívida] continuam se recusando a cooperar. Até mesmo as grandes estrelas pupilas da austeridade, países que, como Portugal e Irlanda, fizeram tudo que foi exigido deles, ainda estão diante de altíssimos custos para tomar empréstimos. Por quê? Porque o corte de gastos deprimiu suas economias profundamente, reduzindo a base de arrecadação de impostos a ponto de a relação dívida-PIB, o indicador padrão do progresso fiscal, estar piorando e não melhorando.

Enquanto isso, países que não embarcaram no trem da austeridade – mais notavelmente Japão e Estados Unidos – continuam a ter baixo custo de empréstimo, desafiando as previsões calamitosas dos falcões fiscais.

Mas nem tudo deu errado. No ano passado, os custos de empréstimo na Espanha e na Itália dispararam, ameaçando um desastre financeiro geral. Esses custos agora caíram, entre suspiros de alívio generalizados. Mas essa boa notícia foi, na verdade, um triunfo da antiausteridade: Mario Draghi, o novo presidente do Banco Central Europeu, deixou de lado as preocupações com a inflação e comandou uma grande expansão de crédito que era exatamente a “receita do médico”.

Então, o que vai ser preciso para convencer a Convenção da Dor, as pessoas dos dois lados do Atlântico que insistem que podemos cortar nosso caminho rumo à prosperidade, de que elas estão erradas?

Afinal, os suspeitos de sempre foram ligeiros em decretar como morta para sempre a ideia de estímulo fiscal depois que os esforços do Presidente Obama para produzir uma rápida queda no desemprego falharam – apesar de muitos economistas terem alertado antecipadamente que o estímulo era muito pequeno. Ainda assim, até onde posso ver, a austeridade ainda é considerada responsável e necessária, apesar de seu fracasso catastrófico na prática.

O fato é que poderíamos fazer muito para ajudar nossas economias simplesmente revertendo a austeridade destrutiva dos últimos dois anos. Isso também é verdade nos Estados Unidos, que evitaram austeridade total na escala federal, mas registraram grandes cortes de gastos e de empregados nos governos estaduais e municipais.

Você se lembra de toda a barulheira sobre a existência de projetos prontos, em número suficiente, para tornar viável um grande programa de estímulo? Bem, não importa: tudo o que o governo federal precisa fazer para injetar ânimo na economia é dar ajuda aos governos locais, permitindo que esses recontratem centenas de milhares de professores que eles demitiram e retomem projetos de construção e manutenção que cancelaram.

Veja, eu compreendo por que as pessoas influentes relutam em admitir que ideias de políticas que achavam refletir profundo conhecimento na verdade resultaram em completa insensatez destrutiva. Mas já é hora de deixar para trás crenças ilusórias sobre as virtudes da austeridade em economias deprimidas.  (Fonte: AQUI).

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P.s.: DOR SEM GANHO. O título se refere a um ditado americano: no pain, no gain (se não dói, não resolve).
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Krugman, a exemplo de outros analistas, defende claramente a ação estatal (notadamente expansão de investimentos públicos) no enfrentamento da crise. Exatamente o que o Brasil vem fazendo há uma década. Fico a pensar em como estaria hoje o País caso tivesse seguido os 'ensinamentos' dos iluminados que até hoje, não obstante o fracasso inquestionável do modelo neoliberal, insistem em dar aulas aos mortais comuns.

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