quarta-feira, 29 de junho de 2011

RUANDA E AS EXPLOSÕES TRÁGICAS


Explosão populacional em Ruanda, na Nature

Por Carlos Orsi

Este é o tipo de notícia que surpreende por demonstrar a enorme capacidade de resistência da humanidade como espécie – e que entristece ao pôr em evidência a capacidade, aparentemente ainda maior, do ser humano para cavar a própria cova: 17 anos após ser palco de um genocídio que matou 800.000 pessoas, a nação africana de Ruanda vive um boom econômico – ameaçado, no entanto, pela explosão populacional.

É o que diz um comentário publicado nesta semana na revista Nature, que traz um dossiê especial sobre a África. De acordo com o artigo, Ruanda tem uma população de mais de 11 milhões de habitantes numa área menor que a da Bélgica, e uma das 20 maiores taxas de natalidade do mundo: na zona rural as mulheres têm, em média, 6,3 filhos; nas áreas urbanas, 4,9. Oitenta por cento da população do país é rural, e a típica família camponesa de oito pessoas geralmente vive numa área de meio hectare.

A explosão populacional ameaça a principal indústria do país, o turismo: a falta de terra arável para o crescente número de habitantes leva à devastação dos parques e à caça ilegal.

Levar políticas de planejamento familiar à população é uma tarefa complicada, dizem os autores do comentário – o especialista em saúde pública Josh Ruxin e Antoinette Habinshuti, vice-diretora para Ruanda da organização Partners in Health – por questões culturais, políticas e, adivinhe só, religiosas.

“A Igreja Católica administra cerca de metade dos centros de saúde do país e se recusa a oferecer anticoncepcionais, até mesmo a homens portadores de HIV”, escrevem ou autores, acrescentando que grupos internacionais de ajuda humanitária evitam incluir programas de planejamento familiar em seus pacotes de apoio a Ruanda para evitar polêmicas com... adivinhe só. Pois é.

A despeito disso, “alguns programas governamentais chegaram a montar centros de planejamento familiar junto às portas das instalações católicas”.

Em 2008, o Tribunal Penal Internacional condenou o padre católico Athanase Seromba à prisão perpétua por seu papel no genocídio de 1994. Seromba foi acusado de comandar o assassinato de 1.500 pessoas da etnia tutsi.

Em 2001, duas freiras beneditinas tinham sido condenadas, na Bélgica, por auxiliar no massacre de um grupo de refugiados que havia se escondido da turba na garagem do convento.

Quando da condenação, o Vaticano solidarizou-se com as duas – o porta-voz do papa João Paulo II, Joaquín Navarro-Valls, manifestou “surpresa” ao ver uma culpa tão grande “lançada sobre os ombros de tão poucos”.

A posição oficial de João Paulo II quanto ao papel de religiosos católicos no genocídio foi a de que a Igreja não pode ser responsabilizada pelos crimes de seus membros, mas que os criminosos deveriam ser punidos.

É apenas justo notar que outras denominações cristãs também desempenharam um papel terrível no genocídio. Um pastor da Assembleia de Deus, Elizaphan Ntakirutimana, foi considerado culpado de cumplicidade no massacre pelo Tribunal Internacional. E um bispo anglicano, Samuel Musabyimana, morreu sob custódia, aguardando julgamento.

Mas também é justo notar que, antes do genocídio, Ruanda era considerada a mais cristã das nações da África, com uma população de 50% de católicos e 12% de protestantes. Tanta cristandade não ajudou os ruandeses a evitar a tragédia de 94. E parece que é o maior obstáculo aos esforços de se evitar uma nova.

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