domingo, 1 de agosto de 2010

VINICIUS DE MORAES, POETINHA PORTENHO



Os clássicos de Vinicius de Moraes foram quase todos produzidos nos anos sessenta e setenta. No Brasil e na Argentina, país inúmeras vezes visitado por ele (mais Toquinho e Maria Creuza). A argentina Liana Wenner escreveu "Nuestro Vinicius", abordando a saga de Vinicius pelas terras portenhas. A seguir, texto publicado no Estadão, blog de Ariel Palacios. (Acima, capa do livro - e Vinicius, Maria Creuza e Toquinho no LA FUSA, extinto café-concert do bairro da Recoleta, durante uma década templo da Bossa Nova em Buenos Aires):

Os argentinos possuem uma relação de intensa admiração por Vinicius de Moraes, um habitué da cidade de Buenos Aires durante uma década partir de 1968. No entanto, mais do que um visitante, o poeta é praticamente considerado um ‘portenho honorário’. Não é à toa que “Nuestro Vinícius” (Nosso Vinícius) foi o título escolhido pela especialista em literatura e empreendedora cultural Liana Wenner para relatar a presença de Vinícius em terras portenhas.

“Cresci ouvindo na casa de meus pais um velho long play do show de ‘La Fusa’. Achava fascinante essa forma de expressar a alegria e a liberdade que vocês brasileiros possuem”, explica ao Estado a autora do livro, Liana Wenner, especialista em literatura e empreendedora cultural, enquanto beberica um café no bar “Duero”, na esquina da avenida Santa Fe e Pueyrredón (a poucos quarteirões onde estava “La Fusa”, o extinto café-concert que durante um decênio foi o templo da bossa nova em Buenos Aires).

O livro, da editora Sudamericana, será lançado oficialmente nesta quinta-feira em meio a uma festa com muita bossa nova e homenagens ao poetinha por parte dos amigos que teve na capital argentina há quatro décadas.

VINICIUS, SEUS LIVROS E MAFALDA - A conexão portenha começou em 1966 o então advogado Daniel Divinsky – fascinado com a trilha sonora do filme francês “Um homem e uma mulher” (que incluía várias canções de Vinicius de Moraes) e “Orfeu Negro” – passou 36 horas em ônibus sem conforto algum de Buenos Aires até o Rio de Janeiro para propor ao poeta a edição de seus livros na Argentina.

“Vinicius topou, mas pediu 15% pelos direitos de autor, quase o triplo do que cobravam os autores europeus. Aceitei porque queria ter Vinícius entre nossos primeiros títulos. E assim publicamos ‘Para viver um grande amor’”. O livro foi lançado em agosto de 1968. Nos dois primeiros anos Divinsky vendeu quinze edições da obra.

Divinsky fundou a Ediciones de la Flor, casa editorial que na mesma época em que começou a editar Vinicius de Moraes na Argentina (livros que foram vendidos para o resto da América do Sul), também iniciou a publicação dos livros de tirinhas da personagem “Mafalda”, do cartunista Quino.

ESTREIA, CAFÉ, ATRASO E PELÉ – O desembarque de Vinicius de Moraes ocorreu no dia 8 de agosto de 1968 em Buenos Aires. Cinco depois, ele se faria duas apresentações no Teatro Ópera. “Vinícius veio para esta cidade para ser a ponta de lança de uma intensa campanha dos exportadores brasileiros de café, que queriam divulgar o produto na Argentina contra seus principais concorrentes, os colombianos, que também estavam fazendo uma agressiva divulgação. A delegação brasileira era um luxo”, disse Wenner ao Estado, citando os integrantes: “Dorival Caymmi, o Quarteto em Cy, Baden Powell e Oscar Castro Neves”.

A primeira apresentação estava marcada para as 20:30 horas. Mas, eram as 20:15 e Vinicius não aparecia no teatro. De seu hotel, a 15 quarteirões dali, havia saído às 17:00. Os organizadores ligaram para a Polícia, temendo que Vinícius teria sido sequestrado. Mas, o poeta simplesmente não havia percebido que era tarde, e chegou em cima da hora.

Às 22:30 horas o show havia terminado. Mas, o público não queria sair. Mas, do lado de fora, na avenida Corrientes, mais de 3 mil pessoas pretendiam entrar para a segunda apresentação da noite.

No meio dessa atribulada “noite mágica”, como define Wenner, quatro jogadores do Santos, que estavam em Buenos Aires para um amistoso contra o River Plate, apareceram na porta para tentar entrar no começo da segunda apresentação. O produtor do show foi abordado pelo lanterninha, que gaguejava emocionado: “senhor, senhor..Pelé está aqui!!!!”.

Minutos depois, Pelé e seus colegas estavam em cima do palco. O público, em delírio, aplaudia freneticamente. Segundo Wenner, “Baden começou a improvisar uma batida de samba ao estilo Pixinguinha. A bateria acompanhou. Vinicius aproximou-se para abraçar os jogadores. Pelé começou a chorar como um garoto”.

LA FUSA, PIAZZOLA E FERRER – Vinicius ficou em Buenos Aires mais além do previsto e começou a frequentar as casas de shows e a intelectualidade portenha. O poeta ia às apresentações que Astor Piazzolla fazia na época e – escondido no meio do público – gritava: “seu filho da p…!”. O sisudo público portenho ria perante a brincadeira. Piazzolla, que ainda enfrentava resistência dos tangueiros tradicionalistas, deleitava-se com o humor de Vinicius, que descontraía o ambiente do show.

O poeta uruguaio Horacio Ferrer – que com Piazzolla preparou a “Balada para um louco” – conheceu Vinicius em Buenos Aires.

Juntos, segundo Wenner, prepararam “um musical com chorinhos e tangos que teria o inquietante nome de ‘Os exilados do cruzeiro do sul’. Mas, este projeto não se concretizou”.

Em 1970 debutou o show em “La Fusa”, um café-concert no bairro da Recoleta. As apresentações de Vinicius no “La Fusa” – acompanhados de Maria Creuza e Toquinho – são considerados um dos pontos altos da vida cultural portenha da primeira metade daquela década. Os shows nesse café-concert prolongariam-se em diversas fases até 1972 e tiveram influência sobre uma geração de músicos e poetas argentinos.

SAMBAS PORTENHOS - Em Buenos Aires compôs “Samba da Rosa”, dedicado a Rosa, a cozinheira e empregada de um amigo, o americano Fred Sill, que emprestava o apartamento da esquina das avenidas Las Heras e Coronel Díaz ao poeta. O samba foi escrito por Vinicius, mergulhado na banheira – com uma máquina de escrever sobre um suporte de madeira – enquanto Toquinho, com o violão, ficava sentado sobre o bidê.

Na mesma época, no apartamento que Renata Deschamps (mãe da modelo e atriz Alexia Deschamps) tinha na ‘calle’ Montevideo (entre as ruas Posadas e Alvear), Vinicius e Toquinho prepararam a versão definitiva de “Tarde em Itapoã”.

Nesse período profícuo Vinicius também compôs “Valsa para uma menininha” (cujo título completo era ‘Valsa para uma menininha chamada Camila’). A garotinha em questão era Camila Goñi, filha da jornalista argentina Helena Goñi, que cobria os shows de Vinícius.

ESPOSA PORTENHA – A presença em terras portenhas também valeu a Vinicius de Moraes uma esposa, a oitava das nove mulheres que tiveram vida de casal com ele. Ela era a argentina Marta Rodríguez Santamarina (única esposa não brasileira de Vinícius), que o poeta conheceu em Punta del Este em 1975.

Em homenagem a Marta, que tinha 23 anos, compôs “Amigo portenho”, canção na qual pede a seu amigo de Buenos Aires que, caso veja uma determinada garota na rua, lhe diga que está morto de saudade.

Meses depois, no dia 18 de março de 1976, poucos dias antes do golpe militar que implantaria a mais sanguinária ditadura argentina, desapareceu em pleno centro portenho seu pianista, Tenório Cerqueira Jr. O pianista teria sido detido e assassinado por engano por integrantes da Marinha argentina. Vinicius o procurou intensamente e mobilizou todos seus contatos para encontrar seu amigo e músico. No entanto, seu corpo jamais apareceu.

Entristecido, Vinicius começou a frequentar Buenos Aires com menos regularidade e instalou-se no Rio com Marta. A relação de ambos prolongou-se de 1976 a 1978.

VINICIUS URUGUAIO - Wenner sustenta que, mais do que a presença de Vinicius na Argentina, a expressão correta deveria ser “no rio da Prata”, já que o poeta iniciou sua presença na área na margem esquerda do rio, em Montevidéu, quando era cônsul brasileiro.

O livro de Wenner inicia com o insólito relato de uma noite de véspera de Natal na capital uruguaia em 1958, quando três irmãos de uma família destacada de Montevidéu, procurando um bar aberto para celebrar foram ao “Pigmalión”, um bar de prostitutas. Ali, um deles, Marcelo Acosta y Lara, viu um homem, sentado no fundo do salão. Com pena do solitário cliente, o convidaram para beber.

Nessa noite – regada com abundantes destilados – iniciou uma amizade que levaria Vinicius a fazer sua primeira gravação. “Ele quase ainda não havia gravado discos, pois dizia que tinha uma voz ruim para isso”, relata no livro Acosta y Lara, cuja família era dona de uma estação de rádio em Montevidéu.

Em seu apartamento na capital uruguaia, no bairro de Pocitos, Vinicius compôs “A Felicidade”.

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