quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

SALINGER SAI DE CENA



O escritor Jerome David Salinger morreu aos 91 anos, em sua casa em New Hampshire, nos EUA.

Recluso havia muitos anos, o escritor não dava entrevistas nem se deixava fotografar (na foto acima, Salinger aos 44 anos).

O seu livro mais conhecido, "O Apanhador no Campo de Centeio", lançado em 1951, conta atribulações (na linguagem) do adolescente Holden Caufield e se tornou símbolo da geração jovem.

O clássico adquiriu a aura de perturbador, e teria influenciado Mark Chapman, o assassino de Lennon (1980), e o sujeito que tentou matar Ronald Reagan (1981). Mel Gibson, no filme 'Teoria da Conspiração', faz um taxista psicótico fissurado no livro. Até James Dean, bem antes, teria tido a ver.

Não sei a razão, mas o certo é que não li "O Apanhador", a despeito das alusões a ele e a J. D. Salinger em 'n' matérias lidas ao longo dos anos.

A seguir, resenha de autoria de Fernanda Couto, que li no Traça on-line:


"(...) O que parecia um típico romance para a garotada, com uma história um tanto simples à primeira vista, transformou-se num estrondoso sucesso de crítica em 1952, um ano após seu lançamento , desmerecendo a irônica alcunha de 'bíblia dos adolescentes'. Peculiar? Sim. Trivial? Não. Salinger construiu com primor a narrativa do jovem Caulfield, tornando seu relato algo universal, constituindo um verdadeiro rito de passagem pelo qual todos são obrigados a cruzar: o fim da ingenuidade.

Para abordar o fim da inocência, entretanto, Salinger não empregou a usual 'receita de bolo' literária-cinematográfica para a criação de um herói, que corta um dobrado para ter um final feliz. Muito pelo contrário. O autor abusa de seu anti-herói, um sujeito que não se dedica aos estudos, não consegue achar nada agradável, considera todos grandes atores representando seus papéis. Somando-se a crítica ao cinema hollywoodiano, pois o jovem detesta cinema 'tipo enlatado'; a postura dos apóstolos na Bíblia e uma pitada de homossexualismo, quando Caulfield percebe que seu professor possuía uma afetividade que ultrapassava e muito a relação professor-aluno; tudo isso regado a muita coca-cola e uísque.

Ao longo do livro, contudo, percebe-se que Caulfield ainda é muito ingênuo e que sua ida a Nova York é o item fundamental para a sua formação de adulto. O rito de passagem, atravessado pelo jovem Holden, acaba quando, conversando com a sua irmã menor, o jovem percebe a importância da responsabilidade: 'Fico imaginando uma porção de garotinhos brincando no campo de centeio. Milhares de garotinhos e ninguém por perto. Eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê eu tenho que fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo.'

Apesar do foco estar voltado para o jovem Holden, sem os personagens secundários e descrição detalhada, o livro estaria mutilado. Percebe-se, então, que a obra não está lá para contar apenas uma história. O livro é uma verdadeira aula de psicologia e de comportamento humano. Através dos professores e colegas de Caulfield, da prostituta nova-iorquina, das freiras da Cruz Vermelha e do diretor da escola Pencey, Salinger teceu um verdadeiro relato sobre o que o sociólogo Erving Goffman intitulou de 'a representação do eu na vida cotidiana'.

Uma leitura mais indiscreta do livro traz à tona traços nada tênues da biografia de Salinger. Assim como o anti-herói Holden Caulfield, o autor foi expulso inúmeras vezes do colégio, sempre teve um estilo de escrever irônico e afiado assim como o vocabulário de seu personagem e, após 1965, parou subitamente de escrever e nunca mais publicou nada – atitude tão intempestiva quanto as do narrador de O apanhador no campo de centeio.

Outras curiosidades também cercam o livro. Diferente de muitas traduções que não são fiéis à maneira de falar dos personagens, a da obra de Salinger é autêntica ao retratar as gírias e expressões que saltam da boca de Caulfield. Essa é uma das razões pela qual muitos a consideram 'um clássico moderno' e 'o livro que transformou uma geração'. Os fãs de John Lennon também tiveram um bom motivo para ler o livro depois que seu assassino Mark Chapman foi pego, após cometer o crime, lendo serenamente 'O apanhador no campo de centeio'.

Bíblia de adolescente ou não, não se pode diminuir a deliciosa forma com a qual Salinger conduz a narrativa da obra. Tão universal quanto a pergunta 'Ser ou não ser? – eis a questão', nada resume melhor o espírito do livro de Salinger senão uma outra citação de Shakespeare que Holden Caulfield acharia 'cem por cento': 'nós só ficamos em ordem quando estamos fora de ordem'."

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